Satsuma Gishiden e a Nova Matriz Econômica...e o Riso.
Samurais humilhados, o riso, a liberdade econômica...
Neste v(1), n(59) quero compartilhar com você um comentário da minha leitura dos três volumes do excelente ‘mangá’ Satsuma Gishiden. Claro, outros temas também estão por aqui.
Ah sim, nesta semana, enviei duas edições extraordinárias, gerando muito estresse aos assinantes. Como dizem os influencers e certas ‘agências’ de ‘checagem’, a culpa não é minha, mas da sociedade, esta maligna entidade fantasmagórica que é sempre a responsável pelos nossos fracassos ou falta de educação (caso você tenha gostado, assumo a responsabilidade e agradeço, claro).
Satsuma Gishiden e a Nova Matriz Econômica - Há vários aspectos que podem ser aprofundados sobre esta obra-prima ‘quadrinística’ de Hiroshi Hirata. Para mim, uma que é pouco comentada é a econômica.
Satsuma (atualmente Kagoshima) era uma província localizada no extremo sul do Japão. Aliás, a modernização do Japão, logo ao fim da era do shogunato, é intrinsecamente ligada à história de Satsuma. A Rebelião de Satsuma, por exemplo, forçou o governo Meiji a abandonar o Padrão-Ouro. Satsuma, pois, não é uma província a ser desprezada…
A província, aliás, está no centro de alguns eventos históricos do agitado Japão que se abria ao mundo. Os ‘Cinco de Choshu (Choushuu)’ e os “19 de Satsuma” são exemplos de japoneses enviados ao exterior para estudos, com vários deles tornando-se figuras proeminentes na história nipônica.
Aliás, lembra do Thomas Blake Glover? Ele faz parte da história do envio de ambos ao Ocidente. Em At the Edge of Empire - The Life of Thomas Blake Glover (de Michael Gardiner, pela editora Birlinn Limited, 2007), temos a curiosa história de Nagasawa Kanae, um dos 19 de Satsuma.
The Satsuma Nineteen were met by Glover’s colleagues in Southampton on 21 June 1865. (…) The youngest and most celebrated of the group, Nagasawa Kanae, too young to enter London University, was sent to the Glover family home of Braehead, and Chosu and Tosa would follow. (…)
Extraordinarily for someone who was not a native English speaker, according to the ‘Aberdeen Free Press, Nagasawa was top of his class at the Gym for Latin, English, Grammar and Reading, and Geography in 1866 and 1868, and top for Arithmetic, Dictation and Writing, and Grammar in 1869. (…) Later undergoing a total westernization and a conversion to the Christian sect The Brotherhood of New Life, he followed the preacher Thomas Lake Harris to Santa Rosa, California, where he founded a winery and led the local chapter of the Brotherhood until his death in 1932. [p.62]
Que vida, hein?
Voltando ao mangá, o autor elabora suas várias crônicas usando, como pano de fundo, a história do shogunato que desejava enfraquecer a província de Satsuma. Como? A justificativa (ou desculpa esfarrapada) era a realização de complexa obra de contenção de enchentes causadas, na época, por três rios: Kiso, Nagara e Ibi, localizados próximos a Gifu e Nagoya, bem distantes de Satsuma…
Com este background, Hirata cria diversas histórias (e/ou romanceia alguns eventos) com um ótimo texto e maravilhosa arte. A publicação, por aqui, saiu em três volumes pela Pipoca e Nanquim. num total de mais de 1300 páginas…que você lê sem sentir, mesmo que não seja um ávido fã destas histórias de época.
Mas, como o governo japonês visa enfraquecer a província de Satsuma construindo uma - aparentemente importante - obra de contenção de enchentes? A resposta é: usando um keynesianismo superficial, destes de curso de introdução à Economia.
Primeiro, obriga-se o governo de Satsuma a arcar com os custos da obra. Segundo, os custos (já superestimados) são progressivamente inflados ao longo da narrativa. Terceiro, a província de Satsuma é obrigada a fornecer a mão-de-obra (cujo custo de manutenção e deslocamento também é do governo de Satsuma). Esta é a ‘macroeconomia’ da coisa.
Pode-se acrescentar elementos ‘microeconômicos’ como a corrupção dos oficiais do governo, as ordens explícitas para que os moradores locais (que ansiosamente esperam pelas obras) não tratem bem os samurais de Satsuma que, aliás, já se sentiam humilhados por trabalharem como peões e não como samurais (uma questão importante, do ponto de vista social da sociedade japonesa da época).
