O azarado João de Barros e a importância da geografia
Um donatário que empobreceu com a tentativa de colonizar sua capitania, a importância da banca de jornal na vida de alguém e, claro, Sofia e Juju.
Neste v(1), n(28) vamos falar do Gastão, o primo sortudo do Pato Donald. Não, não, eu me enganei. Vamos falar de João de Barros um sujeito azarado toda vida. Depois, uma lembrança que preciso registrar antes que minha memória se perca com a idade. Finalmente, Sofia e Juju, para matar a saudade. Vamos lá?
João de Barros - Todo mundo se lembra das aulas de História no colégio, claro. Não? Ah, bem, é que o ensino foi prejudicado pela falta de tempo. O brasileirozinho no colégio precisa estudar muitas coisas. Não dá tempo de saber tudo de tudo. Faz parte da vida1.
Mas eu falava de João de Barros, possivelmente o donatário de capitania hereditária mais rico em termos financeiros e também de capital humano. Um exemplo de que a exceção se faz presente sempre que a desprezamos. Afinal, dizem-nos alguns, se tivéssesmos mais dinheiro, teríamos 3 mil medalhas de ouro, só nesta Olimpíada. Será? João de Barros mostra que não é bem assim2.
Bem, a história de João de Barros (1496-1570) não corrobora esta tese infantil. Primeiramente, o sujeito tinha capital humano para dar e vender. Não só era alfabetizado como escreveu uma dezena de livros (inclusive uma gramática). Estamos falando do século 16, gente. Não é qualquer um que escreve uma dezena de livros (e uma gramática).
Não bastasse ser letrado, fazia também parte do círculo íntimo do poder e prosperou na burocracia da época. Um pouco mais de confetes para ele no trecho a seguir.
Educated in the palace of Manuel I of Portugal, he composed, at the age of twenty, a romance of chivalry, the Chronicle of the Emperor Clarimundo, in which he is said to have had the assistance of Prince John (later King John III).
Upon ascending the throne, King John III awarded Barros the captaincy of the fortress of St George of Elmina, to which he proceeded in 1524. In 1525, he obtained the post of treasurer of the India House, which he held until 1528. [Fonte: Wikipedia, mas você encontra mais em outros lugares]
A despeito do ‘imperador Clarimundo’ maltratando o trecho acima, sem dúvida, João era um abastado e bem relacionado nobre do seu tempo, chegado no João III, o rei que fatiou o Brasil em capitanias. O que poderia dar errado? Tudo.
A história registra três expedições financiadas por João de Barros na tentativa de colonizar sua capitania, sem sucesso. A primeira delas, relata-nos Couto (1996), a de 1535, tinha:
(…) 10 velas, contando um efetivo de 900 homens em que entravam 113 de cavalo. Tratava-se da maior expedição jamais enviada por Portugal ao Brasil - somente comparável com a armada de Cabral (13 navios e 1.500 homens), mas que tinha por destino o Índico - suplantando, quer em navios, quer em efetivos, a frota régia comandada por Martim Afonso de Sousa, bem como a dos restantes donatários. [Couto (1996), p.2633]
Esta até chegou a Pernambuco4, mas com o naufrágio da nau-capitânia, que trazia consigo Aires da Cunha, outro agraciado com terrenos e associado de João de Barros no empreendimento. Por que uma frota tão grande? Porque as notícias de que os espanhóis tinham encontrado ouro se espalharam pela Europa.
Esta primeira frota, em retorno a Portugal, enfrentou uma tempestade e terminou esfacelada e capturada pelos espanhóis na região das Antilhas. João de Barros teve que pagar um resgate aos castelhanos para libertar seu pessoal. Resultado da primeira expedição: nada de metais preciosos, nada de colonização, perda do sócio e ainda um pix para os espanhóis.
Houve uma segunda expedição de três naus e duas caravelas, comandada por Luis de Melo da Silva, também sob a motivação de se encontrar metais preciosos que, aparentemente, contou com algum apoio de João de Barros, em 1554. Seu destino? O naufrágio completo.
Em 1556, mas uma expedição, desta vez comandados pelos filhos Jerônimo e João, que chegou ao Rio Grande do Norte e fracassou em seu intento colonizatório (ou colonizador, como queiram). O mesmo Couto nos conta (piadinha fraca) que os irmãos introduziram a criação do gado bovino no Maranhão mas, novamente, mas nada de metais preciosos.
No total, João de Barros teria gasto mil cruzados (não consegui encontrar uma tabela de conversão, sequer calcular uma aproximação para os valores de hoje, mas a historiografia insinua que isso aí não era bolinho não) e morreu em 1570, consideravelmente empobrecido.
A despeito de sua riqueza e prestígio políticos, a natureza (tormentas, dificuldades de navegar em áreas desconhecidas etc) predominou. Sem falar que nenhuma fonte de metais preciosos foi descoberta em meio a isto tudo. Capital humano e poder são importantes, mas não são suficientes. A geografia, já diziam Easterly e Levine, importa.
