Doutor Palhinha (ドクターパリニャ), Sofia e Gigi e outras historietas
Estou psicografando doutor Palhinha que nasceu e morreu em duas dimensões de um livro? Você de.ci.de.
Eis o v(1), n(47) desta newsletter. Este é um pouco mais descontraído, contrastando com o anterior, que tratou de dois livros com a temática do radicalismo político. Tema pesado, né? Pois então, novamente, adianto em um dia o envio desta.
Acho que é meu desejo de ver o doutor Palhinha (e seu método ‘pré-científico’ de investigação, baseado em pré-conceitos) circular um pouco mais (preciso praticar minhas narrativas com este incrível investigador).
Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
Doutor Palhinha e o Caso da Pane no Facebook
- Ó, seu Zucka, esse problema aí da rede tá parecendo serviço de china. Olha a marca dos cabos...
- But we do not have Chinese employees in the infrastructure room, Palhinha, Ph.D. By the way, you are being very unpolit....
- É doutor Palhinha, seu Zucka!
- I am sorry. But wouldn't you have any clue?
Look, you should not use your personal prejud...
- Respeito é bom e eu gosto. Nada de palavrão. Que 'clu'? Vim prá resolver este negócio. Quer ou não? E disse isto enquanto ajeitava o cigarro de palha amassado que havia trazido desde Taubaté.
- But, but...ok, I'm sorry...
- Seu Zucka, rápido. Pega ali o meninote!
- The new internship?
- Sim. Estrago destes? Sempre culpa do estagiário. Naum tem erro!
Ted Armstrong Jr. até tentou correr, mas foi cercado pelos seguranças de Marc Zuckerberg.
Mais tarde, confessaria ter trocado os cabos USB dos servidores tentando aumentar a velocidade de um software espião que derrubaria o bloqueio às páginas de seu grupo de jazz, o obscuro The Amazing P.J.O’Rourke Jazz Club, cujas músicas desagradavam Zuckerberg e seus amigos que pertenciam a um grupo de adoradoresde uma desagradável mistura de blues com bossanova que, até o final deste texto, não tem um nome que o designe. Melhor assim.
Doutor Palhinha em curto encontro com Lucas Mafaldo (curtinho e inacabado)
O frio do Canadá não perturbava o doutor Palhinha.
- Gostoso este sorvete de milho gringo, seu Lucas.
- De nada, doutor. Pode me chamar de Mafaldo.
- Ó, seu Mafarrdo, naum vai dar.
- Mas preciso terminar o livro.
- Tá baum.
- Não tem uma pista?
- O senhor sabe, esta bebê aí, gordinha, né?
- Não, o senhor não quer dizer...
- Sim senhor. A muleka é que te deu dor nas costas.
- Acho que ela fez pum.
- Ó, que gracinha. Mas, seu Mafarrdo, acho que não é só pum não...
Doutor Palhinha em “Quatorze Picolés e Um Destino” (o primeiro caso nipo-brasileiro dele?)
No interior de São Paulo, em algum ponto no tempo entre os longínquos 1940 e 1950, localiza-se uma pequena propriedade rural com uma família de imigrantes nipônicos composta do casal e seus onze filhos vivendo da agricultura.
Por óbvio, viver da agricultura nunca foi fácil. Para ninguém. Pois imagine, então, para quem tinha como língua materna o japonês, no meio do interior paulista da época. Não se surpreenda se alguém te contar que, em algum momento daqueles tempos, um japonês fritou um mamão. Ou que tentou fazer doce com feijão carioquinha.
Aliás, assim é que se constroem os mitos das Obatyan(s) (escreve-se Obachan). E também os das Obaatyan(s) (Obaachan). Não, não errei. É que Obátyan é a tia e Obaatyãn é a avó (tentei mostrar que tem um acento ali, mas que não é para berrar na hora de falar, ok?).
Alguns de nós, da 3a geração, ainda tivemos o prazer de viver um pouco com nossas avós. Uns poucos da 4a geração também tiveram a honra e, para os mais novos, são só referências anedóticas, lendárias mesmo. De todo modo, é hora de voltar ao objetivo central deste pequeno conto.
Como eu dizia, em um bucólico (ou nem tão bucólico assim, dadas as broncas diários do pai aos filhos), o pai - conhecido como ‘seu Kazuo’ - e seus três filhos mais velhos foram à cidade vender os produtos da roça.
