Nesta edição extraordinária, algumas mensagens de Natal de vários personagens que inauguraram suas vidas aqui, na newsletter. Na sequência, dois pequenos - e bem diferentes(?) - contos de Natal e Ano Novo que começam com a expressão “Foi no dia”.
Eu sei que, em 04 de novembro, enviei minha mensagem de Natal anual (um antigo hábito que transportei dos e-mails para cá). Também sei que ela foi bastante adiantada mas, com dois anos de pandemia, meu senso de urgência ficou um pouco bagunçado. Deste modo, fiquei com a sensação de que meu leitor poderia não se sentir muito bem sem uma mensagem mais, digamos assim, sincronizada com o calendário.
De todo modo, ficou difícil fazer uma nova mensagem de Natal - o que seria até redundante - motivo pelo qual pedi aos meus personagens (nascidos neste ano, por aqui) que enviassem ao leitor mensagens alusivas às festas.
O final deste ano também me inspirou a escrever dois pequenos contos que submeto ao tribunal do leitor para sumário julgamento (não aceito mais que uma segunda instância, sou um sujeito muito malvado, como se sabe…).
Aproveito para agradecer a companhia ao longo destes encontros de 2021 e espero que continuemos nos divertindo por aqui em 2022, pelo menos.
Mensagem de Natal de Juó Bananére - ‘stó achi n’a inlustra gapidale federale du Brasile. A bolitica nón precisa ser una ingatátrofa tutto u tempo. S’imagine che u dotôre Paligna arrisolveu di comprá una pamogna na schina. Eh! Má che lá gapidale federale nón ten s’china, tutto os inletore sábi.
Intó, como nón tenia pamogna, o dotôre Paligna xingó tutto us palavró i mandó ilos lambé sabão. In tutto gazo, Io piguê uns aramo e mandé u Tinoco cumprá unas pamogna nu Ai’Phúd chi servirô p’ra calmá u dotôre Paligna. Pegamu un taksi i fomos p’ra una circunfeenza natalina c’os acurreligionari.
Chi belezzura di spíritu natalinu! Buonas Festas i…#juobananerepresidente!
Mensagem de Natal do Doutor Palhinha - Acho bonito este negócio de Natal. Mas, olha, isto de homem magro comprar barriga falsa para se fazer de Papai Noel é coisa de retardado. Come torresmo e pronto! Papai Noel que é Papai Noel tem barriga de verdade, ora! Ano que vem espero resolvê mais crime. Inté!
Mensagem de Natal de Aynitta - Meus fãs! Minha música faz sucesso porque embute uma visão, a minha visão. Aqueles que desejam o sucesso devem perseverar a despeito das opiniões alheias. O criador vive para seu trabalho. O parasita vive de segunda mão. Cuidado, meus fãs. Sejam vocês mesmos! Criem! Inovem! Não sejam parasitas! Que cada um celebre da forma que achar mais adequado!
Mensagem de Natal de Geraldina Maupassaint - Oi gente. Ano que vem espero contar com vocês para fazerem meu trabalho. Digo, a gestão das coisas do império é muito trabalhosa e exige alguém com visão de longo prazo, alguém que planeje (esta, claro, sou eu). Assim, preciso que alguém cuide do trabalho braçal (estes são vocês). Tenho aqui planos para o Natal, vou passá-los, após minha aula de piano, para o seu Adamastor e ele repassa para vocês, tá? Preciso muito de criadores e inovadores para que meus planos tenham sucesso. Feliz Natal e um ótimo 2022.
Mensagem de Natal do Sr. Adamastor - Voltolino, Voltolino, Voltolino! Bananére, Bananére. Fibonacci, Fibonacci, Fibonacci. Mussolini Mussolini? Pasolini, Pasolini. Croce, Croce, Croce. Pareto, Pareto…Pareto!
Foi no dia (I) - Foi no dia em que saiu para comprar charuto que percebeu que não tinha mais motivo para recorrer ao tabaco quando quisesse se acalmar e refletir sobre sua vida. Mesmo assim, meio que por instinto, comprou-o.
