Alchian-Allen e alguns e-books coletivos que produzi no início dos anos 2000
Um dos mais interessantes teoremas da Economia e mais alguns temas que são, ao seu modo, memórias. No fim, algumas lembranças melancólicas e uma boa notícia. Tudo isto pelo preço de um. Só até sábado!
Neste v(1) n(26) resgato algum material do meu mais recente blog, cujo nome é prova cabal do meu talento (pun intended) para a propaganda: De Gustibus Non Est Disputandum. Não, não é um blog sobre missas em latim na Etiópia (ou em Cubatão). É que Gosto não se discute é o título de um famoso artigo de Gary Becker e George Stigler, dois dos mais talentosos economistas que já existiram. Pronto, expliquei.
Preparado?
Alchian-Allen - O Teorema de Alchian-Allen é um dos resultados teóricos mais interessantes e, na minha opinião, menos estudados pela turma. Por que? Acho que é a moda.
Por exemplo, há os que desprezem o estudo empírico do teorema porque pensam que um modelo que não seja intertemporal, com restrições ao crédito (ou à liquidez, de modo mais geral1), com parte dos agentes racionais e parte, sei lá, com 23 dos 56 vieses da ‘economia comportamental’ operando com ‘j’ firmas (j-k sob algum modelo de competição imperfeita) em equilíbrio geral não presta.
Outros acham que se o modelo não avaliar alguma política pública, então ele deve ser queimado vivo, em praça pública, após muitas chibatadas, de forma que a sociedade civil desorganizada, esta massa ignara sedenta de um guia que as organize, aprenda, com os gritos de agonia dos modelos em chamas, como deve se portar diante de seus mestres intelectuais, notadamente à mesa.
Finalmente, há os que acham que não se pode estudar modelo algum porque estão muito bêbados para argumentar.
Brincadeiras à parte, o Teorema de Alchian-Allen, ouso afirmar, deveria ser mais estudado, inclusive, empiricamente. Seu enunciado pode ser um pouco técnico, mas o Leo Monasterio tem um exemplo bom que traduz a matemática para o bom português. Ele faz isso com vinho (digo, o exemplo é de vinho, ele não tomou vinho antes de explicar…eu acho).
Suponha que existem dois tipos de vinho: o Chateau Caro custa R$ 50,00 e Chateau Vagabundo, R$ 5,00. É razoável supor que os custos de transporte são os mesmos para qualquer tipo de vinho; digamos, R$ 5,00. No local de produção, a relação de preços vinho bom/vinho ruim é de 10 para 1. No mercado consumidor, com frete, a relação de preços passa a ser de 5,5 (R$ 55,00/R$ 10,00). Ou seja, em termos relativos, o vinho bom fica mais barato no mercado distante do que no local. Portanto, o vinho bom tenderá a ser exportado e o ruim ficará para consumo local.
Fácil de entender? Ok. Ainda assim, você pode se perguntar: mas isto acontece no mundo real? A seguir alguns exemplos.
O primeiro vem diretamente do mercado mundial de sucata em trecho do ótimo: “Junkyard Planet: Travels in the Billion-Dollar Trash Trade” – Adam Minter.
“(…) the critical fact for American scrap companies competing against Chinese companies is that the price of shipping to China is typically cheaper than shipping between geographically distant U.S. cities. For example, in late 2012 a container shipped via railway from Los Angeles to Chicago could cost as much as $2,400—or four times more than it would cost to send the same container to Shenzhen. In other words: U.S. demand for Chinese goods means that a paper mill in southern China can outcompete a Chicago-area paper mill for a shipping container of old newspapers in Los Angeles. That’s the power of the backhaul—and American demand for Chinese-manufactured goods.”