Tendo sido o dia bom para os negócios, o contente pai comprou uns picolés para a família. Não tendo troco para levar exatos treze picolés, comprou quatorze (já pensando em, como chefe da família, faturar dois para si…) e voltaram felizes para sua pobre casinha que, por motivos puramente literários, era pertinho de Taubaté.
Lá chegando, o pai assobiava uma melodia qualquer de uma música ainda dos anos 30 como China no Yoru (Noites da China, 志那の夜) e se perdeu com pensamentos de sua antiga Hiroshima. Quando chegou a vez de descarregar os picolés, levou um susto.
- Êêê….picoré, cadê? , gritou, visivelmente contrariado (com a falta de seus dois picolés, claro).
A esposa, percebendo que o pai iria ficar muito nervoso, mandou uma das filhas correr até a fazenda vizinha e chamar pelo maior investigador de todos os tempos. Sim, ele mesmo, o doutor Palhinha. Que chegaria, de charrete, uns 40 minutos depois.
- Bom dia, seu japa.
- Ohayou gozaimasu, dokutaa Parinya. Kazuo to moosshimasu. (Bom dia, doutor Palhinha. Meu nome é Kazuo)
- Seu Kazuo, sei. Sua filha me falô que sumiu picolé aqui, é isso?
- Hai, Parinya san. É que 14 picoré sumiu, eu não fala porutoguêsu. Senhor ajuda?
- Vizinho baum a gente sempre ajuda. O senhor e seus três filhos mais velhos compraram os picolés, né?
- Isso, dokutaa Parinya.
- Tinha de milho verde?
- Etto, nee…miryo berude eu non rembura.
- Tá baum. O senhor e mais quem sabia dos picolé?
- Eu e três filha. Mais velha.
- Chama eles aqui, seu Kazuo.
Seu Kazuo, que já não estava exatamente calmo, gritou em direção à casa no mesmo tom nervoso de personagens de filmes de samurais de Akira Kurosawa. Sim, aqueles que te levam a pensar que japonês fala gritando até para pedir chá em templo Zen budista.
Passados uns minutos, os dois filhos mais velhos chegaram e nada do terceiro filho. Exasperado, o pai gritou por ele que, então, veio correndo de dentro da pequena casa que acomodava aquela imensa família.
Doutor Palhinha pediu para o restante da família se reunir com eles.
- Baum, muié de japonês é tudo submissa e obedece o marido. Podem toda voltá prá dentro.
As filhas e a esposa do seu Kazuo ficaram visivelmente contrariadas com a fala preconceituosa do doutor Palhinha, mas como eram boas mulheres japonesas, retiraram-se lentamente para dentro de casa, sorrindo e praguejando em voz baixa.
- Japonês trabalha muito, né, seu Kazuo? Os filhos que estavam em casa não podem ser culpados. Aposto um picolé de milho verde que nem viram a caminhonete chegar.
Sobraram, então, os suspeitos mais óbvios: os três filhos mais velhos (Nagisa, Akira e Nobita).
- Seu Kazuo, é o seguinte. Eu conheço bem guri japa. Em Taubaté tem um monte. A gente sabe que molecote japa é como os daqui de São Paulo.
- Sim, dokutaa Parinya.
- Pois é. Seu filho mais velho, o Nagisa. Todo filho mais velho é mais responsável. Mas a tentaçaum é grande. Aposto que pegou um picolé. Sabemos também que todo filho do meio é mais complicado. Qualquer mãe sabe. Aqui ou no Japaum. Diria que Akira pegou uns três ou quatro picolés. Agora, o Nobita, seu Kazuo, mais novo destes três, aposto que devorou todo o resto.
Os três filhos gelaram, mas já que iriam apanhar feio do pai, confessaram o crime e, aqui, diferentemente do conto No Bosque (ou No Matagal) de Akutagawa, só há uma perspectiva do ocorrido criminal. Eis como tudo se passou.
Aproveitando-se de que o pai cantarolava distraído, Nagisa (pronuncia-se Naguíssa) aproximou-se dos ensacados picolés e surrupiou um deles, rapidamente se escondendo no meio do matagal.
Akira, que havia notado o irmão, mostrando que a gente aprende (a errar melhor) com o erro, surrupiou mais três, escondendo-se no alto de uma árvore estrategicamente localizada em um ponto cego dos fundos da propriedade.
