Livros, pilhas de livros, mundos sem livros e, claro, álcool-gel
Livros, pilhas de livros, muitas pilhas de livros. O importante é que haja álcool-gel!
Bem-vindo(a) ao v(1) n(23) de nossa newsletter. O cardápio de hoje? Livros e filmes. Para a sobremesa, álcool-gel (mas pode ser café também).
A moda agora é ostentar livros. Não é difícil entender o motivo disto. Pega bem, para o brasileiro médio (este, que não lê mais de 2.5 livros - em papel ou digital - inteiros por ano) tirar uma foto com uma pilha de livros1. Leitura é um bem escasso e, portanto, ainda é muito valorizado.
Em tempos de sinalização nas redes sociais, em que mostrar para sua tribo que você tem um bem escasso é fruto de elogios, nada seria mais previsível. Fosse eu um político, faria uma foto com uma pilha de livros.
O que pega muito mal, claro, é dizer que gosta de ler e não conseguir dizer a um amistoso jornalista o nome do livro que está lendo. Políticos também fazem isto.
Também não pega bem dizer que leu 10 livros enquanto estava preso porque, bem, isto ajuda redução da pena. Ninguém, ninguém mesmo, acredita que alguém lê e aprende na prisão. Adivinhe só: políticos também fazem isto!
Mas a moda das pilhas de livros me fez lembrar de dois filmes dos anos 70: Soylent Green e Logan’s Run. O primeiro se passa em, adivinhe só2, 2022 e é estrelado por Charlton Heston.
No filme há um personagem, Sol Roth (vivido pelo ator Edward G. Robinson em seu último filme) que vive cercado de livros num mundo distópico, com superpopulação, fome etc. O paraíso, ao modo irônico, dos malthusianos.
A impressão que se tem é que livros são artigos esquecidos no mundo de 2022. Já que estamos em 2021, ano que vem é um bom ano para se rever o filme e pensar no quanto o progresso humano superou várias mazelas previstas pelos pessimistas. O resto do filme? Sem mais spoilers.
Adendo rápido - Eu sempre gosto de repetir que sou um pessimista no curto prazo e um otimista no longo prazo (o que não quer dizer que eu ignore que curto e longo prazo são interligados).
Logan’s Run é filme que assisti, já mais velho, após passar um tempo dos bons anos da juventude vendo os poucos episódios do seriado de TV homônimo (baseado no filme, claro).
Mas vamos lá: em Logan’s Run, como sempre, a humanidade se esgoelou em alguma guerra nuclear e os nossos personagens principais moram na Cidade dos Domos, uma espécie de paraíso que mantém o controle populacional de forma bem original (sem spoilers).
Nesta futurista cidade (cujo cenário era um shopping center…profético), ao contrário do filme anterior, há abundância de prazeres e luxo. Ninguém passa fome por lá. Contudo, novamente, livros não existem mais.
A ideia que parece estar subjacente à história é a de que o conhecimento é controlado pelos governantes e, provavelmente, só existe em computadores, mas este tema não é muito desenvolvido ao longo da história. Um tema comum com o filme anterior é a preocupação malthusiana com o crescimento populacional.
Em uma cena (talvez o único spoiler), os personagens principais, Logan 5 e Jessica 6 (é, o pessoal tinha uns nomes assim no século 23) encontram um homem idoso (vivido por Peter Ustinov) no Senado dos EUA (ou no que restou dele), rodeado de livros e gatos. Diga-se de passagem, nem livros, nem gatos existiam na Cidade dos Domos.
É uma bela ficção, mas sou suspeito porque gosto de praticamente todos os filmes apocalípticos dos anos 70. Ok, mas e os livros?
Livros ou e-books, não importa. Ausentes dos dois filmes, são importantes porque, no final das contas, fazem parte do imenso mercado de troca de ideias que move os avanços da civilização.
Sua ausência em ambos os filmes, inclusive, poderia ser pensada como uma mensagem aos espectadores: olha aí, galera, se a gente não ler, o futuro será apocalíptico e teremos que descobrir a verdade com alguma grande aventura na qual, possivelmente, amigos irão morrer. Algo assim. Pode ser exagerada, mas é uma boa lição para incentivar um adolescente a ler…
Mas, alguém pode perguntar, ler qualquer coisa? Yip, brother. For sure3.
Devo dizer (preciso?) que não sou favorável à queima de livros. Mein Kampf ou Das Kapital merecem estar nas estantes. A melhor forma de não aprender com o passado é não ler e não entender como pensavam as pessoas da época, fossem elas filantropos, romancistas, ditadores ou padeiros. É o que penso. Mas você pode discordar de mim. Não me importo. Não vou te cancelar (e nem defender que te queimem).
