Por que gasto mais tempo para me apresentar que você?
O final das Olimpíadas, o meu nome do meio, um pouco de japonês e algumas reflexões extras (sem aumento de preço) para você!
Chegamos ao trigésimo número do primeiro volume desta newsletter, ou seja, v(1), n(30)! Caso você não saiba, ou tenha chegado aqui no meio desta nossa aventura, é possível ler os anteriores procurando neste link. Ah sim, envio às quartas e sábados, geralmente pela manhã. Raramente, mas acontece, temos edições extraordinárias.
Olimpíadas - A cada 18 de junho, no Brasil, comemoramos a imigração japonesa no Brasil. Reportagens são feitas, a integração na sociedade brasileira é celebrada, fotos de descendentes da 5a geração são exibidas e, pelo que vi no encerramento das Olimpíadas, o brasileiro segue pronunciando tudo errado.
Ok, não vamos ser rigorosos. Ninguém está pedindo que você pronuncie Toukyou ao invés de Tóquio. Nem Oossaka ao invés de Osaka (se bem que, neste caso, a pronúncia Ozaka faz uma diferença que torna a coisa toda incompreensível). Mas Tokyo no hito (東京の人) e Tokyo no ito (東京の糸) são coisas bem diferentes como uma rápida investigação no Google mostrará.
Quase não assisti aos jogos, mas gostei do encerramento. Em especial, acho que não seria uma Olimpíada no Japão se não aparecesse a mariposa no patíbulo, ali no final. O tuíte do “morador do apto 2F” foi ao ponto.
A mariposa, em japonês, ga (蛾) só não foi mais japonesa porque, provavelmente, o inseto mais japonês seja o gafanhoto (ou seria a libélula?). Mesmo sendo um péssimo poeta, deixo um quase haikai1 para ela2.
蛾が来たな
五輪の飾り
次パリー
A propósito da pronúncia em japonês, não sou linguista, mas posso dar umas dicas. Primeiro, a gente segue o sistema Hepburn de romanização, o que nem sempre ajuda muito, mas, para mim, faz muito sentido e é o ponto de partida para se aprender os dois alfabetos fonéticos japoneses. Ah, mas eu quero ir direto ao ponto e ler direito. Ok! Duas dicas: este pequeno guia e, se você não se importar com a poluição visual das propagandas, este outro.
Esta dificuldade de romanização com a língua japonesa é algo que me acompanha desde quando nasci. Sério. Considere, por exemplo, meu segundo nome (não o sobrenome), qual seja, 治誠. Nomes em japonês são uma novela à parte, mas aqui o ponto é a romanização.
É fácil ver (bom, é fácil, acredite) que a transcrição é jisei. A pronúncia? O ji, em português, deve ser lido como di. O sei, como ssei. Assim, seria dissei. Quando me registraram, contudo, ficou Djissey.
Obviamente que, no meu caso, este nome tem outro agravante: ele é tão comum no Japão quanto Austregésilo é no Brasil, tanto na grafia quanto na pronúncia. Ironicamente, era muito comum, na geração dos meus pais (e ainda na minha) a gente encontrar muitos caras com o nome Seiji que é praticamente uma inversão de sílabas do meu (embora os ideogramas não sejam os mesmos, necessariamente)3.
Como eu já não sou filho de pai e mãe descendentes de japoneses (só por parte de pai), Djissey nunca serviu, como alguém poderia supor, para me ajudar na comunicação da minha descendência. Tanto japoneses quanto não-japoneses sempre me perguntam sobre a origem do nome.
Em relação a muitos amigos descendentes, gasto 5 minutos a mais para me apresentar, de modo geral. Um custo adicional que carrego com muito orgulho porque, afinal, vovô soube ser elegante na escolha dos caracteres do meu nome4.
Anna Lin - No final dos anos 80, em alguma viagem a São Paulo, comprei uma fita cassete na Liberdade de uma cantora chinesa. Puro chute. Nem sei chinês e nem conhecia os cantores de sucesso da época. Mas eu gostava de arriscar naquelas lojinhas da Liberdade...
Neste caso, dei uma sorte incrível porque as músicas eram muito parecidas com o estilo Enka (演歌) ou, talvez ao mais geral, que seria uma espécie de definição de MPJ, Kayou (歌謡), ambos do meu gosto. O nome da cantora é Lin Shu Rong (também conhecida como Anna Lin).
A despeito de até hoje não entender chinês, para minha sorte, na época, existia o programa de penfriends no qual a gente se correspondia com alguém de algum outro país. Tive uns 5 ou 6 penfriends. Não era uma comunicação tão intensa porque não havia internet (sabia que já houve um mundo sem internet?) e as cartas internacionais eram caras. Talvez, por tudo isto, fosse tão legal.
Uma das minhas penfriends era uma taiwanesa que traduziu a letra de uma das músicas para mim. Estes dias, graças à internet5, encontrei o vídeo do karaokê (na maravilhosa estética similar dos vídeos de karaokê japoneses) desta música. Segue para sua diversão6.
Um dos melhores vídeos que assisti nos últimos tempos - O Pedro Sette-Câmara deve ser um professor e tanto em sala de aula. Eu acho que ele não leciona em faculdades, mas, devo dizer, ele tem todo o jeitão de professor. Este vídeo, a propósito, tem insights que vão além da literatura. Recomendo fortemente.