Mesmo sem estes elementos semificcionais que Hirata usa para colorir suas histórias, o keynesianismo básico é um ótimo exemplo para aqueles que, ingenuamente, acreditam que gasto é vida. Se gasto é vida, então inflar gastos de obras deve ser um prolongamento da vida. Óbvio que não é.
Somente quem ganha com custos inflados defende este tipo de política. Ou quem é ingênuo. Não é preciso dizer muito mais, não é? Mas concluo: Satsuma Gishiden é a Nova Matriz Econômica implementada em seu formato mais sincero, simples e cruel.
Até o discurso de campeões nacionais se parece com a verborragia sarcástica usada pelos oficiais do shogunato para com o governo de Satsuma (a analogia não é tão perfeita neste caso…). Só que, para a surpresa de ninguém, os verdadeiros campeões são os corruptos funcionários do governo…
Sim, é um ótimo mangá e - já não disse? - recomendo sua leitura.
O Riso - Ouvi sobre o livro num episódio do Fiboca e me lembrei que, na época da minha graduação, tive um amigo muito inteligente que cursava Filosofia. Este amigo era minha referência para qualquer dúvida para a qual eu precisasse de uma resposta qualificada.
Certa vez, eu lhe perguntei sobre se alguém já havia pesquisado o riso de forma científica. Como sempre, ele tinha uma ótima resposta e, naquela ocasião, indicou-me O Riso de Henri Bergson que, obviamente, achei na biblioteca da faculdade em castelhano. Li-o, não sem alguma dificuldade, portanto, há mais ou menos uns 30 anos.
Pois eu falava do episódio do Fitas, Bolachas e Catataus (que algum ouvinte chamou de Fiboca). Lembrando do livro, e vendo que custava pouco menos do que um almoço caro no Ifood, comprei o dito cujo na esperança de fazer um experimento.
Experimento, aliás, até ingênuo. Queria ver se, lendo-o hoje, teria as mesmas impressões do passado. Claro, não é muito fácil pois já nem me lembrava bem do que achei do livro nos meus vinte e poucos anos (tenho um bloqueio mental com autores e filmes franceses, sou meio que um anti-Pedro-Sette-Câmara-indeed).
É uma espécie de viagem no tempo esta que os livros nos proporcionam, não? Noto que filmes também nos proporcionam viagens assim, mas são viagens mais curtas e mais frequentes (pelo menos depois que inventaram o videocassete). Já livros…aí tem que ler de novo demandando mais tempo.
Ao final, minha releitura não me mostrou muita diferença do que eu achei do livro na época. Achei-o um pouco confuso e igualmente tedioso. Mas ofereço breve reflexão sobre alguns trechos do livro e nosso mau humor atual.
Destaco um trecho, logo de partida.
Em uma sociedade de inteligências puras, provavelmente ninguém choraria, mas certamente as pessoas ainda ririam; ao passo que entre almas invariavelmente sensíveis, em uníssono com a vida, na qual todo acontecimento se prolongasse em ressonância sentimental, não se conheceria nem compreenderia o riso. [Bergson, H. ‘O Riso’. Edipro, 2018 (original de 1900), p.38]
Bergson poderia se perguntar sobre como jovens que vivem (vivem?) no século 21 conseguem rir apenas quando cancelam humoristas nas redes sociais. Certamente não se trata de almas em uníssono com a vida. São pessoas com problemas sérios (talvez até com necessidades especiais de tolerância…).
Talvez seja o caso de pensar que existe um fator externo ao indivíduo - tenha ele alma sensível ou não - que influencie na quantidade de risos. A internet diminuiu o custo de se expressar livremente, em seu início, gerando uma riqueza cultural incrível no final do século 20.
A este momento promissor seguiu-se - dado a mesmíssima queda de custos - o ataque daqueles que com tudo se sentem ofendidos (ou, hipocritamente, dizem-se como tal). O objetivo, claro, é diminuir a representatividade da opinião do outro em prol da própria.
Tal procedimento não resistiria em uma sociedade livre na qual os mecanismos de pesos e contrapesos funcionassem a contento. Entretanto, tal sociedade inexiste e, como disseram alguns, o preço da liberdade é a eterna vigilância. Não há, contudo, como garantir que os vigilantes sejam eficientes em 100% do tempo. Não existe vigilância grátis (mas o custo está em queda, creio).
