Eis uma edição extra da newsletter. Em 2021, passei minha tradicional mensagem de Natal dos emails para esta plataforma e, novamente, sigo por aqui. Foi uma boa decisão? Não sei. Bom, eu não sei de tanta coisa…
Mensagem de Natal - 2022 - Primeiramente, caso o Natal não seja tão importante para você, pense nesta como uma carta de alguém que deseja te trazer alguma alegria nesta época do ano.
Não é uma tarefa fácil. Neste ano, em particular, sinto-me com pouca inspiração para pensar em um texto otimista e motivador. Para minha sorte, por algum motivo, encontrei um filme dos anos 40, o It’s a Wonderful Life (A felicidade não se compra), do Capra. Ajudou-me a pensar no tema desta mensagem.
Veja, não é que não ocorreram (e ainda ocorrem) acontecimentos alegres em minha vida neste ano (bem) agitado. Existiram alguns bons momentos sim. Há algo em comum entre eles que serve como um denominador comum. É que, em cada um deles, de algum modo, há o protagonismo de um ou mais amigos.
Neste ano revi vários amigos (neste texto, ‘amigo’ é qualquer um que tenha amizade comigo, seja o indivíduo um homem, uma mulher, etc.1) que não encontrava desde a famigerada pandemia e seu companheiro, o terrível isolamento social. Nos reencontros, sim, muita alegria, mas também várias notícias tristes. De todo modo, um reencontro tem um valor em si, não é? Ainda mais com amigos. Já é um bom motivo para se ficar feliz e assim eu me senti nestas ocasiões.
Em 2022, fiz também vários amigos. Melhor dizendo, semeei algumas amizades que, espero, tornem-se mais e mais vivas e presentes. Este ano, realmente, foi um ano em que eu talvez tenha conhecido um contingente - acima da minha média usual - de pessoas amistosas.
Eu não sei, mas aposto que muitos deles vão se tornar meus amigos mesmo. Outros, com o tempo, vão notar que certas divergências são insuperáveis2 e vão trilhar outros caminhos. Não importa. O bom mesmo é que tenhamos, ao menos, compartilhado boas conversas enquanto fomos amigos.
Sobre isto, uma palavrinha sincera. Eu também acho que, em muitos casos, as divergências são mesmo insuperáveis. O que eu não concordo é com a falta de disposição de ao menos tentar a construção de uma amizade. Claro, é burrice insistir quando a coisa se mostra realmente impossível.
Tenho amigos bem diferentes: evangélicos, ateus, católicos, esquerdistas, liberais, conservadores, gays, lésbicas, bissexuais…até flamenguistas e ‘atreticanos’ (é o jeito correto de se referir a eles). Talvez eu perdesse alguns se fosse mais enfático na defesa de algumas de minhas crenças, mas isto não seria condizente com minha visão de que não é bom se levar tão a sério. Além disso, não faço ranking de amigos por características tão pobres como estes rótulos idiotas.
Amizades. Eu sei, muito já se falou, cantou, ou se escreveu sobre as virtudes das amizades duradouras. Estas, aliás, nascem das mais variadas formas. Algumas, de amores que morrem. Outras, de paixões que sequer tiveram a chance de nascer. Também surgem de encontros casuais (com ou sem cerveja), ou de uma palavra precisa no momento certo de um diálogo triste. Nascem também após uma briga (quem nunca?) ou por conta de uma brincadeira (crianças são mestres na modalidade…). Só não caem do céu.
Vale a pena cultivar amizades? Olha, vale. Porém é preciso ter cuidado. Muitas são temporárias, são geradas apenas pelo interesse de se obter alguma vantagem unilateral (é o chamado ‘jogo de soma zero’…alguém só ganha se outro perde). São as amizades exclusivamente por interesse (sem perspectiva alguma de mudança de status no futuro)3.
Eventualmente, uma ou outra evolui para uma amizade verdadeira, mas cada um sabe o preço que pode e quer pagar pela aposta. Obviamente, o oposto também pode ocorrer, ou seja, a degeneração de uma amizade verdadeira não é algo improvável. Vez por outra passamos por algo assim, não é?
Volto, pois, ao filme citado no início desta mensagem, o It’s a wonderful life. Eis aqui um spoiler: em certo momento, o protagonista, George Bailey (representado pelo grande James Stewart), recebe uma mensagem divina: ninguém que tem amigos é um fracasso.
O contexto? No filme, Bailey se esforça para ajudar a comunidade em que vive a ter uma vida mais digna, às custas de enormes sacrifícios pessoais. Ajudou sem exigir retribuição e, assim, ganhou a amizade de muitos. Ok, sem mais spoilers.
Pode não ser suficiente para mudar sua vida (nem sempre belas frases mudam sua vida), mas a mensagem divina não deve ser desconsiderada, sequer esquecida. É importante lembrar do tesouro que é um amigo (que, claro, sempre estará contigo).
Não quero gastar meu latim - até porque não tenho latim aqui, na carteira… - mas fique com esta ótima frase.
Amicus certus in re incerta cernitur (“O amigo certo se reconhece numa situação incerta”. Frase de Ênio, citada por Cícero. In: Rónai, P. Não perca o seu latim. Ed. Nova Fronteira, 1980, p.25.
Esta foi a mensagem de Natal deste ano, dedicada aos assinantes, aos não-assinantes, aos amigos e aos que deixaram de ser meus amigos (pois perco amigos, mas jamais a piada e há também os que não iriam mesmo continuar comigo nesta viagem que, como todas, também terá, um dia, um fim).
Obrigado por seu tempo e atenção. Desejo a você um ótimo Natal!
p.s. São tantos os meus novos amigos que eu tenho medo de esquecer de algum numa eventual lista nominal. Espero que eles saibam quem são.
Meu texto, minhas regras.
Eu tenho o hábito de presentear pessoas com livros. Muitas amizades, em seu início, começaram com um presente meu.
Sei quando sou usado, mas, confesso, gosto de ver o quão longe alguém pode querer chegar e, então, quase sempre, faço-me de bobo. Acho que sou um daqueles cientistas que se fazem de cobaia de quando em vez… De certo modo, falei indiretamente (indiretamente?) sobre o tema, naquele conto do mercado de amigos usados.