Neste feriado de Páscoa, nosso v(2), n(31) traz como tema principal um caro aos que se preocupam com o ambiente de negócios de uma sociedade, qual seja, a regulação.
Regulação - Jorge Vianna Monteiro, professor aposentado do Departamento de Economia da PUC-RJ, durante os anos 90, sempre chamou a atenção para o aspecto preocupante do uso das Medidas Provisórias (MPs) pelo Executivo.
Dizia ele que o recurso às MPs não era sem custo e que o arcabouço institucional iria se transformar na direção de um Legislativo que passaria menos tempo propondo e mais tempo analisando os desejos do Executivo.
Pode-se, obviamente, qualificar esta crítica, discordar-se da mesma etc. Mas o gráfico a seguir, obtido a partir do ótimo RegBR, mostra que as MPs seguem como um instrumento muito comum na formulação das políticas públicas brasileiras.
A discussão sobre as MPs, iniciada por Jorge lá nos anos 90, pelo visto, segue atual. Pelo menos é o que noto do gráfico. O recurso às MPs foi bem elevado em 2002 tanto quanto em 2020.
Claro, pode-se aprofundar a análise fazendo um estudo mais detalhado das MPs e de sua conversão em leis, algo que Jorge já fazia em sua carta quinzenal lá nos em 1990-2000.
Ainda a Regulação - Antigamente o ‘peso’ do governo sobre os ombros dos cidadãos era medido por um prosaico “gasto de consumo do governo sobre o PIB” ou “G/PIB”. No início da disciplina de Contabilidade Social era assim.
Não que não seja uma boa medida, claro. Medidas são construções que usamos, sob certos critérios, para medir a ocorrência de alguns fenômenos. Pesquisadores cuidadosos, em geral, deixam explícitas suas reservas quanto às medidas que usam. É parte da etiqueta acadêmica, digamos assim.
Uma crítica comum a esta medida (G/PIB) é que, sendo muito agregada, nada nos diz sobre o peso do governo em setores específicos da sociedade. Parte disto se resolve se você tem os gastos públicos por setor. Mas nem todo setor da sociedade recebe intervenção governamental na forma de gastos públicos.
Pense, por exemplo, numa norma hipotética que proíba restaurantes de atenderem pessoas de orientação heterossexual, brancas e religiosas. Mesmo no campo das hipóteses, vê-se que existe um custo, nesta norma, para a sociedade. Como seriam identificadas as pessoas? Seriam obrigados a portarem um certificado de orientação sexual? Um comprovante de cor da pele? Um atestado de não-ateísmo?
Este exemplo mostra que o tempo (e tempo é dinheiro…) investido na formulação da lei seria um desperdício para a sociedade. Ainda que todos os comprovantes fossem digitais (há um modismo, atualmente, sobre uma suposta infalibilidade de um modelo ‘digital’ de governo…), as chances de corrupção no sistema não seriam nada desprezíveis.
Nenhum governo democrático arrisca tantas fichas como no meu exemplo hipotético. Na prática, normas que buscam intervir na sociedade atingem apenas um ou outro grupo da sociedade, sempre conforme o cálculo eleitoral do político proponente e o apoio (ou oposição) de outros grupos.
Por exemplo, a proteção para um setor industrial raramente é fruto apenas do trabalho de políticos e burocratas: o setor industrial faz seu lobby, como qualquer outro. O mesmo pode se dizer do setor cultural, como nos lembra o tuíte a seguir.
![Twitter avatar for @lmonasterio](https://substackcdn.com/image/twitter_name/w_96/lmonasterio.jpg)
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Embora o leitor e eu possamos passar um bom tempo conversando sobre grupos de interesse (e, claro, economia brasileira), o ponto crucial aqui é que o uso de alguma métrica que considere não só o peso quantitativo do governo (G/PIB) é o que precisamos para termos uma visão mais realista do quanto o governo intervém na sociedade. O número de medidas provisórias ao longo do tempo é apenas a ponta do iceberg…
Claro, mais regulação - O leitor já deve estar estranhando que estou monótono hoje. Prometo que será a última vez em que falo em regulação. Desde os trabalhos de George J. Stigler que desconfiamos mais seriamente das supostas boas intenções dos reguladores.
