O corte do diretor que era maior que o filme e outras histórias
Sobre Zack Snyder, um antigo amigo pernambucano (é, eu tenho amigos) e outros temas que vão despertar em você seus instintos mais primitivos
Bom dia e bem-vindo ao v(1), n(37) da newsletter mais interessante do momento (na minha opinião). A semana foi agitada. Além do 36o número, o regular, publiquei um extra na noite de quarta sobre o que entendo por governança radical. Como consequência, minha mente nada brilhante e não tão criativa assim ficou um pouco prejudicada. Ainda assim, insisto em acreditar que possa dizer algo interessante numa boa conversa. Vejamos.
Zack Snyder, o diretor que cortava para mais - Sempre achei os super-heróis da DC mais chatos que os da Marvel, em que pese ter lido quadrinhos de ambos na infância. Quando se iniciou esta fase de filmes com efeitos especiais inacreditáveis para quem veio dos anos 70, sem dúvida a Marvel se consolidou no gosto, principalmente, das gerações mais novas.
Apesar disto, incomodavam-me algumas mudanças como a teia do Homem-Aranha não vir do aparelho que Peter inventara (na primeira trilogia dirigida pelo ótimo Sam Raimi) ou o Nick Fury branco ficar preto sem qualquer motivo (a nova Mary Jane também teve o fenótipo (e a idade) alterada(s), em que pese a atriz ter transformado Mary Jane em uma personagem bem divertida)1. Sou destes que quer ver a mesma história do gibi na tela, sem mudanças2.
Do outro lado, a DC, que não tinham muitos filmes, passou a seguir uma certa tendência woke nas séries de TV. Tentei acompanhar algumas, mas só consegui mesmo ver algumas temporadas da Supergirl. A impressão que tenho, quando assisto às séries de heróis da DC é que tentam misturar tanto assunto de agrado de tantas tribos woke que, no final, você se perde3.
O herói é heterossexual, forte, mas ao mesmo tempo emo, e negro, com nome de asiático (ou algo assim) e engajado na luta pela preservação da horta de batatas. Confuso? É mais ou menos como me sentia a cada episódio de um DC Legends of Tomorrow. Sem falar que os heróis parecem, o tempo todo, dialogar como as irmãs de Gilmore Girls.
Com os lucros obtidos pela Marvel, claro, em algum momento, a DC também tentaria criar um esboço de Universo DC para o cinema. Assim, vieram os novos filmes com heróis da DC4 - não estou contando a primeira trilogia dos filmes do Batman dos tempos do Joel Schumacher - e tudo parecia muito chato até o filme da Mulher Maravilha5. A gente olha para a Gal Gadot e pensa: é, parece uma heroína mesmo e o Steve Trevor, que desde a época da série, era uma nulidade, até que ganhou um pouco mais de protagonismo.
Os últimos filmes do Batman, com um herói mais parecido ao introduzido pelo divisor de águas das histórias em quadrinhos, o clássico Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, também foram interessantes de se assistir. Era para ser outro parágrafo, mas vou dizer aqui: é curioso como a Marvel e a DC começaram a colocar grandes revoltas (ou guerras civis) em seus filmes. Influência dos 99% vs os 1%? Prelúdio da invasão do Capitólio?
Como nada é perfeito, o que era para ser o melhor, o filme da Liga da Justiça, decepcionou bastante. A sensação era de algo incompleto, ou feito pela metade. Afinal, quem se lembra de um Lobo da Estepe quando os quadrinhos nos dão um Darkseid (criação do abençoado Jack Kirby, o homem que fez o sucesso tanto da Marvel quanto da DC)?
Você tem um Thanos ou um Galactus na Marvel e um Darkseid na DC e usa…um Lobo da Estepe no que era para ser um marco no seu universo de filmes? Claro que não poderia dar certo. Eu já havia me esquecido do filme quando, de repente, surge um tal corte do diretor que, ironicamente, dobra o tamanho do filme.
Digo, do diretor original de Liga da Justiça, Zack Snyder, que havia abandonado o projeto e que tem uma horda de fãs. Levei uma semana para assistir todo o filme. Snyder é quase um Richard Wagner e a HBOMax é seu Bayreuth (com todo respeito ao Wagner). O filme merece ser chamado de um Der Ring des Nibelungen moderno (perdi mais uns três leitores agora).
