O que você quer dizer com "Governança Radical"?
Boa noite. Nesta edição extraordinária reproduzo texto que publiquei aqui. O tema é: governança radical.
Algumas pessoas (eu sou uma delas) desconfiam de nomes muito bombásticos. Governança Radical, eu confesso, também me causou estranheza em meu primeiro contato com o termo. Merece, pois, esclarecimento. É o que tento a seguir.
Pense, por exemplo, nas dificuldades que governos têm em implementar suas políticas (uso, aqui, "políticas" e "regulações" como sinônimas). Recentemente, Diogo Costa falou da hesitocracia como um desafio a ser vencido por quaisquer sociedades. Acha que não é um problema familiar? Veja um trecho de seu texto.
(...) a tomada de decisões no governo precisa ser ágil e efetiva para assegurar contratos bem desenhados e direitos de propriedade bem definidos. Isso significa uma agenda de reformas administrativas e políticas que deem capacidade de decisão aos gestores públicos, assim como reformas institucionais que reduzam a incerteza decisória de indivíduos, famílias e empresas – reformas que serão tema desta coluna que se inicia hoje.
Parece com algo que você já se deparou no setor público municipal? Estadual? Federal? Eu e você sabemos que sim. O que existe hoje nem sempre nos garante contratos bem desenhados ou direitos de propriedade bem definidos? A literatura acadêmica sobre insegurança jurídica ou sobre os direitos de propriedade mal definidos existe e é bem abundante. As evidências falam bem alto. Mas, veja bem, o problema não é exclusividade brasileira.
Hesitocracia é, provavelmente, o aspecto mais saliente do status atual da governança pública. Como construir, condições para que a tomada de decisões no governo seja mais ágil e efetiva? A grande dificuldade está no produto das decisões: contratos bem desenhados e direitos de propriedade bem definidos. A governança radical, ao meu ver, é a resposta.
O conceito de governança radical nada mais é do que o resultado de trabalhos como os de Tyler Cowen, Paul Romer, Eric Posner ou Glen Weyl, para mencionar apenas os mais famosos na área da Ciência Econômica. Vejamos um pouco de cada um deles.
Primeiramente, Tyler Cowen nos mostra a importância da curadoria de projetos promissores em diversas áreas do conhecimento. Como toda pesquisa, nem todo projeto funciona em sua totalidade (alguns não funcionam), mas ele nos mostrou como a alocação de bolsas de pesquisa pode ser repensada de forma, eu diria, pouco hesitocrática. Imagine, pesquisador, um processo diferente e mais ágil de alocação de bolsas. É o que Cowen fez. Discuti-lo é, no mínimo, um ótimo estudo de caso.
Em segundo lugar, Paul Romer. Ele nos trouxe o conceito de charter cities, verdadeiros sandboxes regulatórios que poderiam ser testados em escalas diversas (seja do tamanho de um distrito industrial ou de uma cidade inteira).
Um exemplo de interessante de charter city envolveria o desenho de regras específicas para refugiados, de forma a desafogar os governos locais que não conseguem dar conta de toda ajuda humanitária que seria necessária. Parece bem radical para mim. Talvez você não ache o conceito facilmente aplicável devido às barreiras políticas. Mas por si só, este não é parte do desafio de se pensar numa mudança radical na governança?
Quanto a Eric Posner e Glen Wely, quando você se debruça, com a mente aberta, sobre seu Mercados Radicais, percebe que ideias de experimentação como esta encontram-se disseminadas por todos os capítulos. Para vários grandes problemas enfrentados pelas sociedades atuais há um desenho de solução que pode parecer bem polêmica em alguns casos.
A despeito do título do livro, ele diz respeito à governança, já que envolve ideias bem originais de parcerias entre o setor privado e o público. Glen Weyl chegou mesmo a renegar algumas de suas ideias no livro e fundou a Radical Exchange, afim de difundir rapidamente suas ideias (dê uma olhada rápida nos principais temas expostos em sua página).
Estes são apenas exemplos de alguns pensadores mais proeminentes no tema da governança radical. Mas posso tentar listar mais exemplos. Poderíamos mencionar exemplos temáticos de propostas de governança radical.
A educação brasileira, por exemplo, poderia se beneficiar de uma política de vouchers, ou de experimentos como as charter schools. A resistência de se discutir inovações educacionais vem diminuindo lentamente. Ainda assim, são políticas tidas como radicais para alguns.
Você prefere falar de eleições? Bem, a votação quadrática (como no livro de Posner e Weyl) e voto ranqueado (como, por exemplo, na última eleição para prefeitos em New York City) são exemplos suficientemente radicais para você? Pois saiba que os defensores destas regras de votação acreditam que elas podem trazer benefícios sociais importantes como, por exemplo, a menor polarização de uma eleição no caso do voto ranqueado.
Ou que tal a mudança radical que aplicativos de transporte trouxeram para os reguladores? Todd Henderson dedicou seu The Trust Revolution para discutir o tema. Sua conclusão? Os aplicativos não concorrem com táxis. A concorrência é com os reguladores e, isto sim, é um belo exemplo de como a governança pode mudar de forma inesperada diante de um choque tecnológico.
A ideia de governança radical, assim, trata do desenho de ideias que nos permitam potencializar a relação entre setor público e privado, minimizando os perigos de uma sociedade rent-seeking (alguns diriam, do capitalismo de compadrio) e potencializando o bem-estar para todos.
Claro que é importante avaliar qualquer uma destas propostas. Aliás, quem, há 10 anos, diria que medir o custo e o benefício de políticas públicas deveria ser uma atividade regular dos governos? Pode não parecer tão radical hoje, mas a governança mudou, não?
É isto, pessoal. Até mais ver. Como sempre, deixo aqui os botões mágicos e lembro que publico duas vezes por semana. A assinatura custa(rá) R$ 0.00 (na taxa de câmbio gaúcha, vale zero pilas ou seja, P$ 0.00).