Como tantos outros casamentos, o dele também terminou como sempre terminam os casamentos: em um vazio. O que antes era um lar alegre e cheio de alegrias, lentamente, transformou-se em um jardim empoeirado.
Decidiu, então, que pediria o divórcio à mulher que, outrora companheira, agora era apenas uma pessoa preocupada com seu próprio dinheiro. Quem poderia condená-la? Afinal, fizera jus ao suado dinheiro, trabalhando intensamente por toda sua vida. Tal como o marido com o seu próprio, este, que agora só via como um estorvo.
Ao longo do tempo, sabe-se lá o porquê, passou a ver no marido um inútil. Todo trabalho é digno, mas ela achava que o dele era, de alguma forma, indigno. Ou pior que o dela. Uma estranha comparação, destas que não fazem sentido, mas que são adequadas aos desejos pré-concebidos, fincou pé em seu coração e envenenou o que restava do amor que ainda nutria por ele.
Secretamente passou a crescer um desprezo imenso por aquele a quem um dia amou. Achava-o uma nulidade, um fardo, exceto quando precisava desabafar sobre as dificuldades de seu trabalho. Nestes momentos, fazia um esforço hercúleo para fingir-se boa companheira.
Claro que não iria lhe dar o divórcio. Dividir patrimônio? Jamais. Chegou a cogitar envenená-lo lentamente, mas percebeu que esta estratégia custar-lhe-ia caro. Preferiu atormentá-lo, pouco a pouco, dia após dia, com demandas contraditórias. Tentaria enlouquecê-lo, ela, a outrora amiga, amante e companheira, para que não precisasse arcar com os custos da separação.
O marido, sem ter noção muito precisa da extensão do desprezo que lhe era atribuído, buscava, ainda, manter a convivência cordial. Este seu comportamento conciliador irritava mais ainda a esposa que, aos poucos, cuidou de regar o casamento com o veneno infalível do desamor. A indiferença foi a raiz. O ódio, a impaciência e o desprezo, as pétalas da maldita flor.
Foi na véspera de Natal, quando a temperatura era uma das mais altas do ano - dizia a meteorologia - que, finalmente, o marido sucumbiu. Após extrema tensão no trabalho, não acendeu apenas seu charuto, mas também as cortinas do quarto. O fogo se espalhou. Primeiro pela casa, depois pelo jardim. Poder-se-ia dizer que buscou, a seu modo, romper sem ofender a esposa. Outros diriam que enlouqueceu apenas.
A esposa havia saído para comprar um presente de Natal para o marido com uma incomum preocupação de lhe presentear algo que, genuinamente, fizesse-lhe sorrir. Talvez um resquício de amor ainda existisse em seu coração desamoroso. Ou talvez tenha sido apenas uma distração inexplicável de sua alma. Ou só a velha hipocrisia.
Após algumas horas fora, retornou e se assustou com a multidão em frente à sua casa. Viu parte de seu patrimônio queimado e uma foto do casal que se desfazia lentamente no chão, perto de algumas rosas queimadas. Não gritou. Não chorou. Também não sorriu. Apenas observou aquele cenário com certa melancolia.
Pensou no trabalho que iria dar aquilo e lamentou que o marido não pudesse cuidar de tudo para que pudesse seguir trabalhando. Logo deu-se conta do absurdo. Olhou para o chão, olhar vazio. Sorriu ao se lembrar que boa parte de seus ativos eram aplicações financeiras. Finalmente teria tempo para se dedicar a seu futuro sem o incômodo e inútil marido.
Foi o melhor Natal que teve em anos, mas nunca contou isto a ninguém.
Foi no dia (II) - Foi no dia ensolarado, véspera de Ano Novo, que se deu conta de quantos anos haviam passado. Não é que já era adulto? Pois! Já tinha mais de 50 anos, ora bolas! A ingestão do álcool sempre foi um marco na passagem da juventude para a vida adulta.
