O suicida e os kanjis. Pouca gente sabe... Stanislaw Ponte Preta. Outros temas.
Le pessoal dont wont mais méééé´...Le pessoal quer muuuu!!!
O v(2), n(82) chega até você com um subtítulo que é, na verdade, uma frase de uma crônica de Stanislaw Ponte Preta, L’incroyable Monsieur Colellê, que está em uma coletânea mencionada logo mais. Have fun!
Com o feriado de amanhã (de cuja existência fui descobrir anteontem…), adiantei o envio em um dia. Espero que não se incomodem.
O suicida e os kanjis - A vida chegara ao fim para Estanislau. Não via mais sentido em nada. Resolveu que iria se matar pulando de um precipício. Como bom suicida, não contou a ninguém e nem deu a entender que desprezava tudo o que um dia achou interessante (ou mesmo que amou).
Passou todo um final de semana escrevendo uma carta explicando seus motivos para sua única parente viva, a prima Olga que morava em São Luís e com a qual conversava uma vez a cada cinco anos (ou em qualquer momento, em edição extraordinária). Foram mais próximos na infância, quando Olga morava em Santos. Deixou a carta pronta, em cima da mesa. Sairia depois para comprar envelope e selo.
Estanislau estava em seus quarenta e poucos anos. O fim de tudo chegou-lhe meio que por acaso. Acordou um dia e não via mais sentido na vida. Desde então trabalhava quase que em modo automático e diminuiu suas interações com os colegas do escritório (limitando-se apenas aos cumprimentos pois sua mãe lhe havia ensinado muito bem os princípios básicos da cortesia).
No meio da semana, no horário do almoço, deu uma escapadela para checar se o precipício era mesmo um bom lugar para colocar fim em sua vida. Há suicidas que se apaixonam por paisagens. Não era o caso de Estanislau. Para ele bastava que o precipício fosse íngreme e perigoso o suficiente para que pudesse se jogar sem medo de sobreviver. Satisfeito com o que viu, voltou para o almoço e até ensaiou uma pequena conversa sobre futebol com os colegas.
Quando a noite caiu, Estanislau começou a fraquejar em sua intenção. Algumas boas lembranças invadiram sua mente e seu coração amoleceu um pouco. Estanislau se incomodava, contudo, com o que diziam dele: que não terminava o que começava. Pensou, então, em provar que não era bem assim.
Por outro lado, caso fosse verdade que ele fosse ruim de planejamento, o suicídio ser-lhe-ia (toma, Polzonoff!1) um estorvo. A idéia lhe deixou nervoso. Foi até a estante e pegou um livro de ideogramas japoneses (os famosos kanji). Fazia tempo que havia interrompido os estudos (e a lembrança deste fato, por óbvio, não o acalmou). Era a chance de provar que terminaria o que começara.
O velho calhamaço ainda tinha um clipe - agora enferrujado - na última página que havia estudado. Com muito cuidado, Estanislau tirou o clipe. Sentiu um certo carinho pelo livro que comprara há anos. Lembrou-se do entusiasmo ao estudar seus primeiros ideogramas. Fazia tanto tempo! Amava a vida e o viver naqueles bons dias da juventude.
Estanislau resolveu voltar a estudar os ideogramas de onde havia parado. Sentou-se e começou. Determinado, avançou dez páginas. Dormiu satisfeito. Nos dias seguintes passou a dedicar todo seu tempo livre para o estudo. Queria encerrar ao menos este projeto antes de cumprir o do suicídio.
A obsessão deu certo, se é que você concorda comigo. Estanislau viveria mais uns três anos (não são poucos os tais kanjis, leitor) quando, então, jogou-se do precipício abraçado ao livro e feliz, mais feliz do que se tivesse saltado para a morte conforme seu cronograma original.
Às vezes é uma questão de se morrer menos frustrado.
Pouca gente sabe… - …mas eu falo a língua dos felinos. Outro dia mesmo eu passei um tempo com o - usarei um nome hipotético para não identificar o bichano, respeitando a LGPD (Lei Geral de Perd..digo Proteção de Dados) - Frutovico.
Pois não é que o Frutovico e a Brida (gata, cujo nome também alterei de maneira inteligentíssima. Aplausos. Obrigado, obrigado!) estavam se divertindo com a famosa luz do laser (possuo certificação no manejo do dito cujo, juro!) quando, em algum momento, a bateria do divertido apetrecho foi para o IML para não mais retornar.
Frutovico e Brida - ela mais do que ele - olharam-me com ar de reprovação.
“- Miau! Miau!!!! Miaaaaau. Miaaaau?! Miau!!, bradaram os dois.
E eu:
- Tá gente, calma. Tenho uma sugestão. E se a gente fizesse uma festa? Eu compro a cerveja e pedimos pizza. How about that, guys?
