Ninjas e Governança Radical - Doutor Palhinha e o Ouro de Moscou - Juó Bananére vacinado - Outros.
Olha 2022 chegando...
Eis o v(1), n(70) da nossa newsletter. Fechamos o ano com 70 textos (e mais alguns extras)! Encerramos o v(1), relativo a 2021. Que alívio!
Governança Radical e Ninjas - Como os ninjas teriam transformado as instituições de governança do Japão feudal. Um insight importante no trecho a seguir (clique nele para ser transportado ao artigo original, na página do ótimo Constitutional Political Economy).
Gostou? O tema das instituições, tal como nos ensinou Douglass North tem sido explorado em diversos artigos e livros ao longo dos anos. O leigo só tomou contato mesmo (a despeito de outros livros) com o sucesso que Acemoglu e coautores fizeram com seu Why Nations Fail. Este interessante artigo de Maltsev sobre o Japão mostra como é rica esta literatura.
Aliás, eis um outro exemplo. Dizem por aí que um dos papéis do governo é reduzir a assimetria informacional. Isto, do ponto de vista normativo da Economia. A pergunta científica é: o governo faz isso? E, antes que alguém diga algo, eis como a realidade pode ser muito mais complicada. Com vocês, o resumo deste outro artigo de Curtis Bram.
Em resumo: se políticos dizem acreditar em algo meio estranho (como OVNIs), isto pode ter um impacto na visão dos eleitores que podem, inclusive, mudar de atitude e acreditar em OVNIs também. Diminuiu a assimetria informacional? Não.
Isto me lembra, aliás, aquele tema que me agrada muito: a irracionalidade racional, já tratada por aqui antes.
p.s. Ah sim, ambos os artigos estão disponíveis para download sem pagamento, mas não sei até quando.
Doutor Palhinha e o ouro de Moscou - As festas do final de ano não são como antes. O mundo vive sob o signo da pandemia. Embora o pior pareça já ter passado, há quem veja um futuro sombrio para a humanidade.
Dentre eles não está o impetuoso doutor Palhinha, por óbvio! Não, meu senhor! E não, minha senhora! Não mesmo! Pois o dever da investigação é sagrado para nosso originalíssimo personagem (quem não o conhece pode consultar esta thread). Nem a pandemia o impede de trabalhar!
Nossa história tem início em uma manhã de sábado na pacata Taubaté, cidade do interior paulista e lar do Dr. Palhinha (doravante, conforme desejo do ilustre investigador, usaremos, indiferentemente, como sinônimos, os termos ‘doutor Palhinha’ e ‘Dr. Palhinha’).
Dr. Palhinha acordou com um pernilongo cutucando-o na testa. Praguejando muito, levantou-se da rede que ficava no quintal de sua casinha (ou quartel-general, conforme sua imaginação ou nível de álcool no sangue). Não tomara banho na noite anterior, o que lhe dava um odor estranho, misto de pamonha com Conhaque de Alcatrão São João da Barra.
Cheirou o sovaco direito, olhou para o teto da varanda, pensou em algo. Depois cheirou o sovaco esquerdo e sentiu que realmente seria uma boa ideia tomar um banho. Tomada a decisão, doutor Palhinha dirigiu-se de cueca e sobretudo para o banheiro. Como todo homem, seu banho não demoraria mais de 15 minutos, embora, no caso específico, talvez uns 10 minutos adicionais não fossem má idéia.
Saindo do chuveiro, aplicou-se o desodorante vencido que mais parecia um vidro de álcool-gel (e talvez o fosse), escovou os dentes e penteou (penteou? Aquilo era um descuido só!) os cabelos. A barba? Ah, a barba…a barba que ficasse ali.
Passando pela cozinha, viu as latas de cerveja de três dias atrás que formavam uma pirâmide na mesa, ao lado dos restos de torrada e torresmo. É que doutor Palhinha curte acompanhar os jogos da série D do Brasileirão sempre que pode. É um dos seus passatempos.
Em voz alta, disse:
- Êita, deixei essa mesa aí prá Cileide arrumar. Cadê esta diarista? A mulher não é de atrasar…
Foi interrompido pelo barulho da campainha. Pééééééééééé. Péééééééeéééé.