O mais novo entre os três, Nobita, vendo o que se passava, não pensou duas vezes: pegou o saco de picolés e se escondeu embaixo da cama, em seu quarto, onde iniciou sua épica tarefa de devorar rapidamente dez picolés como se trabalhos de Hércules fossem.
Nobita nunca decepcionou no que diz respeito a picolés.
Foi assim mesmo, eu juro.
Sofia e Gigi - Há algum tempo não menciono Sofia e Gigi por aqui. Mas eis um caso novo delas.
Desde que chegou, Gigi vem, por ser mais nova, monopolizando as brincadeiras. Eu tento manter o equilíbrio, mas é difícil. Tenho sempre que passar um tempo brincando com uma e, depois, com a outra. Ainda não entendo bem a dinâmica de como os felinos brincam entre si e comigo ao mesmo tempo.
Pois outro dia, pensando em animar Sofia, peguei um de seus bichinhos de pano e fui até o canto da sala, onde geralmente brinco de descer e subir o brinquedo para que Sofia o pegue.
É uma brincadeira já rotineira nossa e, bem, não é que ela se animou?
Mas Sofia é lenta. Parece apreciar o cálculo do melhor momento mais do que o ato em si. Introspectiva? Talvez. Não sou psicólogo de animais (de duas ou quatro patas), portanto não me aventuro muito a elocubrações mais detalhadas no tema.
Enquanto Sofia começava a se divertir, o inesperado: Gigi se aproximou. Curioso, resolvi seguir com a brincadeira. No primeiro movimento, Gigi pulou e jogou o bicho ao chão. Sofia apenas a observou.
Tomei o bicho, encostei-o na parede e começava a movimentá-lo para cima quando, mais rapidamente ainda do que da primeira vez, Gigi o levou ao chão. Desta vez, contudo, ganhou um belo de um cocão da Sofia, visivelmente escandalizada.
Gigi ficaria no canto, um pouco mais afastada, por um tempo depois deste pequeno incidente. Brinquei um pouco com Sofia até que ela se deitou e relaxou, provavelmente saboreando seu sucesso em ‘ensinar modos à novata’.
Depois? Ah, depois eu peguei outro bicho de pano, aproveitando o precoce cansaço de Sofia e repliquei a brincadeira com Gigi. Não houve queixa por parte da Sofia mas, logo, Gigi também se cansou e foi brincar na sala. As duas brigariam mais um pouco antes do sono.
Tem sido interessante e revigorante ter Gigi e Sofia em casa.
Lá vê a lua surgino,
Uguali c’oa pomarolla;
Si vucê non gazá cumigo,
Ti batto c’oa gaçarola.
Este é um dos Versignos, de Juó Bananére, em La Divina Increnca (republicado pela Editora 34, mas você o encontra na Biblioteca do Mindlin, online). Quem me deu a dica do autor foi o Orlando.
Melhor ainda é que há um perfil do Juó no Twitter que é um imitador perfeito.
Mais Doutor Palhinha - Criação de Alexandre Soares Silva, doutor Palhinha se tornou uma obsessão para mim e mais alguns. Uma listagem dos contos está no final desta mensagem. Por aqui, o doutor Palhinha também foi alvo de Antônia Melcher (não sou eu, é o pseudônimo de outra pessoa mesmo). Ele também esteve aqui e aqui. Ah sim, outra que poderá reaparecer aqui é a jovem Aynitta. Você quer mais Aynitta? Comenta que eu te escuto, véi.
Radicalismo da esquerda - Um dos pontos finais do meu texto no último número desta newsletter foi justamente uma indagação sobre o porquê de tão poucos estudos sobre o radicalismo da esquerda na academia. No mesmo dia (ou pouco depois, não sei), tuitaram este interessante artigo na insuspeita The Atlantic, sobre o tema.
Claro, no Brasil, sigo com uma lanterna na mão, procurando análises similares…
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![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_600,h_314,c_fill,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fbucketeer-e05bbc84-baa3-437e-9518-adb32be77984.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2Ff5cfe323-2be8-4c8d-a086-66e57626a99a_960x500.jpeg)
Migração e colonização no Brasil - Um artigo antigo na Revista do Serviço Público sobre o tema, com gráficos e tabelas que, diriam alguns, seriam os ancestrais dos modernos dashboards que, a propósito, não são tão bonitos e complexos quanto inúteis em sua grande maioria.
Por hoje é só, pessoal. Peço desculpas por adiantar, novamente, o envio. Espero que não se incomodem muito. Volto quarta que vem. Até lá, fiquem bem.