- Meow! Meeeeow! Meowwwwwwwww!, respondeu Frutovico, ostentando seu inglês.
- Tá, a gente divide a conta sim. Depois vocês me fazem um pix.
- Miau?, os dois perguntaram, mas não os respondi. Nem sempre eles entendem as piadas que conto…”
Posto que foi unanimidade, deixei-os por alguns instantes e saí para comprar cervejas e pedi umas tantas pizzas (quatro queijos, pepperoni, tudo aquilo que engorda). Voltei carregado. Ao abrir a porta, quase caí. Por sorte, mantive meu equilíbrio no último minuto e não destruí nossa festa antes mesmo de seu início.
Entrei eu e a turma do Manda-Chuva. Estavam todos lá - Manda-Chuva, Batatinha, Xuxu, Espeto, Gênio e Bacana - no beco, perto do mercado e, claro, eu não podia não convidá-los. Frutovico e Brida ficaram felicíssimos. Abri as cervejas, tomei um gole e enchi os potes - outrora usados com água - com a maravilhosa invenção que vem lá dos temp(l)os de Gilgamesh.
Frutovico me pediu para colocar uma playlist de rock. Brida queria um sertanejo (raiz, não universitário), mas foi voto vencido. Reclamou um pouco de ser minoria, mas resolveu curtir a festa. A turma do Manda-Chuva, Frutovico e Brida: o que poderia dar errado?
A bem da verdade, tudo e nada. Depende do gosto do leitor. Só sei que acordei horas depois, já com a luz do sol filtrada pela janela machucando meus olhos. Com alguma dificuldade, levantei-me. Ao meu lado, Frutovico dormia abraçado a uma garrafa de cerveja. Brida estava desmaiada no sofá, com uma gravata (de onde havia tirado a gravata?) amarrada na testa. A turma do Manda-Chuva tinha ido embora, mas, por sorte, não esqueceram de fechar a porta do apartamento.
Frutovico custou a acordar. Aproximei-me de Brida para ver se estava tudo bem e fui recebido com uma carinhosa lambida no nariz. Fui ao banheiro e me assustei com o que vi no espelho (costuma ser assim quando não corto o cabelo ou quando dou festas de arromba). Quase gritei, mas me contive. Passei água no rosto e escovei os dentes na esperança de que a higiene bucal me ajudasse em algo. É que a ressaca estava forte.
Ao sair do banheiro, outro susto. Lá estava Frutovico sentado, olhando para mim e fazendo aqueles barulhos que se parecem com arrotos (no caso, acho que eram mesmo arrotos).
“- Miauuu. Miau?
- Não, não tenho sal de frutas aqui.
- Miau. Miaaau.
- Certo, certo. Já vejo isso. Dá uma olhada aí na sala e vê se tem algum vômito.
- Miau…
- Nem vem. Não é tudo você. Já discutimos isso, Frutovico.
- Miauu.
- É, ‘arf’ para você também. Vai lá que já vou ver sua água.”
Brida se espreguiçou no sofá e Ludovico conferiu - para a alegria dele e a minha - que não havia vômitos espalhados pela casa. Aquela manhã de sábado passaria lentamente para nós três. Pensando nisto, não resisti: deitei-me no chão ao lado de Frutovico, que já estava de barriga para cima e, olhando sua expressão de bêbado feliz, novamente adormeci.
Acordaria horas depois com o rosto sujo de vômito, mas feliz.
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Stanislaw Ponte Preta - É coisa nossa! Por sugestão (em verdade, um debate) em um qualificado (a despeito de mim) grupo do zapzap, e dado o preço favorável, adquiri o livro mencionado a seguir. Não me arrependi.
![Twitter avatar for @cdshikida](https://substackcdn.com/image/twitter_name/w_96/cdshikida.jpg)
Curioso é que, quando reli o Febeapá, há alguns anos, não o achei tão engraçado quanto em minhas lembranças da juventude. Mas este Rosamundo e os Outros é uma sucessão de risadas…
Exato - Nem tudo é política. Lygia mostra a sensibilidade do tema.
![Twitter avatar for @lygia_maria](https://substackcdn.com/image/twitter_name/w_96/lygia_maria.jpg)
Imagine você tentar transformar toda sua vida em política. Pense no microgerenciamento de seu chefe obcecado que reclama até de seu tempo no banheiro. Transponha o método para sua vida, tentando dar um significado político para tudo. Seu ato de ir ao banheiro será político. A batata frita deixada no prato, também. Seu abraço em sua avó, idem.
O resultado não será, creio, aquele pelo qual tanto se lutou. Não, nem tudo na vida é política. Acredite em mim.
O Fascismo está no ar - Ótima esta fabulazinha fascista do Orlando.
![Twitter avatar for @neotosetto](https://substackcdn.com/image/twitter_name/w_96/neotosetto.jpg)
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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