Coberto apenas com uma toalha de motivos havaianos, e seminu, abriu a porta.
- Bom dia, Dr. Palhinha!
- Bom dia, Teotônio. O que faz aqui?
- Doutor Palhinha, é que aconteceu um crime e…
- …já sei. Peraí que vou me trocar. Senta aí na sala. Deve ter uma cerveja na geladeira.
- Obrigado, doutor, mas vou esperar aqui fora.
E tendo dito isto, o subdelegado da 16a DP de Taubaté se sentou na mureta da varanda. Por algum motivo desconhecido, começou a assobiar My Way, de Frank Sinatra…
…e nem passou da primeira estrofe porque o Dr. Palhinha apareceu, com sua calça social suja, calçando chinelos. Sob o sobretudo, a camisa descuidadamente abotoada completava o desleixado uniforme de nosso herói.
Teotônio e ele entraram no carro e o policial que servia de motorista os levou até a casa do famoso comerciante local, o Sr. Adalberto Zhukov, filho de um imigrante russo que havia se mudado para a cidade no final da Guerra (sim, aqueeeela guerra…).
Eu disse casa? Casa não. Mansão. Ocupava o equivalente a três quarteirões, com altos muros brancos que terminavam - é Brasil, meu povo - com arames farpados eletrificados. A mansão? Imensa. Três andares, dividida em ala norte, ala sul e com um jardim de inverno.
Abertos os portões, o carro deu a volta e estacionou em frente à majestosa mansão. Desceram Teotônio e doutor Palhinha. O policial que dirigia o automóvel foi procurar uma vaga para estacionar.
- Veja, Dr. Palhinha, eis o caso. O senhor Zhukov tinha em casa um Ovo de Fabergé em seu cofre. Esta noite, ele foi arrombado e o Ovo sumiu.
- Ovo? Cozido ou Frito?
- Não, doutor. É um enfeite. Uma jóia, na verdade. Este, por exemplo, era de ouro maciço, com detalhes em…ah, tome, olhe a foto.
- Nossa! O troço é bonito mesmo, Teotônio. Cê tá doido! Vamô lá no local do crime.
Teotônio e Dr. Palhinha foram recebidos pelo mordomo inglês, John Goldberg, que os conduziu até a imensa sala de estar da mansão na qual estavam o sr. Adalberto Zhukov, a esposa, a austríaca Theresa von Martius Zhukov, os filhos gêmeos, Tom e Jerry e, claro, a governanta, a austera alemã Gretta Dietrich. Todos sentados olhando para a parede, onde estava o cofre-forte arrombado.
Doutor Palhinha cumprimentou a todos e fez uma rápida inspeção na sala. O cofre ficava atrás de um dos quadros bregas de palhaços chorando que o patriarca da família insistia em colecionar, para a tristeza da família. A imensa sala branca tinha aproximadamente uns quinze destes quadros.
O que ocultava o cofre tinha um palhaço que lembrava uma combinação do famoso Carequinha com o Bozo. O nariz de palhaço tinha um tom curiosamente esverdeado. Estava no chão e via-se que havia sido cuidadosamente retirado da parede, já que não tinha marcas ou danos visíveis.
No chão, a porta do cofre, danificada pela explosão, não apresentava marcas de digitais. Doutor Palhinha notou o mesmo com relação ao cofre que, além do ovo, tinha apenas uns papéis e umas revistas (dentre elas, a Mad número 1 em português e a Turma da Mônica número 100). Não havia um único sinal de sujeira no chão.
Ao leitor mais novo: Doutor Palhinha resolve casos usando estereótipos e preconceitos, como bem o sabe aqueles que leram seus casos iniciais em O Homem Que Lia Os Seus Próprios Pensamentos, do Alexandre Soares Silva. Dito isto, o Dr. Palhinha voltou-se para a família todos e iniciou seu inquérito.
- Parece que usaram explosivo aqui. Ninguém ouviu nada?
- É que estávamos todos no jardim, em um sarau de poesia com os convidados, doutor Palhinha.
Assim disse madame Zhukov, com ar um tanto quanto melancólico (ela gostava muito do ovo). E emendou:
- Assim que ouvimos o barulho, corremos para a ala norte da mansão.
