Doutor Palhinha encontra o Juiz Dredd. Mercantilismo. Efeito Peltzman (e outros temas)
Não resisti e voltei ao doutor Palhinha. Mas o inimigo, agora, é outro.
Bom dia. Desculpo-me por adiantar o número de hoje, mas os planos para esta manhã de sábado mudaram (tarefas, tarefas…). Aqui estamos nós, novamente. Salvo engano, é o v(1), n(45) desta newsletter. Neste número, por algum motivo misterioso, uma nova história do doutor Palhinha. Tem mais? Tem.
Você talvez seja novo por estas bandas. Então, rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
Doutor Palhinha encontra Juiz Dredd - Depois do último número da newsletter, senti vontade de escrever um pequeno texto sobre como seria o encontro do doutor Palhinha com o lendário (para mim) Juiz Dredd.
O cenário: numa esquina de Mega-City One, o temível Juiz Dredd descansa após enfrentar uma horda de mutantes. Toma seu café no copo descartável olhando para o chão quando vislumbra o que parece ser um par de chinelos sujos ocupados por familiares (para nós) pés descalços.
Ao levantar os olhos percebe que está em frente a uma figura diferente. Trajando camisa xadrez com suspensórios e um sobretudo desengonçado que parece ser dois números maior do que suas medidas, lá está o… (deixemos que ele se revele).
- Oi moço. Como faço prá ir prá Taubaté?
- O senhor não é de Mega-City One. Identificação, por favor.
- Heim? Ah, o senhor quer dizer Érre-gê. Tá aqui, ó.
Até mesmo o Juiz Dredd, acostumado com o que há de mais nojento no mundo dos quadrinhos de ficção britânicos (God Save the Queen!) se espanta com estado de decomposição daquela carteira de identidade.
- Honório Palha de God..?
- de Godoy, chefia.
- Como veio parar aqui?
- Num sei. Óia, moço, eu tava num caso, levando um negão, tal de Tom Sowell para a cadeia, na página 112 dum livro e, sei lá como, apareci aqui.
- Bem, senhor Honório…
- Doutor Palhinha.
- Como? Doutor Palhinha, moço. Me chama de doutor Palhinha.
- Oh, sim. Bem, doutor Palhinha, o que o senhor quer mesmo?
- Saber como vórto prá Taubaté, moço.
O juiz Dredd pensava sobre a situação toda quando foi interrompido.
- O sinhô é da lei, é?
- Sim, sou juiz.
- Minha intuição naum falha. Mas porque usa esta fantasia?
- Fantasia? Este é meu uniforme! Olha aqui o distintivo!
- Jura, moço? Uai, bunito.
- O senhor falou ‘Taubaté’. Onde fica isso? É fora dos muros?
- Ô, seu autoridade, tem muro naum. É lá perto de São Paulo.
Dredd e Palhinha, que encontro notável. Um juiz de 2099 e um inspetor em uma espécie de interseção dimensional. Vejamos em que isso resultará…
- O senhor juiz poderia dizer o que fazia quando me encontrou?
- Oh, sim, doutor Padilha. Tentava resolver um crime.
- Quem sabe naum ajudo? Sou investigador?
- Hum, muito bem. Já que está aqui, vou lhe contar o que sei.
Dredd começava a se incomodar com doutor Padilha e pensava em lhe dar um tiro. Contudo, o intrépido investigador não havia cometido nenhum crime. Assim, Dredd decidiu lhe falar de um crime iniciado em número anterior da revista 2000AD.
- Olha, doutor Padilha, outro dia, no Condo Julie Newmar, um homem foi achado morto. Todas as entranhas para fora. O padrão de crueldade lembra muito o meu clone, Rico. Era o que eu pensava até a página 23. Mas, então, entre as páginas 24 e 30, houve uma reviravolta…
- Chefia, divagá aí. Quequié ‘Condo’?
- São aquelas construções ali, olha.
- Nussa Senhora das Solteironas! Casão mermo…
Foi então que o nosso inspetor descobriu algo muito maior.
- Ó, seu juiz, descobri o que tá acontecendo.
- Acha que foi o Rico? O Juiz Morte?
- Naum, naum. Descobri ôtra coisa. Já sei porque estou aqui. Veja, eu estava na página 112 dum livro e o seu juiz estava resolvendo um crime entre as páginas 24 e 30 dum gibi, como é mermo o nome?
- 2000AD.
- Isso, 2000ádê. Pois entaum, seu juiz, gibi e livro é coisa de gente metida a ler. Gente que prefere se trancar num quarto com papeleira e lápis. Gente que naum joga bola no campinho quando criança e que troca bocha com os idosos para folhear jornal na velhice.
- Onde quer chegar, inspetor?
- Carma, seu juiz. Veja, esta gente aí é toda cheia de mania. Tudo tomador de café que não sai muito de casa porque ‘tem-que-ler-um-livro’.
- E…?
- E isso significa que um cdf, um Caxias que me tirou do livro e me colocou aqui! Veja! É o autor!
Foi então que o autor percebeu que Dredd e o doutor Palhinha o encaravam. Perdeu os sentidos ao ser atingido por um raio atordoador. Nunca mas soube dele, mas ainda tenho a estranha sensação de que o conheço…
Colonizando o universo sob a (luz?) sombra do passado - Anton Howes publicou, nesta mesma Substack, um belo texto sobre a colonização de planetas. Belo? É, belo porque bem escrito, gostoso de se ler. Adicionalmente, porque o texto é uma oportunidade de se lembrar alguns fatos históricos importantes.