Plus-a-mais - Ah sim, faltou mencionar o clássico episódio de Além da Imaginação, o The Obsolete Man. Novamente, em outro futuro distópico (que lembra muito o 1984 de Orwell), a profissão de bibliotecário (livros!!!) é punida com a morte. Na linguagem da juventude atual, o bibliotecário seria cancelado.
De fato, nossa juventude é bem mais gentil com os termos que usa socialmente quando deseja a morte de alguém. Não sei o quanto disto é fruto do medo de sofrer um processo legal, do politicamente correto ou, claro, de ambos. Só acho lamentável que todos vivam com medo de serem ofendidos.
Fotos de pessoas com pilhas de livros - Eu ainda me lembro de uma foto antiga de uma tia, na época, com uns 12 ou 15 anos, com uma pilha de livros. Devem existir, em álbuns de fotos mais antigos, normalistas com aquela elegância de Cecília Meireles, com seus vestidos de golas arredondadas e uma pilha de livros.
Era uma época em que você só via uma foto destas se tivesse acesso ao álbum da pessoa. Não servia tanto para sinalização ampla (lembre-se que tirar fotos não era algo simples na época. Rolo de filme não era barato não…). Talvez tenha estimulado um ou outro sobrinho ou neto a estudar.
Álcool-gel - Em 28 de março de 2020, o Estadão falava do aumento da procura gerando escassez de álcool-gel. Tragédia mesmo? É justo dizer que, por algum tempo, o preço aumentou porque simplesmente não era possível aumentar a oferta, independentemente do nível do preço. Bem, já estamos em julho de 2021 e álcool-gel continua disponível a preços bem razoáveis.
Lá em 2020, os jornais foram pródigos em reclamar de aumentos no preço do álcool-gel mas, posteriormente, não voltaram ao tema. Os leitores ficaram apenas ‘meio’ informados sobre como funcionam os mercados. Afinal, como caíram os preços? É queda livre? Faz parte da vida? Claro que não. Aliás, eu não assino, mas aparentemente, esta matéria da Exame esclarece um pouco desta história.
Não é novidade ver como muitos - que nunca se furtam a pedir aumentos de salários (ou valores mais altos para os contratos dos serviços que vendem) com todo tipo de justificativa imaginável - são também os mais veementes em reclamar dos aumentos de preços de bens ou serviços vendidos…por outros. Mas, admita, é irônico4.
Engraçado mesmo é notar que, estas mesmas indignadas criaturas não se preocupam tanto em noticiar quedas de preços (exceto, e com muito drama, choro e lágrimas, quando são os preços dos bens que eles vendem). É como se fosse uma obrigação da sociedade que o preço de um bem ou serviço (de outros, não o seu) caia sempre. Quase uma lei natural, divina. Contudo, aumentar a capacidade de produção (uma das causas mais comuns da queda do preço de um produto) não se consegue assim, ao estalar dos dedos.
É por isto que, em minha opinião, tem razão McCloskey ao dizer que o bom empreendedorismo (este que busca satisfazer o consumidor, não o buscador de privilégios governamentais) precisa ser mais valorizado5.
Juju-e-Sofia- Ninguém perguntou, mas eu conto. Juju foi castrada na última quarta e ficará internada por alguns dias. Fui eu o algoz que a levou. Desde meu retorno ao apartamento, Sofia se mostrou eufórica. Passou o dia como se a estranha tivesse sido apenas uma estranha, não sua nova companheira neste pequeno lar. De lá para cá está uma bolota de pelos feliz, brincando com a tranquilidade que todos gostaríamos de ter. Mas eu sei, a expressão de emburrada que Sofia demonstrou naqueles dias…voltará em breve. Aguardemos!
Por hoje é só. Gostou? Compartilhe com os amigos. Não gostou? Compartilhe com os inimigos.
Dado de um relatório (cansativo pelo excesso de imagens) que você encontra aqui. A última edição da pesquisa é de 2019.
Para os mais velhos: “pasme”!
Pronto, agora sou um pedante e serei acusado de me vender ao imperialismo por um youtuber que tem home theater e adora e-books. Sei…
Vem daí parte da noção errônea de alguns de que o mercado é um jogo de soma zero. Dia destes podemos voltar ao tema (ou um bom professor de Economia poderá ajudá-lo a se desfazer de seus preconceitos).