A (não-tão-assim) Invencível Armada, Sofia e Gigi e algumas sabedorias econômicas para quem precisa.
O barquinho, a caravelinha, o galeãozinho, o patinho e o laguinho. E muito mais.
Neste v(1), n(31) vamos falar um pouco da ineficiência ibérica no combate naval no século 16. Trata-se de um tema que nos levará a um tópico muito comum na Economia dos Recursos Humanos: a alocação de talentos. De quebra, um pouco de rent-seeking no Brasil colonial e, claro, Sofia e Juju (agora rebatizada como Gigi) e outros temas.
Em 2001, no The Journal of Military History, v.65, Armando da Silva Saturnino Monteiro publicou o ótimo The Decline and Fall of Portuguese Seapower, 1583-1663. O ponto central do texto está no debate acerca de se o declínio naval português derivou de um certo descaso espanhol, quando da União Ibérica, ou não1.
O artigo tem um levantamento de dados bem interessante. Por exemplo, a frota combinada a serviço da Espanha, em 1588, tinha 58 navios espanhóis e 11 portugueses. Já em 1639, os números eram 34 e 4. As perdas portuguesas? Em 1588 foram 3 e, em 1639, 4. E a frota combinada a serviço de Portugal? Na primeira medida de Monteiro, 1625, vemos 28 navios espanhóis e 7 portugueses, com uma perda de 2 navios espanhóis naquele ano. Ao longo do tempo a distribuição e torna mais igualitária e, em 1640, eram 8 navios espanhóis e 8 portugueses e, neste ano, os espanhóis perderam um navio.
Os espanhóis, inclusive, reforçaram a frota para a retomada da Bahia (em 1625), e também, a frota que fazia as viagens para a Índia. Não se pode dizer que não se preocuparam em manter o império conjunto durante a união dos reinos.
Já mencionei, por alto, em outro número desta newsletter, a questão da inferioridade dos navios portugueses. Mas eram navios inferiores em tudo? Claro que não (em outro número, aliás, vimos que incentivos importam). Monteiro explicita o trade-off comparativo entre os navios ibéricos e os concorrentes (Inglaterra e Províncias Unidas).
Since English and Dutch ships were faster, could sail closer to the wind, and usually had more guns, they had an advantage in a gunnery duel. The Portuguese and Spanish ships were bigger, had higher castles, and usually had more soldiers on board, giving an advantage in a boarding fight. The problem was that their lower speed prevented them from using this tactic. [Monteiro (2001), p.16]
E os dados? O que nos dizem os dados? O autor levantou, para o período 1583-1663, as batalhas dos portugueses contra holandeses e ingleses na Índia e no Atlântico. No Índico foram 15 batalhas e, no Atlântico, 13. No primeiro caso, os portugueses ganharam 3, empataram 8 e perderam 4. Para o Atlântico, 2 vitórias, 5 empates e 6 derrotas. A despeito do tradeoff, no fim, os ibéricos ficaram mal no pódio.
Claro, nem só de características tecnológicas é feita uma vitória. É preciso haver liderança. Nisto, holandeses e ingleses também se diferem de portugueses e espanhóis. Segundo o autor:
English and Dutch ship captains were, in general, professional sailors, accustomed to navigation from youth (…). The captains of the Portuguese ships engaged in naval fighting were fidalgos, knights of noble birth trained from a tender age in horsemanship and hand-to-hand fighting but with no experience at sea. [Monteiro (2001), p.19]
Pois é… não ajuda muito se sua formação (ou a sua educação) não tem muita aderência à vaga de emprego. É curioso pensar no porquê deste sistema de alocação ineficiente de talentos feito pelos portugueses. Quais seriam os motivos? Escassez de marinheiros? Instituições ineficientes? Não sei. Talvez você tenha uma pista.
Claro que, como todo mundo já sabe, dizer que incentivos importam é fácil. O mais desafiador é entender como eles são desenhados (nem sempre o são) e como se alteram ao longo do tempo.
Finalizando, este artigo me lembrou de outros dois estudos: (a) este, de 2001 sobre as expedições públicas e privadas ao Pólo Norte e; (b) este de 1993, de DeLong e Shleifer, sobre as cidades comandadas por príncipes versus as comandadas mercadores antes da revolução industrial. São ótimos textos para uma aula de história econômica.
O empreendedorismo e o Estado - Conta-nos Lucy Maffei Hutter em A Madeira do Brasil na Construção e Reparos de Embarcações (Revista do Instituto Estatístico Brasileiro (26), 1986, p.47-64) que, no Maranhão do século 17 (1688), um estaleiro foi criado. Um empreendimento privado? Claro. Operou livremente? Well, veja o que nos diz a autora.
(…) foi montado, no Maranhão, um estaleiro por Gaspar Verneque (alemão)2 e Simão Ferreira Coimbra, quando ali construíram uma fragata. Essa construção viu-se interrompida pelo menos duas vezes, quando o Governador do Maranhão ocupou os artífices na obra de um patacho seu, que seria destinado ao transporte de cravo do sertão.
