O mundo dos bem-te-vis - Irracionalidade Racional e a Economia Comportamental - Glamour - Liberdade Humana: Taiwan 7 x 1 Brasil.
Não-binário, sim-binário, não-binário, sim-binário, não-binário, sim-binário…hexadecimal!
Eis o v(3), n(10) da newsletter porque a vida não está fácil para ninguém.
O mundo dos bem-te-vis - Em História de bem-te-vi, crônica de Cecília Meireles, nossa brilhante autora fez uma interessante sugestão: que toda repartição tivesse um bem-te-vi em uma gaiola.
Claro que não era uma sugestão real, mas a intenção era clara: os que chegassem ao local seriam recepcionados com uma não-usual cortesia. Isto me leva a pensar sobre a diferença entre um ‘bom dia’ e um ‘bem-te-vi’. Eu me sentiria melhor recepcionado com o primeiro ou com o segundo cumprimento?
Não é só Cecília que aprecia(va) os bem-te-vis. Claro, não temos gaiolas para o simpático passarinho, mas aqueles bebedouros de plástico com água levemente açucarada são bem frequentes em janelas de casas e apartamentos, atraindo o simpático passarinho. Talvez tenhamos todos um pouco do lirismo poético da poetisa. Ou talvez - acho mais provável - Cecília fosse hábil em perceber o que nos toca o coração. Ou talvez ela fosse mesmo uma pessoa muito gentil. Ou talvez ‘todas as opções acima estão corretas’, como diz a questão da prova.
De todo modo, seria mais agradável ser recepcionado com um ‘bom dia’ ou com um ‘bem-te-vi’? Pode ser uma pergunta inútil porque, afinal, a graça do ‘bem-te-vi’ é que ele seja dito pelo dito passarinho.
Não cairia bem, creio, que o senhor Orlando, de um metro e oitenta, no balcão da repartição, recebesse a dona Eulália, um metro e sessenta e cinco, nervosa por conta de algum erro burocrático, com um sonoro (e agudo?) ‘bem-te-vi’.
Também não faria muito sentido, a senhora Fátima, funcionária da triagem que trabalha na recepção de uma secretaria de estado qualquer, 34 anos, receber o apressado e preocupado senhor Apolônio, 55 anos, com sua pasta de couro estilo ‘007’, já desgastada, na portaria com um também sonoro (e ainda agudo?) ‘bem-te-vi’.
Numa delegacia ou em uma fila interminável de uma unidade pública de saúde é que a coisa soaria como um escárnio. Parafraseando o rock, eu canto (não gorjeio):
Bem-te-vi para quem precisa. Bem-te-vi para quem precisa de bem-te-vi.
Irracionalidade Racional e Economia Comportamental - Agradeço ao meu amigo,
, digo, Leonardo Monasterio (esta aí é a newsletter dele) pela indicação deste artigo de 2012.Eu falo de irracionalidade racional porque, veja, há uma relação entre a economia comportamental e a irracionalidade racional que diz respeito ao propositor de políticas públicas (o famoso policymaker). Há uma arrogância implícita em várias análises de políticas públicas (uma arrogância nem sempre consciente, é bom dizer) que é a de que o alvo da política pública é irracional e cheio de vieses, em contraste com seus ‘imunizados’ proponentes.
A irracionalidade racional, como falei nos dois últimos números da newsletter (aqui e aqui), não significa que apenas pessoas (todas, incluindo policymakers) ponderando se revelam suas crenças irracionais, perdendo alguma riqueza com isto (uma questão de demanda de irracionalidade, pois).
Existe também uma oferta de irracionalidade racional (Caplan tem um capítulo só sobre isto, em seu The Myth of Rational Voter) que é composta de grupos de interesse (incluindo-se aí os burocratas, políticos, etc.). Afinal, se eu quero que você vote em mim, que prometo acabar com a fome, vou inflar a estatística da fome em meu discurso para sensibilizar o amigo (e)leitor. Talvez até ignore o que diz a FAO…
O resultado interessante do artigo acima é que raramente os proponentes de ‘correções’ de vieses pensam que eles mesmos possam estar sujeitos a outros vieses. Ou seja, e sendo redundante, falhas de governo não são necessariamente resolvidas apenas com a proposta de que políticas públicas devem ser avaliadas. O ‘avaliador’ das políticas também possui potenciais vieses (o autor do artigo, Niclas Bergreen é um ótimo e prolífico autor no campo da Public Choice. Leia o que achar dele…).
