O futuro dos liberais e dos conservadores brasileiros. Outros despachos.
O amor não vence se não unir. Não uniu, então não é amor. Cuidado com o que compra...
Eis o v(3), n(1) desta newsletter. Começarei este número com uma reflexão bem pessoal - e incomum, por aqui - sobre o futuro dos liberais e conservadores brasileiros.
Ah sim, em um ato de inauguração deste novo volume, demiti todos os meus diretores e presidentes para mostrar que sou bom em ‘botar ordem na casa’. Amanhã eu recontrato todos (senão esta newsletter não anda).
O futuro dos liberais e dos conservadores brasileiros (reflexões algo esparsas) - Quer chamar de direita ou de centro-direita? Fique à vontade. Chame do que quiser, desde que entenda a delimitação adotada.
Bem, eu tenho reservas quando alguém, notoriamente, esquerdista, vem tentar fazer um diagnóstico do que está errado ou certo com a direita (e vice-versa). Porque, bem ou mal, há sempre o viés ideológico em sua análise o que, no caso, torna tudo desconfortável. Mesmo que o viés seja mínimo, ainda assim, temos que acreditar na sinceridade do interlocutor o que não é de praxe nos debates (gostaria que não fosse assim, mas…). Eu sei que nem toda opinião sobre X vinda de não-X deve ser jogada fora, junto com o bebê.
Ainda assim, preferi, eu mesmo (rotulado de liberal por alguns e como conservador, por outros) oferecer meus dois centavos sobre o futuro da centro-direita brasileira. Não é um texto tão completo como eu gostaria, mas eu o planejei para não ficar tão grande. Talvez ganhe continuação. A conferir. De todo modo, eu o dividi, algo arbitrariamente, em três partes.
I.
A tribo liberal que chega ao início de 2023 ainda me parece um movimento estudantil ingênuo. Ok, menos que no passado, mas ainda assim, é a tendência predominante. Continuo vendo brigas de sinalização (‘eu é que sou liberal, você não’), muitos memes e uma discussão muito rasa. Digo, rasa em relação ao objetivo de se construir uma agenda de propostas práticas para o desenvolvimento econômico do país (e, sim, ‘econômico’ inclui o ‘social’, chame-o de ‘desenvolvimento’ apenas, se quiser).
Não adianta fazer proposições genéricas sobre o desenvolvimento. Isto é panfletagem (nada contra, mas não pode ser só isto, né?). É preciso mais. É preciso uma abordagem, no mínimo, científica. Afinal, o ‘desenvolvimento’ é um tema tratado, senão exclusivamente, de forma bem consolidada, pela Ciência Econômica.
Ciência…
Há uma contradição entre liberais que, ora dizem serem a favor ‘da ciência’, ora dizem que não se pode ser ‘liberal na economia e conservador nos costumes’. Por que considero isto uma contradição? Porque se você acredita na ciência, é possível, usando a ciência como critério, ser ambas as coisas se os indícios (tradução de evidence, aprendi com Pedro Sette-Câmara) assim o permitirem. Gasta-se muita energia com uma discussão que só discrimina pessoas porque ‘não são liberais por inteiro’. Aliás, será que a ciência - cujos consensos são frágeis - dão suporte a este posicionamento?
A verdade é que a boa ciência é feita de ceticismo e humildade. Eu sei que nem todo cientista é cético (e muito menos, humilde, como frequentemente vejo…). Ceticismo é um valor que considero fortemente correlacionado tanto com pesquisadores em geral, quanto por liberais (os hayekianos, então…) e conservadores (sempre céticos com mudanças muito disruptivas…).
Na minha visão cética - e talvez pessimista? - liberais e conservadores têm gasto muita energia em brigas de sinalização e deixaram de lado questões práticas, bem importantes para o ‘povo’ pelo qual dizem lutar.
Acha que não? Pergunte-lhes sobre como se implementa uma política pública. Ou como se a avalia. Quais os incentivos que guiam a formulação, a implementação e a avaliação das políticas? Como blindar, na prática (ou seja, legalmente), boas políticas sem apelar para o autoritarismo? Duvido que achará mais de uma meia dúzia capaz de lhe dar respostas sólidas (respostas sólidas, não retórica vazia e verborrágica) para estas perguntas.