Mais um, tirado do Colonização e Monopólio no Nordeste Brasileiro, de José Ribeiro Júnior (Hucitec, 2004):
Em 1766 a junta tomara a resolução de enviar para a Capital da colônia alguns escravos ‘dos milhores’ para lhes dar saída por melhor preço e a fim de evitar a despesa que se fazia no Recife ‘aonde tem decahido muito do seu valor’. O fato de deixar o pior escravo para Pernambuco provocaria a observação do governador José César de Menezes, dizendo que era preciso adquirir 10 escravos ruins para fazer o serviço de 8, tornando mais caro o custo de mão-de-obra na capitania servida pela sociedade mercantil, detentora do privilégio. [Ribeiro Jr (2004), p.129]
De sucatas a escravos, passando por vinhos ou maçãs, este tal Teorema de Alchian-Allen é muito legal, né? Didaticamente, ele abre a cabeça de muito aluno. Geralmente, o aluno que nunca viu Economia pensa em hipóteses algo esotéricas para explicar a realidade em que vive. Ou é a terra plana, ou os reptilianos, ou o comércio-falsamente-pensados-como-jogos-de-soma-zero ou, claro, a melhor delas, os conluios de judeus-banqueiros-produtores-de-vinhos-ou-sucatas.
Nada disto sobrevive a uma boa hipótese (que pode até ser testada empiricamente). No final, da aula, imagino-me olhando com aquele sorriso irônico para os alunos e, debochadamente, dizendo (ah, o deboche que os alunos tanto gostam…2): são, tão somente, os preços relativos bailando sob seu nariz, Audrey3.
Pense um pouco. Você perceberá que já viu um exemplo deste teorema em ação.
Alguns e-books - Numa era mais vibrante da blogosfera, organizei (ou fiz parte) de diversos pequenos empreendimentos conhecidos como e-books. Ok, hoje um e-book não é novidade. Mas os meus tinham uma característica peculiar: eu os usava para estimular o aprendizado em sala de aula de uma forma, digamos assim, divertida.
Escavando o blog, deparei-me com eles. Bateu saudades e resolvi listá-los aqui (com os links), na esperança de matar as saudades de outros tempos (e, quem sabe, fazer uma supostamente boa propaganda de mim mesmo). Vamos a eles.
Tudo o que você sempre quis saber sobre a multa nos sushis que sobraram no rodízio…mas não tinha coragem de perguntar ao amigo economista. - Neste que foi o primeiro e-book, eu reuni uma combinação diversificada de talentos. Tem professor, aluno e gente que eu só conhecia pela internet à época. A ideia era que cada um tentasse uma explicação para as multas que alguns restaurantes cobravam para sobras no prato. Gosto muito do jeito como apresentei cada autor (no final).
Em terra de cego, quem tem um olho é rei: usando teoria econômica para explicar ditados populares - Entusiasmado com o sucesso (sucesso?) do primeiro empreendimento (ou apenas feliz em reunir amigos para produzir algo), entrei em um segundo, sobre provérbios, organizado pelo Adolfo Sachsida. Foi um coletivo de autores, aqui, já com gente amiga e gente não conheço até hoje. Foi citado - sem a devida referência - na Superinteressante (jornalistas, ah jornalistas…).
Quantos filmes assisto no final de semana? – A economia da Blockbuster - Este foi uma tentativa de trazer um pouco mais de ação/emoção para uma disciplina que eu ministrava na graduação. Não me lembro o nome da cadeira, mas certamente envolvia teoria dos jogos e estruturas de mercado. Nesta proposta, a turma tinha que produzir o e-book como trabalho final na disciplina. E assim foi feito. Um professor, anos depois, escreveu-me pedindo autorização para usar o material numa disciplina dele. Claro que autorizei. Espero que tenha ajudado mais alunos…
Dois competidores são melhores do que um? - Seguindo o espírito do trabalho anterior, criei este para outra turma (acho que da mesma disciplina). O tema girou em torno das companhias mercantilistas (os leitores sabem que gosto muito disto) e formação de cartéis. Foi uma turma que se entusiasmou bastante com o trabalho (ou pelo menos é assim que me lembro de como tudo aconteceu). Teve até contrafactual (é, isso mesmo).