Diante da queixa dos construtores, em carta de 4 de fevereiro de 1669 dirigida ao Rei de Portugal, D. Afonso VI, este advertiu o governador e ordenou-lhe que desse toda a ajuda a construção da fragata (…)”. [Hutter (1986), p.53]
Pois é. Há quem pense que a empresa privada atuava no Brasil de forma livre, leve e solta, num mítico paraíso liberal (ou melhor, neoliberal) em plena era colonial. Nada disto. O poder público estava ali para achincalhar o colono, sempre que possível. Mas não se apresse em maldizer o poder público3! Afinal, como nos diz o próprio trecho, havia um rei e Dom Afonso VI não é exatamente o sinônimo de um empresário (neoliberal). A pista para se entender o Brasil? Rent-seeking. Pode dar um Google.
Sofia e Gigi (ex-Juju) - Sofia chegou aqui de um abrigo. É uma desconfiada mineira (preciso usar os dois na mesma frase?) que sempre olha esperando aprovação para a maioria das coisas que deseja fazer. Tem porte, é elegante, parece uma frequentadora assídua do Palácio de Buckingham.
Juj…Gigi - que agora foi rebranded (repaginada, vai) ou melhor, rebatizada para Gigi - veio direto da rua. Muito magra, faminta, parece um saco sem fundo. Come, come, come e não engorda. É mais nova que Sofia (estimamos que Sofia tenha 3 anos e Gigi, no máximo, 1 ou 1.5). Já a peguei lambendo um prato com restos de pão francês.
As cenas que Sofia protagoniza por conta dos ciúmes que tem da nova integrante da família nos lembram que muitos comportamentos não são exclusivos da espécie humana. Não é de hoje, por exemplo, que estudiosos verificam aspectos racionais na escolha de alguns animais (veja um exemplo aqui).
Atualização (alguns dias depois): tempos de paz prevalecem sobre os de conflitos. Gigi e Sofia começam a se entender e, agora, Gigi come não mais como se não houvesse amanhã, mas sim como se não houvesse depois de amanhã. Percebeu que já não vive nas ruas.
Sabedoria econômica para advogados com necessidades especiais de lógica básica - A área de Law & Economics une dois improváveis seres humanos: os economistas (supostamente humanos) e os advogados (vide observação anterior).
Outro dia foi o Dia do Advogado e, claro, muitas mensagens parabenizando os profissionais da área. Em uma delas, de tom semi-irônico, dizia-se que devemos amar nosso advogado porque ele nos defenderá mesmo que não acredite em nós.
A piada apareceu nos famigerados grupos do zap e, em um deles, um sabichão saiu-se com esta: Ingênuos! Eu mudaria a frase! Eu diria que defendo até eleitor do X, mas cobraria o dobro.
Ao ler esta frase, lembrei-me do básico de Economia: aquele pequeno e insignificante negócio chamado sistema de preços. Resolvi, pois, ofertar, gratuitamente, para sabichões, uma pílula gratuita de sabedoria econômica. Segue o raciocínio: o sabichão anuncia ao cliente que lhe cobrará R$ 2Y,00 (Y > 0). A concorrência toda cobra, digamos, R$ 1Y,00 (Y > 0 por questões de isonomia). Quem ficará sem dinheiro e sem cliente? Depois dizem que a desigualdade é injusta…
Sabedoria econômica para gente inteligente que sabe que tudo que sabe é que nada sabe - Esta ótima observação do Diogo sobre blockchain e impostos merece emolduramento.
![Twitter avatar for @dgrcosta](https://substackcdn.com/image/twitter_name/w_96/dgrcosta.jpg)
Pois é. Cirúrgico.
Você já pode voltar ao seu café pois…chegamos ao fim do texto de hoje. A gente se encontra, provavelmente, na quarta. Até lá, tenha bons dias.
O assinante mais antigo já notou que o tema das navegações e do império ultramarino aparecem com alguma frequência por aqui. Alguns exemplos foram: (a) as companhias mercantilistas, (b) os cartazes e, (c) o risco moral dos marujos lusitanos. Note que todos estes textos têm a pretensão de mostrar o papel de elementos da Teoria Econômica na explicação de fenômenos que, embora distantes no tempo, são bem - mas bem mesmo - atuais. Eu já usei alguns deles em sala e, sim, o pessoal nunca prestou atenção. Alguns até dormiam tranquilamente a despeito da conversa da turminha do canto (e, claro, também a do fundão).
Só agora me dou conta de qual seria a leitura original do Verneque. Caramba! Às vezes sou lento para perceber algumas coisas…
Poder público…da época, eu sei. Ai que preguiça de quem acha que não sei que se trata de um estado monárquico, diria Macunaíma.