Estas são as questões que mais importam aos que desejam saber que resultados práticos uma política liberal (ou conservadora) pode ter em suas vidas. Com certeza causa menos gritos e vaias do que uma discussão sobre ‘globalismo’ e ‘globalização’, mas me parece muito mais útil para o progresso e para o amadurecimento da centro-direita como opção política da sociedade.
Anos e anos apenas de memes e de leituras de capítulos de livros de divulgação não ajudam muito neste aspecto e talvez até expliquem a persistência de algumas idéias estapafúrdias que vi surgir nos últimos tempos. Alguns liberais e alguns conservadores transformaram-se em caricatura de si mesmos seguindo estas maluquices. Nunca é tarde para uma reabilitação (se eu consigo, você também consegue).
Estudamos, em Public Choice (Escolha Pública), que burocratas, políticos ou juízes respondem a incentivos. Vale lembrar que o princípio é mais geral. Todos nós, seres humanos (e não-humanos também!) respondemos a incentivos. Sim, liberais e conservadores não escapam à esta regra.
Nos últimos anos, alguns passaram a buscar aplausos em rede sociais. O algoritmo da plataforma incentiva a busca dos ‘joinhas’, dos aplausos. O problema é que, para alguns, os aplausos viraram um objetivo em si. Caíram (voluntariamente ou não) na armadilha da sinalização (lacração para ser amado por uma tribo).
Outros, após se venderem como ‘intelectuais’ da centro-direita, ganharam espaços (remunerados ou não) em veículos de comunicação e passaram a almejar rendas futuras (a popularidade tem potencial de gerar ganhos futuros, não é?), jogando, no lixo, seu ideal original e passaram a buscar o (pseudo-)amor de todos. Como se diz por aí: só querem ‘lacrar’.
O fato é que, de tanto se dedicarem à lacração, tornaram-se superficiais, opacos e suas credenciais entre os pares não têm mais tanto valor. Sempre há tempo de mudar, claro. Também não há nada de errado em se dizer um ex-liberal. Não deixa de ser uma boa ‘lacrada’ ser honesto (fica aí a dica).
Ah sim, alguns liberais e alguns conservadores se arriscaram na política. E há os casos dos ‘convertidos’: alguns políticos, subitamente, passaram a se dizer liberais (ou conservadores). Não há muito o que comentar. Lembre-se das lições da Escolha Pública e você entenderá boa parte das motivações destes (e de outros) políticos. De todo modo, é parte do pluralismo democrático que haja uma centro-direita na política e não vou desenvolver este ponto neste espaço. Não cabe em um texto pequeno.
II.
O front acadêmico é o que menos frutificou, seja entre liberais ou entre conservadores. Há muita conversa sobre barreiras à entrada de quem não seja esquerdista em universidades. Não é que não existam. Contudo, os que almejam uma carreira acadêmica não precisam se prender a um emprego público: faculdades privadas (e os cursos online) existem. A geração de conhecimento e o ensino são perfeitamente compatíveis com um acadêmico de perfil liberal-conservador.
Aliás, no que diz respeito ao bom professor (independentemente de sua ideologia), basta seguir as regras básicas do manual: ensine, não doutrine. Dê liberdade aos alunos de pensarem diferentemente de você e, principalmente para liberais e conservadores, mostre-lhes o valor da liberdade de expressão.
A propósito, Diogo Costa tem um bom texto, antigo, que fala sobre como lidar com seu professor esquerdista. Você o lê e percebe que, na verdade, Diogo dá uma lição de como melhorar suas habilidades enquanto estudante, independentemente de sua ideologia. Procure por aí que é fácil de encontrá-lo. Serve como um guia de boas práticas, inclusive.
Ah, e os ‘conselhos acadêmicos’ compostos por liberais? Até existem alguns. Só não vejo o que fazem, exceto emprestarem seus nomes para os grupos que os criam. Por exemplo, em um movimento liberal que privilegia a captação de políticos (nada de errado, é um objetivo legítimo), qual o sentido de se ter um ‘conselho acadêmico’? É como abrir uma padaria e ter diretores que só entendem de açougue.
