Doppelgänger em 1500, Stan Lee e a máquina de inovação humana
E se Pedro Álvares Cabral chegasse em um continente invertido? O que Stan Lee pode nos ensinar sobre inovação?
Chegou o v(1) n(29) da minha, da sua, da nossa newsletter. <aplausos efusivos>
Journey to the Far Side of the Sun ou Doppelgänger é um filme do casal Gerry e Sylvia Anderson, criadores das melhores séries de ficção científica do Reino Unido nos anos 60 e 70. A premissa é interessante: existe um planeta, na mesma órbita da Terra, só que do outro lado do Sol.
O resto do filme eu não vou contar, claro. Agora, caso você queira minha opinião, os efeitos especiais são ótimos para a época, a estética futurista do filme - bem bacana - voltaria em outra série dos Anderson, UFO (reconheço também semelhanças com o icônico Space 1999 dos mesmíssimos Anderson). Do lado negativo, o roteiro talvez não tenha ficado tão bom. Parece que faltaram pedaços na sequência da história e a ação parece deslocada para momentos irrelevantes do filme. Mas é uma produção decente. Dou 6.5 ou 7 em 101.
Esta temática, a do universo paralelo, é uma ideia que sempre me encantou. Acho que meu primeiro contato com este tipo de história, ao menos na TV/cinema, foi no clássico Mirror, Mirror, em Star Trek (e suas continuações em todas as reencarnações da franquia). Claro que o conceito de universo paralelo vai além de um simples contrafactual2 (tudo o mais constante, mude apenas um aspecto e veja o que acontece), já que praticamente tudo é invertido (ou quase tudo, conforme a criatividade dos autores).
Mas imagine, tomando de empréstimo o nome original do filme, um Doppelänger da descoberta do Brasil. Poderia ser algo como um planeta Terra dividido de forma tal que, do outro lado do limite traçado no Tratado de Tordesilhas, encontra-se um planeta invertido no espaço-tempo (em relação ao nosso). Aí Pedro Álvares Cabral chegaria no Lisarb (e seu doppelgänger chegaria no Brasil, embora estes nomes ainda não lhes sejam familiares).
<a partir de agora, ler isto ouvindo, incessantemente, a abertura de UFO>
A tripulação desembarca e não encontra ninguém. Poucas árvores na praia e tudo parece deserto. Pedro Álvares ordena que todos descansem e, no dia seguinte, inicia uma exploração pelo território. Caminham uns quilômetros para dentro e nada de nativos. Todos os batedores se encontram à noite em sua base estabelecida na praia e os relatos são unânimes: nada de nativos e nenhum indício de metais preciosos.
No segundo dia, Pedro Álvares muda os trajetos dos grupos e faz nova tentativa. Desta feita, um dos grupos retorna com um nativo. Todos ficam muito curiosos com a novidade. O nativo, logo descobrem, é um índio da tribo dos Apaches e vive há uns quilômetros dali, ao sul, com sua tribo.
Pedro Álvares e seus colegas passam um bom tempo conversando com o nativo e, quando a confiança entre ambos alcança aquele nível mínimo, partem com ele para a aldeia, para conhecerem melhor o novo mundo. Celebra-se a Ação de Graças em algum momento (muito possivelmente no dia em que, hoje, celebramos a Ação de Graças).
Por algum motivo, os Apaches (em maiúscula na letra inicial, para ficar soar bonito entre os leitores antropólogos) de Lisarb já possuem conhecimentos astronômicos equivalentes aos dos europeus. Outro detalhe importante é que não há mandioca em Lisarb o que, por motivos que não vou explicar aqui3, implica que não haverá na literatura lisarbiana (ou lisarbiense) autores baianos (ou melhor, sonaiab) com fixação em mulheres trajando o insuportável vestidinho de chita4.
Passam-se os anos e, no início do século 20, Lisarb é uma potência econômica com valores democráticos profundamente enraizados como expostos no clássico Raízes do Lisarb, de Sérgio Buarque de Lisboa que também escreveu A Democracia na América, um contraponto ao Elogio ao Fascismo de Alexandre de Tocqueville. Diga-se de passagem, Alexandre foi grande entusiasta de famoso livro da literatura dos AUE: Enterrem meu coração macunaímico à beira de algum rio navegável.