O riso, parece-me, ficou até mais escasso. Ou reservado, tal como um privilégio proibido (similar à situação de um ladrão que tem uma obra de arte roubada em casa). Só rimos livremente na solidão do lar. E olhe lá. Talvez haja salvação para os mal-humorados do século 21 que parecem não ligar para ninguém além de si mesmos. Novamente citando Bergson:
É cômica a personagem que segue automaticamente seu caminho sem se preocupar com os demais. O riso está aí para corrigir sua distração e ara tirá-la de seu sonho. [Bergson, H. ‘O Riso’. Edipro, 2018 (original de 1900), p.96]
Acorde que ainda dá tempo1. Não se renda aos que desejam tirar de você seu riso.
Índice de Liberdade Econômica 2021 - No 5o Fórum Mackenzie de Liberdade Econômica tivemos três ótimos eventos: (a) palestra de Peter Boettke, (b) bate-papo entre Jorge Caldeira e William Summerhill e, (c) lançamento do Índice Mackenzie de Liberdade Econômica Estadual (IMLEE).
Comentando bem sucintamente, a palestra do prof. Boettke nos lembrou das diferentes perspectivas entre profissionais da saúde e da economia e da importância de não se privilegiar apenas um deles. A combinação certa? Provavelmente em algum ponto intermediário.
A conversa entre Jorge Caldeira e William Summerhill? Talvez a melhor de 2021. Ambos defenderam o uso de dados e econometria no estudo da história econômica. Também nos lembraram da resistência - injustificada, em pleno século 21 - de muitos pesquisadores da área a esta simples e boa prática científica. Não se faz boa história econômica sem se saber o mínimo de econometria. Não mais.
O lançamento do IMLEE, por sua vez, eu não pude assistir por motivos importantes, mas alheios à minha vontade. O que me disseram é que não estamos nos saindo tão bem nesse essencial quesito para o bom funcionamento de uma sociedade aberta e tolerante.
Impossível acreditar - É tão triste a falta de noção quando alguém confunde sociedade com governo, ignora a história e diz que a China ilumina o caminho (por mais que eu saiba que isso é retórica) que somente com Juó Bananére para rir. Ofereço a você a minha versão do que realmente aconteceu. Foi um diálogo (e a imprensa, claro, distorceu tudo).
- Segnora Diun'ma, come stá vucé?
- Stó boa, má non tegno luz no occidento.
- Che moléstia!
- Ma o xinêiz mi vendeu una lantterna.
- Evviva a revolución do Maozedón.
- Eh! S'immagine che tutto os mondo pensa chi intendo di luz. Vô presentá candidatura nas inleçó!
- Madonna mia!
Humor na Primavera Árabe - Um artigo em um journal sério sobre humor fala do humor egípcio em certa rede social durante a chamada ‘Primavera Árabe’.
Sorria, você está sendo julgado - Juízes brasileiros estariam ‘perseguindo o humor’? Ou apenas certo tipo de humor? Este artigo, de 2016, merece uma atualização, não acha? Eis um trecho do resumo.
The first observation is that courts tend to favor humor that is closer to journalistic comment, i. e., humorous pieces relating to subjects of public interest. Humor, however, is not and cannot be limited to this particular type of humor. The second observation is that many judges punish humor that in their view seems to be “exaggerated,” disregarding the fact that exaggeration and unreasonableness are trademarks of humor. Thus, conservative and highly personal positions on the part of judges create an environment of uncertainty surrounding cases involving humor and freedom of speech. It is suggested that better attention to precedents set by Brazilian Higher Courts and a degree of common sense (including a sense of humor) on the part of the judiciary would help overcome judicial bias against humorists.
Este artigo, em específico, é de livre acesso. Há um outro número especial, de 2021, sobre o humor nos tempos da pandemia.
Yayu Fish - Falei deles anteriormente. Aqui, um arranjo deles para Dounankudoki Bushi. Ah, eles falam de sua vinda ao Brasil (em inglês) aqui.
Por hoje é só. Agradeço sua atenção e a gente se vê no próximo sábado ou a qualquer momento em edição extraordinária (prometo que não mais nesta semana).
Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
Minha releitura do livro não me causou uma impressão muito distinta da que tive aos meus vinte e poucos anos. Continuo achando um livro um pouco confuso (justiça seja feita…foi escrito em 1900), provavelmente minha impressão vem do estilo do autor. Ademais, não sou filósofo. Nem mesmo o prefácio desta edição foi capaz de alterar minha percepção (embora seja quase um resumo do livro todo, em linguagem contemporânea). Certamente uma obra importante, mas minhas limitações como leitor me impedem de apreciá-lo mais. Quem sabe daqui a uns 20 anos? Duvido.