Periódicos científicos avaliados pelo governo, futarquia e espero que chova porque está muito quente!
O calor fritou meus miolos! O que sobrou deles está aqui. Aproveite!
Bom dia. Este é o v(1), n(41) desta newsletter! Os dois grandes temas hoje são a recente - e bem-vinda - mudança nos critérios de classificação de periódicos acadêmicos feita pelo governo (o popular Leviatã) e a proposta de uma nova forma de governo, a futarquia, de Robin Hanson.
Você talvez seja novo aqui. Então, rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
Publicações científicas no Brasil - Não é de hoje que pesquisadores sérios criticam os critérios de classificação de periódicos científicos que, por algum motivo, no Brasil, ficaram a cargo do Leviatã (são os chamados critérios Qualis dos periódicos).
No mundo civilizado - incluindo até não-democracias como a República Popular da China (RPC) - utiliza-se como critério de relevância de um periódico o chamado fator de impacto (FI) da publicação. Como todo critério, o FI também sofre críticas, mas não vou me aprofundar nelas.
Acredito ser óbvio que critérios objetivos são mais facilmente aperfeiçoados por meio de críticas do que critérios subjetivos. O que dizer, por exemplo, de uma regra que muda a cada 4 anos ao sabor das decisões de comitês? Pois é.
Nesta semana tivemos a notícia de que o Leviatã mudou a regra do Qualis. O Leo deu a notícia com otimismo moderado.
A ideia de critérios objetivos (cientométricos) de classificação de publicações científicas - chamados entre os iniciados de journals - é dar mais estabilidade para pesquisadores que, então, podem publicar seus artigos sem a insegurança de saber que a mensuração estatal de sua excelência científica (soa feio, mas é isto mesmo) se baseia em critérios subjetivos. Como assim? Eis um exemplo.
Pense no pesquisador Joãozinho. Joãozinho é, digamos, pesquisa na área de XX. Por sua vez, XX tem um comitê, formado por alguns pesquisadores de alguns - mas não todos - centros de pesquisa (de XX) do Brasil. A cada quatro anos, o comitê muda a relevância dos periódicos científicos da área com uma classificação do tipo: A1, A2, A3, B1, B2 e, digamos, C.
Fica mais complicado? Fica. Digamos que Joãozinho publique em um journal de uma área diferente, XY. Embora o journal seja, por exemplo, A1 na área XY, ele é classificado pelo comitê da área XX como C. Tem uma lógica - como todo critério - mas é estranho, não?
Por que seria estranho? Porque, digamos, Joãozinho é tão famoso em sua área que seu artigo, publicado no journal da área XY, pode ser até mais citado em trabalhos de autores do que seus artigos na área XX. Pode acontecer? Pode (e eu diria que não é raro).
Mas este exemplo ainda pode ficar mais apavorante. Pode ser que o comitê da área XX, na próxima reunião, resolva que o tal journal seja classificado como A2, o que muda a pontuação de Joãozinho de forma abrupta e sem qualquer relação com a relevância científica do artigo.
Isto porque a decisão de classificar os artigos pode não gerar um ranking compatível com impacto da pesquisa. Este é um problema que não é nada novo e já vem sendo discutido há anos (um exemplo de bom artigo na temática é este do João V. Issler e Raquel C. Ferreira, para a área de Ciência Econômica) e, sim, o exemplo de Joãozinho é um retrato de como a coisa funcionava até então.
A mudança no modo de avaliar os journals é um avanço? Acho que sim. Mas não é perfeita. Como eu disse antes, critérios nunca são perfeitos. Eles podem, por exemplo, sofrer manipulação. A própria comunidade científica tem ciência disto. Bons exemplos de artigos estudando as manipulações? Vários. Alguns aqui, aqui e aqui.
Dito isso, repito: prefiro um critério objetivo a um subjetivo. Parece-me que a detecção de fraudes é menos complicada.
Você gostou desta mudança? Está revoltado? Não lida bem com mudanças? O espaço para comentários está aqui.
Futarquia - Você sabe o que é futarquia? Leia a conversa de Robin Hanson com Richard Hanania aqui. Não é difícil perceber que se trata de mais um exemplo do que chamo de governança radical. Ficou confuso? Veja a imagem a seguir.