E desandou a chorar. Consolaram-na os filhos, Tom e Jerry. A governanta permanecia séria, com impassível ar de governanta alemã (não são sinônimos?) e o senhor Zhukov não parava de esfregar as mãos, visivelmente irritado. O mordomo John Goldberg permanecia de pé, ao lado do patrão, como um cão de guarda destes fiéis que se vê em quadros ou em contos.
Doutor Palhinha coçou a cabeça e disse:
- Vejam bem, o cofre foi arrombado de maneira profissional. Sem rastros. Sabemos que Tom e Jerry, como crianças, não seriam capazes disto. Guri é tudo sujeira, bicho que tira meleca do nariz. O casal? Sem chance. Rico é muito pão-duro e arrogante para se dar ao trabalho de roubar a si mesmo. Mulher de rico é a última a pensar em perder jóias. O mordomo? Bem, ele é sempre o culpado, mas, neste caso, ele roubou só este prendedor de gravata que usa.
Neste momento, doutor Palhinha apontou para a gravata do mordomo que, desculpou-se e disse que devolveria o prendedor de gravata ao seu Nagib, da loja de roupas da esquina. Doutor Palhinha lhe repreendeu dizendo-lhe que isto não era direito, etc. etc.
(Parágrafo em branco para que você possa admirar as habilidades do doutor Palhinha que resolveu um caso que nem havia sido insinuado! Dois crimes resolvidos pelo preço de um? Só até sábado! Também serve para tomar um chá ou fazer um xixi…)
Mas, e o ovo? Doutor Palhinha seguiu com seu raciocínio.
- A governanta poderia ser a criminosa? Ué, poderia. ‘Alemoa’, velha, com cara de quem nunca namorou. Solteirona. Tudo poderia levar a crer que ela seria a culpada, mas eu digo a vocês que não.
A mencionada governanta seguia germanicamente impassível. Os demais, contudo, já cochichavam, exceto Tom e Jerry que se beliscavam, numa brincadeira idiota que certamente resultaria em bronca dos pais.
- Então, doutor Palhinha, não há solução?, perguntou Adalberto Zhukov, enquanto girava sua aliança de ouro maciço, nervosamente.
- Calma, dotô. Eu já sei quem é o culpado. Eu dizia que tudo levava até à governanta, essa ‘alemoa’ solteirona, né? Mas alemoa não tem conhecimento suficiente para não deixar pistas. Tudo que faz é grandioso. Música clássica, guerra, etc. Roubar um ovo? Não. Isso é coisa de gente metódica, mas medíocre, o que nos leva a…
Neste exato momento, o sub-delegado Teotônio ensaiou o início de uma fuga quando teve o braço agarrado pelo doutor Palhinha.
- …Teotônio. Um sub-delegado que só fez Direito para ganhar uma promoção. Vive reclamando da Lava-Jato, que trabalha muito e ganha pouco. Quem melhor para assaltar o senhor Adalberto Zhukov?
Teotônio levou a mão ao bolso e devolveu o Ovo de Fabergé Zhukoviano à família. Confessou que invadira a casa disfarçado e que arrombara o cofre. Foi preso e ainda cumpre pena. E assim termina o caso do (ovo) de ouro de Moscou do Dr. Palhinha.
p.s. a Cileide, diarista, tinha a chave da casa e, não se preocupe, ela deu uma bela arrumada na casa do doutor Palhinha (que a sujou novamente no mesmo dia).
Juo Bananére vacinado - Chegou o dia da 3a dose da vacina para o candidato à presidência mais popular de todos, Juó Bananére. Quer saber como foi? Ele te conta.
Eh! Altrodia un inpedimiollogiste falô chi io tenia chi tomá vaccina purcausa che io só un gandidatumu molto importanti pr’u Brasile. Intó io i u Sabino Portulo, chi vá commandare u Banco Nazionale si io viro presidentimu, fômos nu postto di saúdi pr’a fazê vacinaçó du Kovídi.
Nu postto, tutto o mondo ‘stava nun’ma brutta fila. Sabino ficó molto aggitado pur causa di chi imaginó ouví un gaxorro fazê au-au. Tutto cósa da in’maginaçó. Nón era dia di vaciná gaxorro. Eh! Sabino bobo!