Banca de jornais - Nestes dias, em uma discussão com amigos sobre um livro (Morte e Vida de Grandes Cidades, de Jane Jacobs) que, aliás, tem belíssimas descrições da vida em New York, uma lembrança emergiu de algum arquivo mental empoeirado. Foi quando morei no bairro da Serra, em Belo Horizonte, e tinha uns 10 ou 11 anos. No caminho para o colégio havia uma agência (uma super-banca). Acho que era Agência Riccio o nome. Eu passava horas ali folheando revistas e comprando várias.
Mas esta agência ficava uns dois quarteirões para baixo de uma rua perpendicular à minha. Dois quarteirões acima, a mesma rua se estreita e, em uma esquina, havia uma banca de jornais e revistas (não existe mais, passei lá outro dia, tem só uma cabine de um ponto de táxi…). Não sei como, mas convenci meu pai que convenceu o dono da banca e, durante um tempo, não me lembro mais quanto, trabalhei nas manhãs de domingo naquela banca.
É, eu ficava sozinho (ou pelo menos pensava estar sozinho) cuidando de toda a banca. A banca era meu feudo. Os jornais e revistas, meus domínios. Recebia dinheiro, entregava o jornal (ou a revista) e devolvia o troco. Ao final da manhã, meu pai passava lá e voltávamos para casa. Eu era um autêntico e elegante nobre senhor de uma banca de jornais. Claro que eu me diverti muito.
Sofia e Juju - No último sábado5, Juju voltou da castração. Claro, foi recebida por Sofia com aqueles sons agressivos (rosnado nem me parece a melhor palavra, deve existir outra que descreva melhor o fenômeno).
Foram dez dias de internação. Como ainda podemos arcar com estes custos, optamos por preservar Juju. Ouve-se histórias muito tristes derivadas de castrações baratas e, pensando bem, o gato não pediu nem para ser resgatado (em alguns casos, sim, ok) e, muito menos, para ser castrado. A gente tem uma certa responsabilidade...
Ontem foi a primeira noite das duas em casa. Optei por não dormir na sala, onde Juju parece ter se acostumado a dormir (em uma das camas de Sofia, para a perplexidade desta). Sofia já se acostumou a subir em nossa cama e dormir por lá. Surpreendentemente, a noite foi calma. Acordei com a Juju dormindo no nicho (outro antigo recanto de Sofia) ao pé da cama e Sofia, claro, dormia tranquilamente na cama.
Parece que a relação de amor e ódio entre as duas está se estabilizando. A conferir.
p.s. após escrever este trecho sobre Sofia e Juju, tentei brincar com as duas usando o famoso laser. Não deu outra: brigaram. Não sei se brincam juntas. Defenderam para mim a tese de que o bom de se ter dois gatos é que brincam entre si, poupando um pouco do meu tempo. Pelo visto, a hipótese será falseada. A conferir (again).
Charter Cities e Olimpíadas? - É, tem gente imaginando inovações institucionais por aí. Como diz o autor, uma opção a uma charter city é uma zona econômica especial, tema, aliás, deste artigo da Isabela.
Curiosidade - Uma lista dos símbolos tipográficos usados no Japão.
O Primeiro Campeonato Latino-Americano de Shamisen - Foi realizado virtualmente no último domingo. O depoimento do Kaitou sensei, lá de Taubaté, no meio do vídeo, é emocionante. Imagine como alguém começa, do zero, a produzir shamisens no Brasil! Você acha que é fácil só porque ele é japonês? Aliás, você acha que todo japonês nasce, cresce, toma chá cerimoniosamente, luta sumô à tarde e fabrica shamisens? Não é bem assim, mané. Vai lá em 1:49:58, aproximadamente e aprecie a bela história do nosso querido sensei.
ESG para lá que eu cheguei antes! - Ronald Hillbrecth explica a ESG para quem ainda se confunde.
Por hoje é só. Até a próxima.
Esta é uma história para introduzir o tema da “geografia” em uma aula sobre instituições e desenvolvimento econômico. Nem tanto pelas dotações de fatores (factor endowments) como terra roxa, mas pelas dotações negativas (os acidentes geográficos) que, no final, atrapalharam bastante a vida dos portugueses ali na região do Maranhão. O plano de aula seria contar esta história, falar de Jared Diamond e introduzir o artigo de Easterly e Levine que, claro, aparecerá mencionado no texto principal, motivo pelo qual esta nota de rodapé deveria ser logo abandonada pelo leitor.
Onde estão aqueles bravos defensores da tese de que basta um cisne negro para…?
João de Barros e a Estratégia Lusitana de Colonização do Brasil. Publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a.157, n.391, p. 245-273, abr/jun 1996
Duarte Coelho lhes recebeu e, lembram do Caramuru no v(1), n(6) desta newsletter? Pois o donatário pernambucano (que usei como inspiração no v(1) n(15)) forneceu-lhes alguns intérpretes para seguirem viagem. Não existia Google Translator na época, você sabe…
Não é bem o último, sabe. Pensei em publicar isto há alguns dias, depois mudei de ideia e, bem, para não deixar os fãs da dupla dinâmica a ver navios (ou frotas portuguesas), resolvi trazer o trecho para cá. Acho que alguns dos leitores curtem os relatos de Sofia e Juju, não é mesmo?