A quem servem (realmente) os bafômetros? - Um tema polêmico em 2008, os bafômetros, hoje, são comuns à sociedade brasileira. Vez por outra, um ou outro reclama, mas não gera mais tanta polêmica. Neste trabalho, temos tanto análises positivas quanto normativas. Ainda gosto do resultado.
A poesia que é a economia na visão de vinte autores-estudantes - Este foi um dos últimos trabalhos que promovi em sala de aula numa faculdade em que lecionei por muito tempo. Era uma turma atípica, para mim, de alunos de Engenharia da Produção expostos a conceitos básicos de Economia. Quando propus o trabalho, falando de haikais e senryuus, houve um certo espanto. Foi um trabalho, vamos dizer, menos rigoroso, mas com a clara intenção de fixar algum conceito visto em sala. Foi legal como a turma abraçou a ideia após o susto. As instruções para os alunos, caso você queira fazer algo similar, estão no final do e-book.
Determinantes dos votos da candidata Dilma Rousseff no segundo turno das eleições de 2014. - Eu ensinei Econometria III por algum tempo. Uma das últimas turmas era imensa. Este não foi um trabalho fácil. O tamanho da turma trouxe consigo os problemas clássicos de ação coletiva. Foram semanas de muito trabalho (coloquei desafios bons). No final, fizeram um pequeno e interessante artigo econométrico.
Relendo meus prefácios, redescubro, em mim, alguém que se entusiasmava com a gerência de grupos, embora, à época, isto não me fosse tão óbvio. Eu também apreciava gerar uns bens públicos. Uma antiga apostila de Econometria minha ficou famosa por muitos anos e seu alcance transcendeu os muros das salas de aula que trabalhei4.
Uma reflexão - Este texto do Matt Shapiro me traz algumas tristes lembranças de como algumas pessoas ficaram ‘enlouquecidas’ nos últimos anos. A discussão dele se dá com exemplos ligados às discussões sobre a pandemia, mas eu vejo uma queda generalizada da tolerância nos diálogos. Norberto Bobbio nos ensinou que nem toda ação é política. Mijar não é um ato político, necessariamente. Eu sei que pode ter a ver com a forma como nos comunicamos e as redes sociais e aplicativos ainda não substituem perfeitamente a comunicação cara-a-cara-presencial. Um pouco de boa vontade, talvez…
Uma lágrima - Lembrança do Olavo Rocha, que nos brindou com vídeos divertidos e didáticos sobre Economia antes de nos deixar. Um dos mais singelos vídeos dele é o Pecúnia Libertária. Infelizmente, o vídeo que ele fez sobre o Teorema de Alchian-Allen não existe mais (houve algum problema de copyright). Quem salvou o vídeo, salvou.
Agora, uma notícia boa: ele voltou! - Lucas Mafaldo voltou e está no Substack. Eis aqui o endereço da newsletter dele. Claro que você deve assinar.
Até a próxima.
Obviamente (‘obviamente’ é sempre um petardo no argumento, arrogante mesmo) que há uma ‘sutil’ diferença, só não vê quem não quer e, mais claro ainda, isto significa que quem discorda de mim pertence a outra escola, errada, de Economia, e vamos brigar o resto da vida por conta disto.
Os alunos adoram professores debochados. Adoram também os respeitosos. Ou os que contam casos pessoais. Adoram todos os professores, na verdade. Até a primeira prova, claro.
Claro que é Audrey Hepburn. Não existe outra, existe?
Um mestrando que tinha aulas comigo quando eu sofria no doutorado, para meu espanto (e alegria), agradeceu-me por usar esta mesmíssima minha apostila (a internet é maravilhosa, não?). A notícia triste é que, há alguns anos, tão jovem, teve uma doença terrível e faleceu, deixando esposa e, acho, um filho. Prefiro lembrar dele feliz por ter aprendido um pouco de Econometria...