Em resumo, a futarquia usa o mercado de previsões de forma mais intensa na elaboração de políticas públicas. Funcionaria? Acha muito exótico? Tem dúvidas sobre isto?
O melhor a fazer seria, como diz Hanson na entrevista, experimentar. Antes que o leitor me acuse de querer fazer experimentos com seres humanos, adianto-me: quero sim (mas nada de tubos de ensaio ou eletrochoques!).
Ainda que nunca possamos prever todos os efeitos desencadeados por uma mudança institucional sobre os seres humanos, a história nos diz que vamos tentar, de um jeito ou de outro (e nem todos tentam da mesma forma ou ao mesmo tempo).
Assim como Al Roth (mais sobre ele ainda neste texto) busca construir mercados para resolver problemas como a alocação de alunos para escolas públicas ou a minimização do desperdício de órgãos para transplantes, Robin Hanson quer usar o mercado de apostas para agregar informação dispersa sobre políticas públicas.
Em suas palavras:
Would some other form of government more consistently listen to relevant experts? Even if we could identify the current experts, we could not just put them in charge. They might then do what is good for them rather than what is good for the rest of us, and soon after they came to power they would no longer be the relevant experts. Similar problems result from giving them an official advisory role.
"Futarchy" is an as yet untried form of government intended to address such problems. In futarchy, democracy would continue to say what we want, but betting markets would now say how to get it. That is, elected representatives would formally define and manage an after-the-fact measurement of national welfare, while market speculators would say which policies they expect to raise national welfare. The basic rule of government would be:
When a betting market clearly estimates that a proposed policy would increase expected national welfare, that proposal becomes law. [Fonte: Futarchy: Vote Values, But Bet Beliefs]
A ideia de futarquia não é tão nova. Hanson fala dela desde o início do século 21. É bastante provocadora como o é toda ideia envolvendo a criação de novas instituições. Você consegue imaginar, por exemplo, a reação das pessoas da época do Absolutismo à noção de que o voto poderia ser uma boa ideia para decisões coletivas? Não é muito diferente com a futarquia.
Finalizando, se a democracia é apenas o menos pior dos regimes (o que o torna aceitável a despeito de seus problemas), não seria má ideia discutir maneiras de se aperfeiçoá-la, certo?
Começo a pensar se não deveria criar uma seção fixa sobre governança radical nesta newsletter. Seria uma boa ideia? Estou aberto a sugestões.
Irracionalidade ou intertemporalidade? - Tyler Cowen sobre como um pouco de teoria econômica simples ajuda a explicar alguns comportamentos aparentemente irracionais das pessoas durante a pandemia.
Al Roth em palestra recente - Um dos agraciados com o Prêmio Nobel de Economia ministrou ótima palestra recentemente. Você a ouve no original, em inglês, ou em português.
Chile no caminho do caos? - O Chile conseguiu uma façanha negativa inédita.
O que seu gato diz? - Tem gente tentando estudar isto. Veja as várias vocalizações do seu gato aqui.
Terceira dose da vacina? - Matt Shapiro discute o tema, para o contexto dos EUA. Percebe-se que o anúncio feito pela administração Biden tem muito mais de político do que científico.
Vale frisar: é necessário rejeitar o discurso do “uso de evidências científicas” como versão contemporânea do “rei filósofo”. Trata-se de uma visão ingênua e perigosa de como a ciência funciona. Evidências são necessárias, mas não suficientes para explicar a adoção/extinção de políticas públicas e, sim, a ciência é perigosa demais para ser deixada apenas nas mãos dos…políticos.
Aliás, um estudo interessante que eu gostaria de ver: as evidências científicas coletadas por anos e anos de estudos de Public Choice geraram alguma efetiva melhoria no funcionamento dos governos? Ou apenas (se tanto!) reforçaram nosso entendimento acerca da sociedade rent-seeking? Aposto na segunda opção.
O fim do Doing Business - Uma história de como uma burocracia internacional estragou uma ótima ideia com um empurrãozinho do governo da China socialista. Sim, a mesma que está matando a democracia de Hong Kong a passos largos.
Pois é, amigo. Chegamos ao final de mais um número. Espero que tenha gostado. Ajudaria muito se você divulgasse. Caso queira assinar, já expliquei lá no início como é o funcionamento da coisa toda. Até o próximo número ou, a qualquer momento, em edição extraordinária.
Bons dias para você.