Para reforçar a redundância, tomo de empréstimo trecho de outro artigo (Lee & Clark (2018)) na mesma temática:
Surely behavioral economists are familiar with how public choice analysis has generated theoretical insights by comparing markets and government under the realistic assumption that political decisions are just as motivated by self-interest as market decisions. One would think that this would have motivated articles by behavioral economists comparing markets and government under the realistic assumptions that political decisions are just as influenced by cognitive biases as are market decisions. We haven’t seen such an article by a behavioral economist. [LEE, D. R.; CLARK, J. R. Can behavioral economists improve economic rationality? Public Choice, v. 174, n. 1, p. 23–40, 2018. Springer.]
Na prática, o que isto significa? Pense em um exemplo em que um avaliador (ou um pesquisador) honesto, que esteja blindado do assédio de políticos e grupos de interesse, afirme que sua análise concluiu que o melhor é que a produção em um determinado setor deveria receber subsídios se houvesse maior emprego de mão de obra, mas seu estudo pode estar contaminada por seu viés pró-(uso excessivo do) trabalho (make-work bias).
Uma consequência possível da força deste viés nas atitudes deste pesquisador é que ele continue sua pesquisa escolhendo uma abordagem qualitativa, aplicando questionários apenas para seus colegas burocratas, ao invés de uma análise quantitativa que tente encontrar no resultado das ações (os dados) algum indício pró ou contra sua hipótese.
Perceba que, assim, ‘evidências’ (as tão celebradas ‘evidences’ cuja melhor tradução, aprendi em outro lugar, seria ‘indicíos’) podem ser geradas sob vieses comportamentais, mesmo que não haja dados fabricados ou outras práticas eticamente condenáveis no relatório do pesquisador. Isto ajuda a explicar, por exemplo, porque, sem desconsiderar outros fatores, algumas ‘evidências’ são desprezadas por pesquisadores.
Pode ser impossível eliminar os vieses dos policymakers, mas não faz muito sentido ignorá-los. Afinal, os princípios da economia comportamental se aplicam a todo e qualquer ser humano, não apenas aos alvos das políticas públicas. Um pouco de ceticismo, portanto, é desejável. Como sempre.
Glamour - Aliás, sobre o Leo, eis um ótimo tuíte.
Liberdade Humana: Taiwan 7 x 1 Brasil - Taiwan é um dos países com maior índice de liberdade humana (14o no ranking geral), em sua última edição, recentemente divulgada. O Brasil está em 80o lugar e vem perdendo posições no ranking desde, aproximadamente, 2010 (não só porque, relativamente, outros melhoram de posição…a nota (score) do país tem uma tendência de queda no mesmo período). O que isto significa?
Bem, este índice é uma boa proxy do que seria a liberdade em uma sociedade, já que não observa apenas o estado da liberdade econômica, mas também a de associação, de religião, de expressão, de livre trânsito1, a igualdade perante a lei e o grau de segurança experimentado. Ele é lançado sempre com defasagem de dois anos. Assim, o índice de 2022 é um retrato do ano de 2020.
Estão disponibilizados os dados das últimas quatro edições do índice, mas, apenas nesta e na anterior há um detalhamento dos componentes. Assim, não se pode falar em tendências, mas, por exemplo, a liberdade de expressão (freedom of academic and cultural expression) entre os índices de 2021 e 2022 (lembrando: que correspondem aos anos de 2019 e 2020), no Brasil, cai de 9.19 para 5.25.
É, eu gostaria de morar em Taiwan…
Confira mais e obtenha os dados aqui.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
A propósito do livre trânsito, pense nos efeitos benéficos da imigração enquanto lê este ensaio.