A solução? Que tal um investimento maior no front acadêmico? Melhor do que extinguir o conselho. Um conselho acadêmico pode ser utilizado de forma mais eficiente ajudando na construção de propostas menos superficiais ou panfletárias para problemas específicos. Não seria ótimo?
Os conservadores, neste quesito acadêmico, foram mais proativos nos últimos anos. Criaram uma miríade de cursos online e presenciais. Desprezam, alguns deles, de forma um tanto apressada, a academia. Em parte, porque sinalizam para suas tribos que são outsiders (um termo que sempre exerce um fascínio sobre as pessoas); em parte porque realmente desprezam a academia, não acreditando que o custo-benefício de tentar ganhar espaços nas universidades lhes seja favorável.
Confesso: o futuro dos liberais e conservadores como vozes ativas no meio acadêmico é-me nebuloso. Não vejo muitos batalhadores, nem muitas vitórias neste front.
III.
Liberais e conservadores - os que vemos hoje, pois não faço aqui uma retrospectiva histórica - valorizam a tolerância. Sim, há exceções. E daí? Onde não há exceção? O importante é que a tolerância é um valor central para a grande maioria do que eu chamaria de centro-direita. Há como dialogar. Quem gosta de ‘cancelar’ pessoas são os neomaoístas. Não cancele, leitor. No máximo, ignore.
A construção de alternativas para o país - na forma de projetos de leis, projetos sociais, pesquisas, etc. - é factível se quisermos alocar nosso tempo preferencialmente neste objetivo. Chega de mensagens superficiais (‘menos Marx, mais Mises’, ‘Olavo tinha razão’), ainda que elas tenham seu valor como peças de propaganda. Precisamos diversificar o portfólio de produtos e isto não se faz sem um bom diagnóstico do que existe.
Neste quesito, o movimento liberal, por exemplo, não logrou sucesso sequer em acompanhar todas as políticas de corte liberal implementadas nos últimos anos. É preciso ter um monitoramento mais sistemático e abrangente, um mapeamento. Como é que se pretende ser uma alternativa política se não se tem um mapeamento do que existe?
Imagino que se possa dizer que o problema é que ‘não haja gente suficiente para este acompanhamento’. Pode ser mesmo, mas isto também é uma evidência de que as alocações de recursos podem não ser compatíveis com este objetivo. Temos muitos encontros, muitas conversas, mas temos muito conteúdo? Está-se, de fato, construindo um ‘repositório’ de conhecimento que possa, efetivamente, servir para um, sei lá, shadow cabinet? Aliás, um gabinete destes seria uma bela contribuição ao diálogo (desde que não seja só figurativo).
‘Lideranças’ também é um tópico que me preocupa. Há renovação de lideranças? Creio que sim. Há, por exemplo, muita gente nova nos encontros liberais. Quantos deles se convertem em lideranças efetivas? Imagino que uns poucos. Já há massa crítica para não depender de outros movimentos de formação de lideranças (nem sempre de corte liberal)? Não sei. Seria este um projeto viável? Depende, novamente, de se queremos investir tempo e recursos nisto.
Um outro ponto importante é evitar o perigo do culto à personalidade. Precisamos de líderes carismáticos, mas não de líderes cultuados. A vaidade (e/ou o autoritarismo) de alguns líderes, somada a cidadãos que adoram cultuar indivíduos nunca resultou e nunca resultará em um caminho sólido para o avanço das boas idéias.
Mudanças institucionais precisam de pessoas que não só desejem, mas que, em aspectos práticos, ajudem a promover estas mesmas mudanças. Em uma sociedade tão rent-seeking como a brasileira, importante seria ter um número maior de profissionais do Direito com uma visão mais crítica acerca da atuação do Estado.
Não é segredo para ninguém (não é?) que o capitalismo de compadrio e o rent-seeking andam juntos. Contudo, há uma insistente miopia no diagnóstico destes problemas entre os colegas do Direito. Talvez corrigir os desvios desta miopia seja um trabalho importante nestes próximos anos. Urgente, aliás.