Howes faz um paralelo entre modelos de gestão das companhias mercantilistas para falar do futuro da colonização espacial. Especificamente, menciona as mais famosas: as Companhias das Índias Orientais inglesa e neerlandesa.
Em certo trecho, ele diz:
The English East India Company, for example, was initially more focused on rewarding its shareholders than it was on investing in the full infrastructure with which to dominate a trade route. The Dutch company, by contrast, from the get-go was part of a more coordinated imperial strategy — one that sought to systematically rob the Portuguese of their factories and forts, to project force with the aid of the state. Indeed, if there’s one big lesson for the geopolitics of space, it’s that far-flung empires can be extremely fragile, with plenty of opportunities for late-arriving interlopers to take them over.
Este aspecto, inclusive, já foi estudado em um ótimo artigo de Douglas Irwin, em 1991, chamado Mercantilism as Strategic Trade Policy: The Anglo-Dutch Rivalry for the East India Trade, publicado no The Journal of Political Economy. O artigo não é muito fácil para quem não é da área da Economia mas, em resumo, estuda os diferentes incentivos que permearam a ação das duas concorrentes.
Aliás, em número anterior desta newsletter, mencionei alguns e-books que gerei com alunos e, um deles, baseou-se explicitamente neste artigo. Foi o: Dois competidores são melhores do que um?, que envolveu uma turma de alunos em um trabalho sobre competição imperfeita. A pergunta era: e se as duas companhias formassem um cartel?
Outra referência sobre as duas companhias é The Dutch and English East India companies compared: evidence from the stock and foreign exchange markets, de Larry Neal, que é um dos capítulos do The Rise of Merchant Empires, editado por James D. Tracy (Cambridge University Press, 1990).
Neste texto, Neal compara as duas companhias, inclusive com um exercício econométrico e, em suas conclusões, percebe uma ligeira superioridade no modelo da companhia inglesa, já que a neerlandesa teria mais dificuldades em adotar inovações em sua frota. Em outras palavras: ainda que o custo da viagem fosse menor na companhia neerlandesa, no longo prazo, os ingleses se saíram melhor.
Histórias sobre estas duas companhias são excelentes para quem está lecionando cadeiras não só de história econômica, mas também de organização industrial ou microeconomia. Sem dúvida, o contexto mercantilista nos dá ainda outro bom insight. Afinal…
Mercantilism is a process through which rent seeking alters property rights systems in socially inefficient manners reducing exchange, efficiency, and economic welfare. Mercantilism flowers when political institutions, formed from constitutions, permit rent-seeking redistributions of property rights. [Ekelund Jr., Robert B. & Tollison, Robert D. ‘Politicized Economies - Monarchy, Monopoly, and Mercantilism’. Texas A&M University Series, 1997, p.235]
Pois é. Economia Política (no bom sentido) e estudos sobre direitos de propriedade são um prato cheio para boas pesquisas e, sim, gosto de ler sobre companhias mercantilistas, como vocês provavelmente já notaram.
Efeito Peltzman - Fruto de uma das últimas newsletters, esqueci de mencionar que já trabalhei em uma pesquisa sobre o tema. Deixo aqui um trecho do resumo do trabalho.
(…) This study tries to test whether the undesirable behavior described by Peltzman (1975) is observed on the highways and roads of the State of Minas Gerais, Brazil. Estimates based on data found in the Brazilian Federal Road Police’s accident report databank confirm drivers’ lack of attention in safer environments. The results suggest that careless behavior in traffic increases when safer conditions prevail.
Pois é. Eu, Ari e Guilherme tentamos verificar se estradas mais seguras eram um incentivo, tudo o mais constante (ou seja, ceteris paribus), para um comportamento mais descuidado dos motoristas. As evidências que encontramos à época foram de que Peltzman tinha razão.
Governança Radical - Lideranças que podem ser rent-seekers ou a favor da prosperidade econômica? O comentário do Luiz A. Machado nos dá um insight interessante. Eu me pergunto o quanto o papel dos incentivos não explica este comportamento diferente entre as lideranças industriais e as do agronegócio no Brasil.
Os novos abolicionistas - Wesley Yang começa, com este texto, a analisar mais detalhadamente o movimento que chama de novos abolicionistas. Vale a leitura.
O pior automóvel do mundo - O filme Vacation, com Ed Helmes, não foi lá aquele sucesso. Claro, os clássicos com Chevy Chase, são bem mais divertidos. Mas há algo muito bom no filme de 2015: o Tartan Prancer.
O leiloeiro walrasiano encarcerado - Minha resenha de um ótimo livro sobre prisões. Estudando o caso de um complexo penitenciário de Pernambuco, o autor nos faz saber mais sobre como, de fato, funciona a governança (governança radicalmente criminosa?) em um ambiente tão complexo. De quebra, o autor ainda nos dá algumas estimativas de preços de vários bens comercializados dentro das prisões.
Custos de transação, preços, alocação de recursos escassos (e até path dependence) são conceitos usados pelo autor.
Como não usar estatística - O Leo te mostra.
Nostalgia - Este episódio de Atashin’chi (Atashi no Uti, ou, “Minha família”) é tão belo quanto relaxante. Legendas em inglês.
Ficamos por aqui. Tenha um ótimo dia e até a próxima.
Fico agradecido se puder compartilhar o conteúdo com seus amigos e…
…se em um acesso de loucura, você resolver assinar…