Pelo menos tinha sido assim em sua geração. Na anterior, o rito de passagem envolvia, adicionalmente, o fumar dos cigarros. Lembrava de seu pai contando-lhe, todo orgulhoso, do dia em que fumou o primeiro. Morreria atropelado quando seus filhos já eram adultos. O câncer de pulmão nunca surgiu para lhe atormentar, talvez por sorte.
A lembrança de seu pai lentamente o deixou, mais lentamente do que a inesperada despedida que o pai lhe proporcionara. Olhou para o céu. A tarde já se fazia sentir em suave brisa. Logo teriam início as comemorações do Ano Novo. Reunião com familiares, muito bebida, um farto jantar e, quem sabe, alguns casos novos para levar consigo.
Vivia sozinho, isolado, desde que o pai morrera. Só fazia trabalhar e se exercitar semanalmente. A mãe, esta já tinha falecido quando ainda era jovem. O irmão, bem, estava vivo, mas era como se estivesse morto. Família nada incomum, exceto para quem não tem uma.
Sabendo que família não se escolhe, optou, contudo, por se isolar de todos. O único evento em que dava as caras era o jantar da véspera de Ano Novo. Fazia questão de ver os primos, primas, tios e tias e saía sempre antes da passagem do ano. Festas não lhe apeteciam. Talvez porque se lembrasse dos pais. Ou do tempo em que o irmão ainda lhe correspondia o amor. Ou porque, de certa forma, trabalhasse com festas.
‘Pois a vida, meus amigos, não é um mar de rosas. Disso sabemos todos. E daí?’, eis seu pensamento por volta das 23 h 23 m, quando, então, já havia se despedido de todos e voltava caminhando pela rua. Era indiferente ao barulho das pessoas comemorando e aos fogos de artificio que logo iriam cruzar os céus criando belíssimas paisagens efêmeras que são, hoje em dia, registradas em milhões de curtos vídeos de telefones celulares.
Levou a mão ao bolso do paletó e notou que seu celular já estava com a memória lotada. Quem sabe, no ano seguinte, conseguisse trocar por um novo modelo? Sorriu pensando no que pediria ao Papai Noel.
E por falar em pai, tirou do bolso um charuto e se lembrou do seu. Bem, o pai não fumava charutos, só cigarros. Pouco importava. Só queria sentir alguma felicidade em sua solidão. Do bolso da camisa veio o cortador de charuto e, do de sua blusa, a caixa de fósforos. Os movimentos coordenados das mãos geraram um balé e, deste, o charuto aceso.
Charuteou uma, duas vezes. A fumaça que soltou ao ar tomou a inusitada forma de um dragão, embora aquele fosse o início do Ano do Tigre. Não era fã de astrologia, mas apreciou, por uns dois segundos, o dragão efêmero que acabara de parir. Lembrou-se das nuvens e de seus formatos inusitados.
Pensou até ter ouvido anjos e, assustado, tocou-se com as mãos, na tentativa ingênua de ver se estava vivo. Estava. O tal som angelical? Não conseguiu identificá-lo. Talvez já estivesse bêbado. Ou talvez fosse subproduto dos devaneios sobre nuvens. Além disso, o trabalho no Natal tinha sido muito desgastante. Preferia nem pensar no assunto.
Com algum esforço, acalmou-se e charuteou, novamente. Fez uma prece mental para os falecidos pais e apertou o passo. Queria chegar logo em casa porque, de repente, ocorreu-lhe que poderia não ter café para a manhã seguinte. Dúvida cruel, mas tendo uns trocados no bolso, decidiu.
Procurou e encontrou uma loja de conveniência. Sim, lá estava um pacote de café que poderia lhe fazer a alegria do dia 01 de janeiro de 2022. Levou-o até o balcão. O vendedor, visivelmente alegre, desejou-lhe um feliz 2022 enquanto lhe devolvia o troco. Resolveu, então, deixar o troco como gorjeta e caminhou só, até o estacionamento. Pegou seu trenó e partiu para o Pólo Norte. Tomaria seu café às 06 da manhã, no dia seguinte.
Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.