Intó a signora falô p’rá tutto o mondo: - Eh! Gênti, oggi é dia de vaccina p’ru signore Bananére purcausa chi ilo é gandidatumu i ‘stá na faixxa d’iddadi chi o prefêto ‘stabeleceu. U resto pódi ir tomá gaffé i vortá em dos dias. O signore Sabino fica tambê, chi ilo é amigo du Bananére.
Applausi. Applausi. Tutto o mondo pegaró os intomobile i foram pr’a padaria.
- Uh, a signora vai mi vacciná? É chi io giá tomei duas Koron’naváchi con us inlettôre nu buteco du Pipoca. U Sabino tambê ‘stava lá.
- Signore Bananére, é chi oggi tem Fáize, má nón ten Modderna, ni Gençen. Tambê no vi Asttrazeneka. U signore giá tomô Koron’naváchi i pódi tomá Fáize.
- Eh! Ma che maraviglia. Pódi ser Fáize c’o polpettoni i um choppe pr’a mim e altro p'ro Sabino.
Intó u Sabino faló pr’a ella chi ilo tenía docentas com’morbidadis, chi ‘stava com dores pr’a tutto o corpo. Eh! Chi meddroso u Sabino! Ficó só io, Juó Bananére, pr’a tomá a Fáize. Into a signora pigó una ingeçó molto bunitigna e mi vacinó. Sabino ficó chéto pur causa che ‘stava con medo da signora vacciná encima delle.
A signora da injeçó pigó di finggi chi era um gaxorro e gritó: - Au, au, au! Así chi o Sabino ficó inmóbile ella vaccinó Fáize encima du Sabino. Eh! Molto bene. ‘Stá tutto mondo feliche c’o a vaccina natalina.
#juobananerepresidente
Uma bela figura de linguagem - Queria ter sido o autor deste (irônico) trecho. Não pela ironia, mas pela poética do início do mesmo.
O Pintor Bassi, que tem preso em flagrante tantos poentes e auroras no parque Jabaquara, pintou uma vez uns anjos, rabicundos e nedios como o dr. A. Cancio, e com aquelle arzinho de mamão maduro que destingue o Capitão. [“O Poeta Gallicho”, O Pirralho, 09 de março de 1912, p.12]
Prender em flagrante poentes e auroras? Muito bom!
Outra música que não me sai da cabeça - Apesar de ser de outro filme de sucesso (Working Girl, 1989), a música aparece no Little Black Book, de 2004 (com a precocemente falecida Brittany Murphy), e é de Carly Simons. Entrou na minha cabeça e não sai mais.
Quem é Anny Manrich? - Eu não sei. Acho que é ela mesmo. Mas tenho dúvidas se não sou eu. Ou o Orlando. Ou o Alexandre. Ou os três. De todo modo, a dúvida é se ela vai publicar um segundo volume único (porque cada volume é único, diria o poeta!). É a segunda campanha desta newsletter para o Twitter: #maisumvolumeúnicoAnny!
Dicas de R (ou de Stata) - O pessoal que produz artigos científicos e que gosta de microfundamentação de modelos macroeconômicos vai gostar disto aqui. São vários códigos de modelos. Mais informações:
The Epidemic-Macro Model Data Base (Epi-MMB) is a replication archive of macroeconomic models with epidemiologic features. It is an extension of the Macroeconomic Model Data Base (MMB) developed by Prof. Volker Wieland. The MMB is a computational platform for systematic model comparison and policy analysis. You can use this link to visit the MMB.
The Epi-MMB has today more than 20 structural macroeconomic models, which feature a pandemic. We are constantly working on expanding our archive to provide an up-to-date overview.
Gostou, né? Faça bom uso.
Outra Dica de R - Este exemplo de como testar a existência de cointegração entre séries de tempo é muito bom para iniciantes. Recomendo.
Que venha 2022! - Espero que os amigos leitores (assinantes ou não) tenham uma ótima passagem de ano. A chegada de 2022 vem com promessas de muitas brigas entre familiares e amigos por conta de política. Não se deixe levar! Espero que, em 2022, você continue querendo saber o que o Claudio Shikida anda lendo, meu Deus?!!
Sugestões? Críticas? Ofensas pessoais?
Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.