Oliveira Vianna ressuscita e come um hot dog no calçadão
Imagine o Oliveira Vianna renascendo das cinzas e indo para a praia de Copacabana. Usaria ele uma sunga rosa?
Eis o v(1) n(27) desta newsletter. Como é sábado, resolvi relaxar um pouco e soltar minha imaginação. Pensamentos exóticos à cultura brasileira, como diriam os intelectuais dos anos 30, como o jazz (sim, eles deixavam em itálico), ocuparam minha mente e, bem, vamos ao tema principal de hoje.
Oliveira Vianna é (e era) vivo! - Deveriam fazer um filme com Alberto Torres ou Oliveira Vianna ressuscitando, hoje, no Brasil. Poderia começar com uma cena inspirada nos clássicos filmes de terror, sabe? Aquelas mãos sujas brotando da terra, mas aí o Oliveira (escolhi, dos autoritários, o mais adepto da importância das raças) surge vestido com aquela roupa de aristo-burocrata dos tempos do ditador Vargas.
Ao perceber-se revivido, logo é tomado pelo nojo. Compulsivamente tenta se livrar da terra que lhe impregna pele e roupas, ambas, milagrosamente intactas. Aliás, ele todo está em inteiro. Nem uma picada de verme. Sai do túmulo não como um zumbi, mas como se tivesse apenas tirado uma longa soneca. Afinal, convenhamos, ele é um imortal.
Vendo aquela sujeira toda, revolta-se e, mentalmente, xinga um palavrão (mas um palavrão educado, como convém a um membro da ABL) e segue caminhando, todo pimpão, até que, em algum momento, encontra o portão do cemitério.
Para a surpresa do leitor, o amarrotado e (lembre-se: imortal) Oliveira Vianna não estranha os exóticos aparelhos que pessoas carregam com a mão, colados ao rosto. Seguindo seu arguto instinto de pensador, percebe que usam-nos para se comunicar. Observador, busca não se mostrar muito surpreso com as diferenças que percebe entre o mundo de hoje e sua época.
Nada disto perturba o impávido intelectual das raças do Brasil passado (porque arcaica, meu amigo, é a lavoura). Caminha a passos firmes até uma banca de jornal. Admira a estrutura metálica da banca e se aproxima da vitrine. Cuidadosamente analisa as fotos coloridas das primeiras páginas dos jornais e as capas das revistas.
Em um jornal especializado de finanças, uma foto da diretoria de uma empresa qualquer estampa cinco ou seis sorridentes pessoas numa confortável sala de algum vigésimo andar de um prédio luxuoso da Paulista. Oliveira se aproxima mais, esfrega os olhos. Sorri. Recua lentamente. Olha para o céu e exclama, com alegria:
“- Loiros dolicocéfalos!”
Animado com a descoberta de que seu cérebro ainda funciona com a agilidade que tinha quando vivo, resolve seguir em sua exploração das manchetes do dia. Na capa de uma revista vê outra foto, a de um board de uma fintech, destas que dizem que vão mudar seu mindset (graças a Deus, não é daquelas que propõe gourmetizar o hot dog). A legenda fala de diversidade ou algo assim. Esboça um sorriso e, após uns segundos, sussurra:
“- Melting pot étnico!”
O sisudo intelectual autoritário dá uns discretos pulinhos, como uma criança, excitado com o momentum. Olha mais atentamente para a variedade de produtos da banca e pede um Almanacão da Turma da Mônica. Dá uma folheada. O conteúdo lhe interessa mas, como todo recém-ressuscitado, descobre que não tem como pagar. Cabisbaixo, como toda criança (ou imortal da ABL) ficaria em uma situação como esta, afasta-se lentamente da banca.
Nota que tem fome e, após observar a esquina ao lado da banca, decide pedir esmola no sinal. Com as moedas que juntou, percebe, pode comprar pouca coisa. Caminha mais um tempo, pensando no hipercapitalismo que lhe proporcionou algum dinheiro.
Sentindo-se cansado, entra no primeiro boteco que vê e escolhe um hot dog que devoraria, minutos depois, admirando a movimentação na praia de Copacabana já no final de tarde, sentado em um banco. Enquanto pensava nas instituições políticas brasileiras, algo lhe desvia a atenção: duas adolescentes de biquini caminhando distraidamente. Em voz baixa, fala para si mesmo:
“- Olha só as populações meridionais destas moças…”
Dias depois, Oliveira Vianna poderia ser visto com uma bicicleta e um imenso “guarda-tudo” verde (ou seria vermelho?) nas costas. É que passou a trabalhar para um destes aplicativos de entrega de refeições. Dizem que tentou convencer os patrões sobre os benefícios da centralização no delivery de marmitex, mas sem sucesso. Depois, pelo que me contaram1, ganhou alguns amigos entre os entregadores e clientes do boteco da esquina, falando sobre a importância de se pensar nas raças do Brasil. Sucesso para ele!
E agora, para algo não tão completamente diferente - Um pouco de literatura para você (um teaser do livro).
