Pedra, papel, tesoura e...bomba invisível! Uma proposta modesta (mesmo). O palindromista que sonhava em subverter a língua portuguesa. Outros.
Cão que morde não ladra. ('Canis mordens non latrat', para os íntimos)
Chegamos ao sexagésimo número de 2022 (v(2), n(60)) desta cartinha. Para comemorar, cada assinante poderá_____________________________________ .
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Pedra, Papel e Tesoura - Novo encontro com meu simpático sobrinho no último final de semana. Já está com 6 anos, creio. Daí que ele me propôs o tradicional jogo japonês, jan-ken-pon (pronúncia: dyan, ken, pon) aqui conhecido como pedra, papel e tesoura. Claro que topei. Claro também que sabia que seriam uns 300 rounds, no mínimo.
Até aí, tudo bem. O que eu não esperava era que…
‘- Pedra, papel e tesoura!
- Aí vai! Ué, o que é isso?
- Privada, tio. Descarga. Sua pedra foi embora.
- Hum…pedra, papel e tesoura!
- Triturador invisível. Ganhei.
- Ok…bem, mais uma. Pedra, papel e tesoura!
- Espada. Shhhhhhhhhhuiiii. Cortei tudo.
…
…’
Claro que fui derrotado várias vezes pela criatividade do menino. Ah, eis aqui um pouco sobre o jogo que, pelo visto, surgiu na China. Tudo começou com jogos de três oponentes que, como tudo que chega ao Japão, logo foi adaptado.
The earliest Japanese sansukumi-ken game was known as mushi-ken (虫拳), which was imported directly from China. In mushi-ken the "frog" (represented by the thumb) triumphs over the "slug" (represented by the little finger), which, in turn prevails over the "snake" (represented by the index finger), which triumphs over the "frog". Although this game was imported from China the Japanese version differs in the animals represented. In adopting the game, the original Chinese characters for the poisonous centipede (蜈蜙) were apparently confused with the characters for the slug (蛞蝓). The most popular sansukumi-ken game in Japan was kitsune-ken (狐拳). In the game, a supernatural fox called a kitsune (狐) defeats the village head, the village head (庄屋) defeats the hunter, and the hunter (猟師) defeats the fox. Kitsune-ken, unlike mushi-ken or rock–paper–scissors, is played by making gestures with both hands. [Fonte: o verbete mencionado]
Noto, do texto acima, que não só a adaptação ocorreu, como o analfabetismo prevaleceu e alguns caracteres se embaralharam (isso acontece também com alguns nomes de peixes, segundo aprendi, há um tempo, numa novela japonesa divertida sobre a ‘língua japonesa que japoneses não conhecem’).
Mas o fato é que os japoneses gostaram do jogo de três rivais e, então, continua o trecho acima…
Today, the best-known sansukumi-ken is called jan-ken (じゃんけん),[11] which is a variation of the Chinese games introduced in the 17th century. Jan-ken uses the rock, paper, and scissors signs and is the game that the modern version of rock paper scissors derives from directly. Hand-games using gestures to represent the three conflicting elements of rock, paper, and scissors have been most common since the modern version of the game was created in the late 19th century, between the Edo and Meiji periods. [Fonte: o mesmíssimo verbete]
Pois é. Nenhum chinês ou japonês dos séculos passados imaginou que iria encontrar um oponente tão poderoso como meu sobrinho. Agora é tentar sobreviver às novas batalhas com ele. Vou ter que reler meu antigo exemplar do A Arte da Guerra, do Sun Tzu. Ou render-me? Não! Como diz o (sábio) título do clássico filme de arte (marcial), retroceder nunca, render-se jamais. Que venham as privadas, espadas e trituradores invisíveis (para ficar só nos mais simples de seu arsenal…).
Uma proposta modesta - Quase pedi uma pizza outro dia. Contudo, antes de chegar à mesma, na comanda, eu me deparei com uma situação jonathanswifteriana. Não entendeu? Veja a foto a seguir.
Caso você não conheça o clássico texto de Swift (o mesmo autor de As Viagens de Gulliver), então pode ter perdido a piada. Encontra-se traduzido para o português aqui. Swift era um católico e crítico do método científico (alguém já me deu esta interpretação, outras aqui) e, por isso, o tom ‘científico’ da sátira é um ponto alto do A modest proposal.
Voltando à comanda (individual, note bem!), impressiona-me, também, o espírito do vendedor. Afinal, neste estabelecimento, alguém pode pedir mais de 20 pizzas numa só refeição!! That’s the spirit!
Obesidade - Da primeira até a terceira edição, o pequeno Análise Econômica do Direito - uma introdução cresceu um pouco, notadamente na última (veja a foto abaixo).
Aparentemente, uma explicação é que, durante a pandemia, o livro ficou em trabalho remoto, usando intensamente os aplicativos de delivery de refeições e abusou um pouco dos sanduíches. Daí o ganho de massa observada na foto.
Alternativamente, pode ser que seja uma gordura boa. Afinal, na primeira edição eram 15 capítulos. Na segunda, 16. Agora, veja só, são 24! Sugiro ao leitor interessado em Law & Economics (aqui conhecido como Análise Econômica do Direito) que passe os olhos pelo livrinho. É um bom guia para quem se inicia no tema.