Pontos negativos, no filme, para mim: (a) a mania (desde o remake de Battlestar Galactica de ter aquelas músicas entoadas por mulheres que mais parecem feiticeiras celtas)6 toda vez que aparecem as amazonas; (b) também é cansativo aquele filtro de cores que faz com que o filme todo pareça filmado em um preto e branco muito escuro. Ok, é o tom que o diretor quer dar ao filme, só não gosto.
Dizem que a versão do Snyder tirou o exagero humorístico que Joss Whedon, o diretor que o havia substituído, tentou dar ao filme. Discordo. Vi piadas em ambas as versões e até achei as do Snyder’s cut, divertidas. Agora, para quem (como eu) já não lembra da versão anterior, a impressão é que a história mudou bastante, embora, digamos assim, a ideia geral seja a mesma.
Ah sim, como não poderia deixar de ser neste mundo de pessoas que se dizem tolerante, mas que radicalizam com tudo, chegaram a dizer que Snyder seria um objetivista, ou um reacionário, apesar do mesmo ter declarado seu voto em Biden7. No imaginário woke, ser um objetivista é um pecado, um comportamento inadequado e um objetivista votando em Biden é, realmente algo impensável (embora um objetivista votando em Trump seja, pelos mesmos critérios, igualmente impensável).
Para finalizar o assunto, ninguém me perguntou, mas minha nota para o filme é 7.46 (sem viés).
Lembrança de um grande amigo - No início dos anos 90 fiz minha primeira grande experimentação com o “morar longe dos pais”. A cidade maravilhosa de São Paulo se prestou a tanto. Era uma época de estudos. Muitos estudos.
Após uma reunião na FEA-USP, na qual fomos apresentados nós, colegas de turma, uns aos outros (redundância deliciosa?), alguns (novos) líderes da turba combinaram um boteco à noite para aquela socialização que a gente aprecia tanto quando jovem. E assim foi feito.
À mesa, eu e mais um mineiro, um pernambucano, dois ou três brasilienses (acho que um deles era um mineiro que morava em Brasília), um cearense, alguns nativos (paulistas) e uma carioca. É o que me lembro e se esqueci de alguém, peço desculpas.
Conversa vai, conversa vem (em uma velocidade um pouco maior à do garçom renovando as cervejas de todos, sem exceção) e, ocorre um daqueles momentos mágicos que alguém deveria listar em um catálogo de eventos prévios ao enunciar de uma boa piada: o silêncio simultâneo.
Foi então que o pernambucano, com seu sotaque característico, soltou-me um:
“Nossa, mas só eu aqui não tenho sotaque!” (Nóssa, mas só eu aki não tenhu sutaki!)
Todos se entreolharam e caíram na risada porque se há um sot…digo, dialeto, distinto neste país, meu amigo, este é o dialeto pernambucano. Aliás, foi neste dia que me tornei consciente do meu próprio sotaque (a despeito do cuidado constante que me inculcaram (agradeço sempre por isto) em não dizer, em hipótese alguma, ocê).
Este personagem tornou-se um amigo e faria parte da minha história em vários momentos posteriores, já de volta a Belo Horizonte.
Carismático e popular, foi folclórico e deixou marcas por onde passou. Infelizmente desapareceu do convívio de todos lá pelos idos de 2003, mas sei que está vivo por aí. Dizem que tem até filho. Esta lembrança é uma homenagem e um agradecimento por tanta diversão que nos proporcionou naqueles anos de curtindo a vida adoidado.
Uma Reflexão Inútil - Eu sei que a gente acha importante que qualquer afirmação sobre a realidade seja baseada em evidências (cuidado antes de ler isto, o significado é bem específico e significa que tem muita pesquisa com dados antes). Tudo bem. Mas fazer afirmações ou tomar decisões sem evidências (ver parênteses anterior) também é importante.
Nenhum alemão democrata com um pingo de sanidade, em 1933, diria que não se pode afirmar nada sobre estes caras esquisitos de suástica no braço porque não temos suficientes ‘random control trials’ (ou uma revisão bibliométrica da literatura) mostrando que, de fato, eles são prejudiciais para a democracia.
As pessoas, nas redes sociais, confundem as coisas com uma facilidade incrível em seu afã de sinalizar virtudes para suas tribos (virtudes? Que virtude alguém sinaliza quando sua tribo é de stalinistas?
p.s. Eis aí uma dica que tem interseções com esta reflexão: The Engineers of Jihad, do Gambetta e Hertog. Voltarei ao livro em breve, neste mesmo canal.