A influência geopolítica do Lisarb é imensa, em contraste com seu irmão do norte, os AUE, que se transformaram em uma legítima república das bananas (eu disse que eles cultivam mandioca até hoje?). Alguns dizem que foi por conta da sua colonização com fins unicamente extrativos, outros acham que foi o ouro da California. Nem vou comentar sobre o Canadá, país pobre e com fracassada colonização francesa, exceto por Vancouver, que abriga a maior parte dos descendentes dos colonizadores britânicos5.
Sim, no meu mundo paralelo, o Tratado de Tordesilhas teve um papel importante no futuro do planeta. Quem diria, não é mesmo?
Homem de Ferro, inovacionismo e nós - O importante (para a humanidade, claro) relançamento das primeiras histórias do Homem de Ferro ocorreu pela editora Panini, no histórico mês de junho de 2021. Como qualquer um sabe, os heróis da Marvel Comics são muito importantes para a cultura ocidental (mas também para a oriental).
Em um pequeno texto no meio deste importante libreto, um certo Luca Stacasta (provavelmente um editor da Panini italiana) nos conta que, até 1962, as histórias dos super-heróis publicadas não mostravam os créditos (roteiro, desenho e arte-final). Foi então que Stan Lee teve a ideia de não apenas fazê-lo, como também introduziu os leitores aos bastidores da Marvel (ou pelo menos à sua visão propositalmente divertida dos bastidores). Fã-clubes? Claro.
O que Stan Lee fez foi alinhar incentivos da equipe criativa, dando a seus membros o devido crédito. Claro, com grande exposição vem também uma grande responsabilidade, já que ninguém quer fazer feio perante o público. A ideia de Stan Lee pode não parecer um choque de produtividade, mas é. Eu diria que foi importante, mas não conheço estudos a respeito. É a inovação!
Innovation happens when people are free to think, experiment and speculate. It happens when people can trade with each other. [Matt Ridley, How Innovation Works: And Why It Flourishes in Freedom. Harper, 2020]
Pois é. Comecei a ler este livro do Matt Ridley e já encontrei maravilhosas definições de inovação. Ele menciona os últimos escritos de McCloskey, autora que tem insistido muito na importância do que denomina inovacionismo. Vale a pena ler6 alguém que fala de inovação sem estes confetes e serpentinas que uma galera insiste em usar quando começam a soletrar i.n.o.v.a.ç…
Para os assinantes mais antigos: Sofia e Juju - O armistício segue com pequenos conflitos. Sofia, eu já disse, é gordinha (Coréia do Sul) e Juju chegou aqui desnutrida (Coréia do Norte). A analogia, claro, termina aqui porque a Juju, agora, não é mais desnutrida, ao contrário da ditadura socialista. O paralelo 38 não vai durar muito, acredite7.
Um ensaio autobiográfico de McCloskey - Uma das melhores economistas de nosso tempo.
Fãs de UFO - Inacreditável que isto seja um trabalho de fãs apenas.
Substack - O modelo de negócios desta simpática plataforma.
Tema de Shaft (o raiz, não os outros) feito por…- ….Isaac Hayes, ora bolas!
5 links diários - O Diogo Costa citou esta newsletter, a gente retribui. Foi ele quem me chamou a atenção para este fenômeno que é o Substack.
Como não tenho carteira no sindicato dos críticos de cinema e nem cursei Comunicação, minha nota deve ser considerada com cautela.
Refiro-me, claro, ao conceito científico de ‘contrafactual’, bem em voga nos últimos tempos e sobre o qual, nas redes sociais, revela-me o Twitter a cada santo dia, existem diversos especialistas. Muito cuidado porque uma regra de bolso da vida é que especialistas nunca existem em abundância…
Nem acolá.
As aulas de literatura no colégio podem deixar marcas. E daí? Vão querer cancelar Jorge Amado agora? Deixem de frescura.
Por que Vancouver? Porque sim.
A propósito, os livros da McCloskey e este do Matt Ridley também mereciam tradução.
Menções a Juju e Sofia são frequentes nos números anteriores desta newsletter. Você sabe como achá-los, não? Não? Só navegar por este endereço.