Lógicas das redes sociais - I - Não é segredo para ninguém que von Braun ajudou a NASA a ir para o espaço. Vi um filme muito bonito, até, destacando o papel de três mulheres negras na NASA (um filme com o Kevin Costner cujo nome não me lembro agora). Mas aplicando a lógica de queimar-estátuas-de-Borba-Gato, imagino que a NASA deveria ter tido suas instalações incendiadas e as afro-americanas deveriam pedir desculpas ao mundo por terem participado da insidiosa corrida espacial.
Lógicas das redes sociais - II - Imagine o seguinte experimento: o Twitter existe no século 18. Alguém publica um tuíte contra a escravidão. Poderia ser o Luiz Gama. Então, como sempre, alguns discordam e alguém publica o seguinte tuíte: Li a crítica do Luiz Gama à escravidão. Não faz sentido discutir se devemos ou não ter escravidão. A escravidão sempre existirá. Acho mais produtivo discutir como podemos fazer uma escravidão mais realista e adequada às necessidades nacionais. Sentiu-se desconfortável? Troque escravidão por política industrial, por exemplo.
Lemas para você usar - Para sua videoconferência: Cidades inteligentes, cidadãos nem tanto?
Substack e a renovação da Internet - Uma descuidada assinante cujo nome vou manter no anonimato, trocando-o por um genérico Luciana, deu-me um incrível testemunho. Segundo Luciana, o substack trouxe a renovação da internet, no sentido de que aquela cultura de longos textos dos primeiros blogs voltaram. Como discordar de Luciana?
Eu acho até que demorou para isto acontecer. O Substack me parece uma chance não só de praticar um pouco de redação, mas também é uma válvula de escape7. A gente se sente um pouco melhor após revisar (pela vigésima vez) um texto antes de publicá-lo. Dá uma certa satisfação ver que alguém leu e disse: taí, este tema me interessou. Ou apenas riu com uma piada não muito usual (é, eu falo de mim mesmo aqui).
A tecnologia nem é tão diferente da que o Wordpress usa, mas há algo nesta plataforma que é mais agradável. Ajuda, claro, não ter aquela propaganda ridícula que o Wordpress.com coloca (quantos de nós têm grana para bancar um Wordpress.org?)8.
Ah, a infância da internet… - Ah, os gloriosos tempos do Geocities e da busca pelo AltaVista ou pelo Yahoo no Netscape… Foram tempos gloriosos nos quais a navegação na internet era livre, sem cancelamentos, com mais tolerância. Não havia ainda o YouTube e as páginas tinham sempre uma imagem qualquer inserida sem muita preocupação com os direitos autorais (geralmente era uma imagem de algum desenho do Cartoon Network da época pré-infantilização do canal).
Uma das melhores páginas era a das leis físicas dos desenhos animados. Outra, para quem curte Economia, era a Jokec (joke + economics). Era um mar revolto que se curvava perante a curiosidade dos navegadores. Ainda não existia Wikipedia e os almirantes tinham que ler mais livros do que sites para elaborarem seus textos (para a internet ou não).
A colonização das terras recém-descobertas foi feita arduamente pelos pioneiros. Páginas eram construídas no Geocities com barro e argila e usava-se um e-mail do BOL (no caso pindorâmico) para as comunicações entre metrópole e colônias. A competição entre os formatos digitais de textos era entre o pdf e o ps (cujo leitor era incrivelmente ruim).
Note que eu não disse o início da internet que, aliás, eu vi nascer também. Isto aí que chamei de infância foi uma época muito boa. Deixou saudades. Um dia compro uma passagem e vou lá visitar as ruínas da infância da internet. Prometo.
ASS. - Todas as newsletters do Alexandre Soares Silva.
Quase, Claudio? É. Quase. Primeiro, haikai tem que ter temática das estações do ano e não pode ser direto. Sutileza é tudo. Ah, mas o Paulo Leminski disse…eu sei lá o que o Paulo Leminski disse. Estou te dizendo o que é um haikai em sua origem. Mas antes que a gente brigue, note que o haikai tem que seguir além da regra da temática, também a métrica do 5-7-5 sílabas. Isso aí eu fiz direitinho…espero.
No dia eu tentei outro que foi:
蛾が来たな
かわいいでした
次パリー
Ironicamente, devo dizer, em certa ocasião (obviamente envolvendo a burocracia) quase me causaram problemas por conta do meu primeiro nome, o Cláudio (ou Claudio). Esta é uma história para outro dia.
Com o Google e similares, hoje em dia (maldito neoliberalismo globalizante!), você facilmente descobre o significado de cada um deles.
Já falei que a internet não existe desde sempre? Acho que já. Mas é bom reforçar porque tem gente que reclama, até hoje, que não acha informação por aí.
Eu ainda tenho a fita cassete que, aliás, funciona muito bem. Há algum tempo comprei um destes toca-discos com toca-fitas modernos para poder aproveitar o meu pequeno acervo de fitas cassete e discos.
O isolamento social não é exatamente a primeira opção de lazer dos seres humanos. Caso contrário, lockdown teria sido incorporado no dicionário como sinônimo de Olodum, samba, futebol e cerveja desde, pelo menos, a Idade Média.
Lembra de quando falei de mal público financiando o bem público? Sim, foi tema de vários números anteriores, em especial, deste aqui.