Stigler nos lembra que reguladores podem ser capturados pelos regulados. Seu alerta, antes de mais nada, é uma saudável dose de ceticismo. Desconfiar de boas intenções alheias sempre foi um bom conselho, independentemente desta ou daquela linha ideológica.
Há, claro, reguladores que se irritam com a simples menção ao falecido economista. E há os que dizem que, a despeito do ceticismo de Stigler, a regulação seria necessária. Obviamente que a regulação não é um consenso na ciência (aliás, poucas coisas são consensuais na ciência se você considera um período de tempo mais longo1). De todo modo, existe a hipótese de que normas (regulações) podem influir no ambiente de negócios de uma sociedade.
Mas…um bom ambiente de negócios - um com mais liberdade econômica - pode surgir como um efeito intencional de uma norma? Pode. Contudo, também é verdade que pode surgir de um efeito não-intencional da mesma norma. Não é tão simples identificar em que situação nos encontramos sem algum refinamento adicional (de que setor falamos? Em que período? Etc.).
Sobre a liberdade econômica, aliás, o Centro Mackenzie de Liberdade Econômica tem nos dado um panorama da liberdade econômica no país, ao longo dos últimos anos, usando um corte estadual. Sabemos que o país, como um todo, é pouco livre, economicamente, quando comparado ao resto do continente (ou ao resto do mundo). E daí?
Daí que o ambiente de negócios que importa não é só o nacional: empresas fecham ou abrem filiais conforme o ambiente de negócios estadual. Quantas vezes não terá o leitor se deparado com aquelas notícias de fábricas que deixaram de abrir filiais em um estado para aproveitar os incentivos criados por outro governador?
Podemos ir além, claro, e falar do ambiente de negócios municipal. O Índice de Cidades Empreendedoras (ICE) da Enap-Endeavor dá uma noção para, pelo menos, os 100 municípios mais populosos do país. Note que falamos de um país que nem sempre é o que mais estimula o empreendedorismo produtivo, em detrimento do empreendedorismo destrutivo (o famoso comportamento rent-seeking).
O retrato do ambiente de negócios, contudo, é apenas um retrato. É que entre uma foto e outra, muito se pode fazer para melhorar o dito ambiente e, voltando ao início da seção, aí é que o regulador pode fazer a diferença. Há uma vasta literatura a este respeito que não posso resumir aqui. O máximo que posso fazer é oferecer um breve exemplo.
O pessoal do Evidência Express (EvEx), da mesma Enap anteriormente citada, fez um pequeno resumo da regulação nas agências reguladoras federais, considerando dois ‘paradigmas’ de regulação identificados por eles em sua pesquisa da literatura especializada.
Pelo menos, em termos de perspectivas, parece que nossas agências podem estar na direção correta: seu modelo de regulação, em média, usa menos o modelo comando e controle e mais o modelo de regulação responsiva. A diferença, basicamente, é que, no segundo, há a ‘cenoura’, não só o ‘chicote’.
Uma pergunta que se pode fazer - ainda pensando na desconfiança de Stigler - é se as agências estão, de fato, tendo sucesso na missão de atender aos consumidores. Descontada a inflação, as tarifas dos regulados têm caído? E quanto aos lucros? A competição aumentou? Haveria alguma diferença entre os diferentes modelos de regulação no que diz respeito a estas variáveis? O relatório nada nos diz sobre isto e, entendo, este é um bom tema para pesquisas.
O Negócio - Nunca havia assistido, mas está na HBOMax e é uma série bem divertida. Pelo menos, até onde vi…e estou no meio da primeira temporada (sem vontade de parar). Dizer que recomendo, em 2022, uma série de 2013 soa estranho, mas, sim, recomendo muito.
Um filme soviético que Roger Corman usou…- …para fazer o ‘mesmo’ filme, só que com umas cenas enxertadas. Isso mesmo. O filme soviético está disponível aqui, na Internet Archive. Eu só queria mesmo saber como, nos EUA dos anos 60, Corman conseguiu o rolo de um filme soviético…
O número anterior - Não leu o número anterior? Está aqui.
Um pouco de música - Holiday for States!
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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Talvez o mais correto seja dizer que isto depende da área da ciência. O consenso sobre a utilidade do uso da língua portuguesa na escrita dos textos talvez seja mais duradouro do que o consenso sobre os malefícios do ovo para a saúde humana, apenas para mencionar um exemplo.