Economia Comportamental - Sempre disse aos amigos: meu problema é com os modismos. Pode ser que nudge seja algo relevante? Pode. Mas o pessoal correu, atropelou as críticas e as ressalvas e uma fábrica de livros e propostas (nada modestas, aliás) sobre os seus efeitos sacudiram a mente de milhares.
A pergunta sobre sua eficácia, contudo, continuou no ar.
Com o tempo, novos estudos e, agora…
Pois é. A coisa ficou interessante agora. Talvez os nudges possam ter algum impacto, mas, como tudo em ciência, é bom ir com mais calma.
Ceaucescu tiozão do pavê - O Kovács tem razão. Ceaucescu é um daqueles ditadores sanguinários que, de perto, parecem mesmo uns daqueles pacatos cidadãos que andam de cuecas na varanda de suas casas em alguma cidade do interior.
Já se falou muito do paradoxo dos nazistas que matavam gente em campos de concentração de dia e ouviam música clássica com a família à tarde. Entretanto, ditadores socialistas/comunistas são de outra categoria. São como a imagem de Ceaucescu para Kovács.
Eu diria que alguns são como aqueles sujeitos mal barbeados (a despeito do discurso igualitarista, o número de ditadores socialistas homens é absurdamente maior do que de ditadoras socialistas mulheres), de camiseta e bermuda, que têm um bazar na cidade pela qual você passa quando vai para o aniversário de sua avó em Juiz de Fora (ou Divinópolis). Não ouvem música clássica, mas jogam dominó na praça com aqueles que, eventualmente, fuzilarão um dia, em um velho paredão latino-americano nos arredores da cidade…
O palindromista revolucionário - Adolescente, foi seduzido pelo desejo de mudar a sociedade e subverter os padrões. Queria fazê-lo por meio da língua portuguesa. Escreveria os discursos mais inflamados. Lendo 1984 de Orwell, não fez como os colegas e, sim, queria, ele mesmo, criar a novilíngua. Seria o herói da revolução cultural.
Cheio de ímpetos revolucionários, nosso jovem exaltado sonhava em discursar como Mussolini ou como Fidel, diante de multidões, com toda encenação sedutora (para alguns) que, em sua imaginação, seria capaz de encantar multidões como se o discurso fosse a melodia de um flautista de Hamelin.
Para isto, pensou, a ordem das palavras em uma frase teria que ser revolucionária, alterada mesmo. Talvez até colocar o sujeito no fim (da frase, não da história, embora, neste caso…). O gênero masculino deveria se tornar feminino e vice-versa. Considerou até extinguir os gêneros. Iria ser uma nova língua, toda ela revolucionária e subversiva. Dinâmica? Não. Super dinâmica! A dialética operaria em velocidade superior à da luz!
Pensou em começar com o Esperanto, já que ninguém dava muita bola para a língua artificial. Contudo, achando-a muito sem graça, considerou umas línguas polinésias, o húngaro e uns dialetos suíços. Pensou um pouco, desanimou-se. Desistiu e resolveu que iria subverter mesmo apenas a língua portuguesa. Camões ia ver só! Aquele maldito conservador neoliberal caolho!
Com uma xícara de café descafeinado (e orgânico, não me perguntem como) em sua escrivaninha, abriu o caderno e, com sua caneta, pôs-se a rascunhar a idéia (com acento mesmo porque o autor, este, no caso, que sou eu, também é subversivo e não gostou nada deste novo acordo ortográfico) de seu plano grandioso e foi aí que o problema surgiu: ele só conseguia se expressar por palíndromos.
É, talvez este fosse o motivo de sua revolta toda. Sofria de uma peculiar síndrome que o fazia falar e escrever apenas por meio de palíndromos, embora pensasse como todos os da sua espécie (bem, “pensar” não é bem o termo, mas você me entendeu). E ele não sofria de aibofobia (não, não me refiro ao cão-robô da Sony).
A cada tentativa de ‘revolucionar’ a língua, ele fazia um palíndromo. Irritado, pois não queria se ater ao formato palindrômico, passou dias nesta auto-tortura até que, finalmente, desistiu e lascou um belo ‘socorram-me, subi no ônibus em Marrocos’, pegou um ônibus qualquer na rodoviária e nunca mais foi visto.
Anos depois, alguns antropólogos juraram ter encontrado palíndromos escritos em árvores nos limites de Piracicaba. De nosso angustiado palindromista, contudo, nem os ossos…
p.s. De certo modo, eu explorei este tema do autor que luta consigo mesmo, antes, naquela história do autor que desejava mudar seu estilo. Parece que tenho alguns temas recorrentes, pois. Seria uma luta minha contra mim mesmo? Em caso positivo, será que vencerei meu oponente? Em caso negativo, haverá tratamento médico que não envolva eletrochoques?
Anúncio - Quinta à noite, o pessoal do FiBoCa vai de noir. Eis o jabá deles.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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Salve, Shikida. Fiquei com muita vergonha de perguntar o que tem de jonathanswifteriana a situação da ilustração do cardápio; sobre "nudge", então, não tenho nada a declarar. Forte abraço do seu leitor,
Beto. ベ ト