Finalizando, chegamos a 2023 sem uma liderança de centro-direita que se destaque. Sem uma agenda concreta de políticas públicas para o futuro. Sim, há algumas idéias/casos, mas estão espalhados por aí. Um bom empreendedor político organizaria este material e traria pessoas capacitadas e comprometidas com a construção desta agenda. A sociedade só teria a ganhar. Mais opções são sempre melhores do que menos.
O leitor mais antigo sabe do meu pessimismo (meu ceticismo e meu pessimismo são muito correlacionados). Sou sempre pessimista no curto prazo, mas otimista no longo prazo. Por que? Porque, assim como Julian Simon, acredito no último recurso: a mente humana. Estes foram meus dois centavos de contribuição a esta grande conversa.
O Ano Novo - Chegou o tal 2023 e, até agora, nada de notícias boas. Onde preenche o formulário de reclamação, moça?
O Ano Novo 2 - Diogo Costa deixou a presidência da Enap no início do novo ano. Deixou um legado que não se resume a 23 realizações (como este texto informa). Mais do que isto, ele deixará uma lembrança (que, dependendo do servidor, durará mais ou menos) de que é possível gerir uma instituição pública alinhando interesses distintos em torno de objetivos comuns.
O Ano Novo 3 - Agora que mudanças são feitas na administração federal, estou curioso para saber se a Piauí, daqui há algum tempo, dará continuidade à matéria que publicou, em 2020, sobre os cargos de confiança na administração Bolsonaro. Os dados, obtidos por Lei de Acesso à Informação, mostraram que o Centrão e o PT dominaram os cargos.
Piauí, faça-nos um favor: publique um novo estudo destes, no segundo ano da nova gestão. É uma informação útil aos (e)leitores.
De Ciclos e Ciclopes - Os ciclopes forjavam raios, não há dúvida quanto a isto. Dentro do enorme vulcão, organizados em equipes, forjavam seus raios conforme as especificações fornecidas por Zeus e seus diretores.
Às vezes Zeus trocava os diretores. Eram ciclos da gestão. Em alguns destes ciclos, o trabalho dos ciclopes não era muito afetada: apenas mudavam os formulários e o estilo dos memorandos (e a logomarca).
Não era fácil a vida de um ciclope. Tinha que forjar raios, fazer 4 avaliações trimestrais de desempenho de seus subordinados, 2 autoavaliações anuais (cada uma em uma plataforma distinta) e ainda participar de oficinas. Aliás, o uso do termo ‘oficina’ para aquelas reuniões lúdicas deixava alguns ciclopes muito ofendidos (com razão, eu diria).
Não à toa, os ciclopes tinham sérios problemas de saúde mental. Pobres ciclopes!
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
Me permita discordar "cientificamente" da sua advertência sobre o liberal na economia e conservador nos costumes. Do pouco que entendo da doutrina liberal, me parece que sua coluna cervical se dá sobre o conceito de liberdade individual - e de certa forma, todo o resto é um desdobramento prático dessa defesa.
Portanto a liberdade econômica é apenas um desdobramento do seu campo na própria liberdade individual e, sendo assim, tomar essa conclusão como um princípio - e portanto permitir separar as liberdades que se concordam - é inverter a ordem dos fatores (e aqui altera sim o resultado!).
Assim, liberal na economia e conservador nos costumes é mais um conservador mesmo, a diferença é que tem uma política econômica que, apesar da semelhança, se dá sobre outros fundamentos, o que do ponto de vista prática, das escolhas políticas em determinados contextos, podem sim divergir.
Por isso pra mim, que me considero um liberal, essa afirmação não faz nenhum sentido se você admite o rótulo de liberal - e se a defesa insistir que é conservador na vida pessoal, não no estado, então minha resposta seria um simpático "foda-se", porque da vida pessoal alheia não me interessa tanto. Mas sabemos que, na prática, muitas vezes esses mensageiros da liberdade econômica e conservadorismo dos costumes tem mais afinidade com um irã de livre mercado do que com uma dinamarca apenas com igrejas lotadas.