Falando em exclusão de informações pelos mais diversos motivos… - O governo brasileiro foi muito atuante em seus pedidos de exclusão de conteúdo nas buscas do Google desde, pelo menos, 20128. Nossos políticos e nossos juízes são bem atuantes quando o assunto é excluir conteúdo do Google, não?
Capitalismo de Stakeholders? Eu passo - Um ótimo artigo sobre o tal capitalismo de stakeholders que encanta uma galera considerável9. Na prática, a única implicação que vi até hoje foi o pessoal trocar interessados ou pessoas com algo a perder por stakeholders. Também rende uns trocados para alguns pale$trante$. Não me entusiasma muito e ninguém ainda me provou o contrário (perdi mais uns cinco assinantes agora!), mas mantenho minha mente aberta.
Reformas estruturais - Esta entrevista informal com Geanluca ajuda a calibrar um pouco melhor as expectativas sobre o cenário das reformas estruturais que poderiam ajudar o país a entrar em um novo ciclo de desenvolvimento, além de ser caoticamente divertida. Também estrelando o sempre bom Felippe Hermes.
Lava-Jato - Belíssimo texto do Martim Vasques da Cunha sobre uma das mais importantes ações de combate à corrupção que vimos no Brasil nos últimos anos, goste-se ou não dela.
Reminiscências - Eu senti como se fosse a minha infância neste texto do Orlando. Leia e me diga que não sentiu o mesmo.
Mais reminiscências - A tranquilizadora (em mim, pelo menos, esta música tem efeito relaxante) abertura de Papai Sabe Nada (Wait till your father gets home)
Por hoje é só, pessoal. Um bom final de semana para você e, até a próxima.
Contudo, os filmes da Marvel, inicialmente divertidos (ainda o são), começaram a me cansar. Mesmo o final da saga dos Vingadores não foi lá um grande filme para mim. Thanos me parecia, nos quadrinhos, mais poderoso. Da mesma forma, Miss Marvel me parecia ser mais simpática.
Uma boa definição de conservador seria a de alguém que quer ver na telona o que viu nos quadrinhos, mesmo que as cores utilizadas nos gibis fossem as da Bloch Editores. Esta definição é, convenhamos, muito mais sofisticada do que a acadêmica (seja ela vinda de Noam Chomsky, Edmund Burke ou Pedro de Lara).
Para alguém mais velho, como eu, o legal é ver o antigo Flash como pai do atual na série de TV. Ou Linda Carter como a presidente dos EUA em uma das Terras na qual vive Supergirl. É, talvez eu seja muito ligado ao passado nesta fase da minha vida (ou talvez eu sempre tenha sido assim).
O mais engraçado é a confusão que fica na cabeça do espectador. Nenhum herói da DC de séries de TV é representado pelo mesmo ator no cinema. Do lado da Marvel, seriados derivados dos filmes apresentam alguns atores (Agents of Shield, por exemplo) que vieram dos filmes. Ou seja, o tratamento da identidade entre filmes e séries foi bem diferente entre os concorrentes. Isto é o que eu chamaria de levar bem a sério a história de diferenciação de produto…
Certamente minha sequência cronológica deve ter algum erro.
Não é bem esta do link, mas é parecida. Também não sei como cantavam as feiticeiras celtas, mas é a impressão que me dá. Esta tendência de tentar criar músicas pagãs em filmes de ficção, pelo menos em minha memória, remete à música de abertura de Xena, a Princesa Guerreira, série (divertida) produzida pelo mesmo Sam Raimi e com cenas coreografias pelo, então ainda desconhecido, Yuen Woo Ping que também foi o responsável pelas lutas dos ótimos filmes da série Wong Fei Hung de Tsui Hark (Once upon a time in China). Ele ficaria famoso por aqui, aposto eu, depois do que fez em Matrix.
Falam que diversidade é algo bom e, quando alguém supostamente objetivista vota em Biden, é criticado. Progressistas podem ser muito hipócritas quando querem. O pior, contudo, é quando o são sem percebê-lo. Ditadores sinceros nascem assim.
Comparei os números com os do país que mais tem a simpatia da elite brasileira (tanto a woke quanto a formada por pessoas razoáveis): o Canadá. Parece que os canadenses são bem despreocupados com o que há para se encontrar no Google. A média brasileira, no período, da variável All requests (number of), que é a do gráfico, é de 372. A do Canadá é de 52.
Quando eu falo de governança radical, uma turminha torce o nariz e faz ironia. Mas não podem ouvir um capitalismo de stakeholders (ou um mindset) que entram em transe. Ok, eu perdoo vocês.