Não é o tamanho do Cartaz, mas sim a receita indireta que ele proporciona!
O tema das conquistas ultramarinas volta a assombrar a dignidade humana dos hipossuficientes leitores desta newsletter...quem poderá salvá-los?
No v(1) n.(9) desta carta volto ao tema das conquistas ultramarinas (no v(1), n.(6) falamos disto também). Use com moderação.
Eu já contei para vocês que Lula extorquiu muita gente na Índia? Não é segredo para ninguém. Vou até citar o trecho, em inglês mesmo, com o link para o texto original.
A rare instance of the participation of a Malabari potentate in piracy before the sixteenth century can be found in Ibn Battutah’s travelogue. It states that the Hindu ruler of Barkur (“Farkanur”) “possesses about thirty warships, commanded by a Muslim called Lula, an evildoer who robs at sea and plunders merchants on the sea.” [Prange (2011), 1275-6]
Sim, este era um Lula muçulmano que também foi um pirata. O artigo (excelente, por sinal) de Prange mostra como o sistema de passes para embarcações imposto pelos portugueses no Oceano Índico, os chamados Cartazes, é um descendente direto das práticas dos muçulmanos na região. Claro, o texto também discute outros aspectos interessantes da presença portuguesa por lá na chamada era das descobertas ultramarinas.
Não é novidade para ninguém que, na história, todo novo conquistador que se preza adapta as boas práticas (“boas” para lhe render um bom butim, como diria a galera, ou a turma da galera, ou galeão, ou seriam caravelas?). Um dos pontos altos da boa História Econômica são estes (abundantes) exemplos de instituições e sua evolução.
O que está em jogo, neste caso, é o direito de navegar livremente. O oceano é similar ao território norte-americano pré-colonização que tinha uma densidade populacional baixa e, portanto, não havia necessidade de um sistema de direitos de propriedade (o exemplo está neste livro).
O aumento das viagens ultramarinas também aumenta a ocupação do oceano. O salvo conduto fica mais escasso e, assim, oportunidades surgem. Não surpreene que se tente estabelecer direitos de propriedade direta ou indiretamente (com o auxílio de “soldados da fortuna” aka “mercenários”aka “piratas”, a despeito de pequenas diferenças nas definições destes termos).
Assim, o predomínio dos portugueses na região traz consigo a adoção dos passes de salvo conduto (os tais cartazes). Aparentemente, dizem os historiadores, não custavam tão caro. Os navios privados (portugueses ou não) que compravam os tais cartazes eram “protegidos” pela armada portuguesa. Achou estranho?
Nem tanto. Os cartazes protegiam os navios para que pudessem (obrigatoriamente) estacionar em portos controlados (pelos portugueses e/ou aliados) nos quais pagavam taxas sobre produtos exportados ou importados (*). O cartaz é simplesmente um ingresso para a alfândega. Algo como: sai barato pagar tributos, ou você prefere o confisco total imediato?
A imagem que me vem à mente neste momento da narrativa é a do nosso Leão do Imposto de Renda protegendo os indefesos contribuintes. Deve haver uma relação…
Nobel injusto - Fiquei alguns dias sem geladeira. A história da civilização e de como aprendemos a conservar elementos já foi contada e recontada muitas vezes mas, como dizem, o povo quer saber se o inventor da geladeira ganhou algum Nobel.
Nobel injusto: a vingança - Não é que descobri que Einstein patenteou um modelo de geladeira que não usaria eletricidade? Na verdade, a patente está em seu nome e no de seu ex-aluno (por isso é conhecida como geladeira Einstein-Szilard). Atualmente, a patente pertence à Electrolux, aliás, que é a marca da minha geladeira que pifou. É impossível não pensar em uma daquelas frases célebres de Einstein (atribuídas corretamente ou não a ele) que infestam a internet. Haveria alguma sobre refrigeradores?
(*) Tradução (quase) literal de: “(…) to call in Portuguese ports and pay customs duties on goods he was either exporting to or importing from other sources.” [DIFFIE, B. W.; WINIUS, G. D. Foundations of the Portuguese Empire 1415-1580 - Volume I. Minnesota: University of Minesotta Press, 1977, p. 321]