Se uma classe social gasta da mesma maneira que uma classe abaixo dela gastaria se tivesse dinheiro para isso, então não estamos falando de duas classes diferentes, mas de uma só. Se isso é verdade, então tudo que chamamos de classes sociais no Brasil, a baixa, a média e a alta, são uma só: pobres, com diferentes saldos no banco. (…) Há ainda uma segunda classe, a que vou chamar de Brâmanes e não de intelligentsia porque isso daria a impressão de que são todos inteligentes. (…) São jornalistas, diretores de cinema, professores, músicos, escritores, atores e demais infelizes dessa espécie. [Alexandre Soares Silva “A Humanidade é uma Gorda Dançando em um Banquinho”. Realejo, Santos, 2016, p.64]
Brâmanes…eu não teria definido melhor. Aliás, o Alexandre, descubro exatamente agora, criou a Regra dos Dois Degraus: Uma classe social se identifica sempre com a classe social que está dois degraus abaixo dela.
Ora, a Regra dos Dois Degraus (RDD) não deve ser confundida com a Regra dos Dois Desvios-Padrão (RDDp), do Leo Monasterio, difundida em seu livro de 2017. A regra do Leo: Nunca brigue se o adversário estiver a mais de dois desvios padrão de você em qualquer dimensão: conhecimento, ideologia, inteligência ou porte físico.
Eu suspeito que a RDD e a RDDp são como as constantes da Física e da Química ou da Matemática: são universais. Muito do desrespeito à RDDp, creio, vem da insidiosa mania das pessoas de adotarem uma certa postura populista derivada da RDD.
Deixo ao leitor a tarefa de desenvolver este tema. Encare como uma aula de redação da sua professora de Português do colégio. É, ela também ressuscitou e estou pouco criativo no momento.
Novidades didático-pedagógicas - Que iniciativa revolucionária, inesperado produto da pandemia, digo, do choque tecnológico representado pelo maior empenho em facilitar os encontros remotos! É, eu falo do Remote Student Exchange. Tal como vouchers ou homeschooling, não se sabe ao certo o impacto que este tipo de iniciativa terá mas, apesar dos pesares, duvido que algum entusiasta da educação se oponha ao programa.
Quer dizer, depende. Os sindicatos dos professores vai tentar criticar sem criticar e, do outro lado da mesa, os sindicatos dos donos de instituições de ensino superior (públicas ou privadas) dirá algo similar. O discurso de ambos será que é melhor ir com calma, amadurecer a ideia mesmo porque, sabe como é, o povo, ah, o povo, o povo precisa ser organizado, pelos civis, de forma que só uma sociedade civil organizada (por nós, não por eles, eles não) pode estar, eventualmente, pronta para uma iniciativa suspeita destas que, aliás, tá vindo do primeiro mundo, é bem capaz que seja para explorar a gente mas, é verdade, adoro passar férias em Lisboa…
Não duvido que um burocrata abençoe a necessidade de maior amadurecimento (uns cinquenta anos amadurecendo ou até quando durarem as aposentadorias) aprovada por este consenso…
Pachá, Queijo - Com o isolamento social vigente por conta da pandemia, imagino ser correto dizer, em média, que todos nós nos acostumamos com as entregas de produtos em casa. O setor deve ter crescido muito neste último um ano e meio. Conheci novos estabelecimentos - ainda que à distância - que pretendo visitar quando tudo isto ficar melhor.
De qualquer forma, havia muito tempo que eu não comia uma porção de queijo pachá e uma de linguiça com fritas. Não deu outra. No último sábado, foi meu jantar (é, as duas!). Sobrou? Sobrou. Foi para a geladeira? Foi. Matou a vontade? Olha…
Matto Grosso - …é o nome de um country do Brasil visitado por Hurricane, uma versão, por assim dizer, do Flash feito pela Marvel Comics2 , que aparecia na revista do Capitão América (no traço, então, irreconhecível de Jack Kirby)3 em tempos de Segunda Guerra. Spoiler? Claro.
O avião pousa no Rio de Janeiro e logo o herói e seus amigos estão na floresta amazônica, ali no Matto Grosso, lutando contra guerreiros Jivaro que ocupam uma antiga cidade maia e fazem crueldades com a população local (todos são nativos ou se parecem com figurantes do Brasil em algum filme de Mazzaropi).
Você também pode ler: compre na Comixology. Uma única dúvida sincera: não me lembro se Mato Grosso já foi grafado como Matto Grosso. Alguém sabe?
Curioso - O Brasil, no universo Marvel.
Curioso 2 - No início, Tony Stark - que também é o Homem de Ferro (spoiler?) tinha que recarregar sua armadura na tomada. Agora, relendo as primeiras histórias, noto que, no universo Marvel, o mundo inteiro (até mesmo o Vietnã) tinha um único tipo de tomada. Nunca ocorreu aos roteiristas da Marvel que Stark pudesse criar estes divertidos adaptadores de tomadas que a gente encontra no aeroporto, né?
Até a próxima, lá pela quarta-feira…ou a qualquer momento, em edição extraordinária.
Não posso revelar minhas fontes.
Na época, ainda com outro nome.
A história está em Captain America n.2, de 1941.