Dark Kitchens, Bright Opportunities. Créditos de Reciclagem. Marize Schons e a Liberdade. Outros.
Ronald Coase pediu um hot dog gourmetizado e deu no que deu!
Agora é o v(2), n(40)…estamos quase chegando ao 50o número de 2022, hein?
Dark Kitchens, Bright Opportunities - O fenômeno das dark kitchens chamou minha atenção por meio de texto recente do jornal O Estado de São Paulo (veja também esta matéria da CNN Brasil e esta do portal Terra). Parece que até em franquias as dark kitchens andam fazendo sucesso. A ênfase, nestas notícias, é sobre os problemas que as dark kitchens parecem trazer para as regiões onde se instalam.
Lendo mais um pouco, vi que existem algumas tentativas de se categorizar este ecossistema. A ABRASEL, por exemplo, identifica oito modelos: (a) Modelo tradicional de empresa 100% delivery (em geral, pizzarias); (b) Dark kichen própria (restaurantes dedicados ao delivery); (c) Restaurante tradicional que se transforma em uma dark kitchen multimarca no delivery (parecido com o anterior); (d) Cloud kitchens (“(e)m um mesmo espaço, várias marcas da mesma empresa podem operar com sistemas integrados”); (e) Coworking de cozinhas (similar ao aluguel de instalações usado em cervejarias artesanais); (f) Restaurantes virtuais em cloud kitchens de terceiros, com serviços limitados (uma variante do anterior); (g) Kitchen as a service (“operadores especializados em delivery, e que possuem cloud kitchens em vários locais”); (h) da indústria para o delivery (basicamente, um modelo em que a indústria passa a operar no serviço de entregas com ‘cozinhas satélites’).
Você pode ponderar que os mesmos problemas afetam, diferentemente, os oito, digamos assim, ‘modelos de negócios’ acima. Por exemplo, no caso (c), talvez o problema de ruídos para a vizinhança por conta da operação da cozinha não seja tão alto. Por outro lado, o barulho dos entregadores estacionados em frente ao estabelecimento do tipo (b) não deve ser muito diferente do que se tem no caso de qualquer um dos outros modelos listados.
Conforme a CNN, as principais reclamações são:
A intensa movimentação de entregadores atrapalhando o trânsito, o barulho constante e o próprio odor de comida (muitas vezes carregado de gordura) fez crescer o número de reclamações nas prefeituras e movimentos de associações de bairro.
A questão da gordura me parece menos incômoda do que o barulho dos motoqueiros e das cozinhas (muitas vezes, como vimos, são também restaurantes), mas cada um tem sua percepção dos problemas. Inclusive, parece-me mais fácil de se resolver. Não é preciso muito esforço para encontrar boas soluções tecnológicas a um preço razoável no mercado (e.g. filtros).
Mas é verdade que incomodam o barulho, o cheiro da gordura ou o trânsito um pouco mais carregado por conta dos entregadores ou mesmo o barulho. Ninguém quer incomodar ao abrir um negócio. O preço do bem, geralmente, deveria ser o único custo a nos ‘incomodar’.
Ocorre que, para produzir as refeições, surgem custos não precificados como a gordura ou o trânsito carregado. São chamados de externalidades. Quanto a isto, vale notar, como disse David Friedman nos dois capítulos sobre o tema em seu ótimo livro de Análise Econômica do Direito, o problema da externalidade é um problema das decisões de ambas as partes. Como assim?
Por exemplo, um jornalista pode escolher morar em um bairro com bons restaurantes, mas isto implica em aceitar certo nível de barulho em determinados períodos do dia. Aliás, bairros com bons restaurantes também têm problemas de trânsito nos finais de semana e feriados, por motivos óbvios.
O jornalista do exemplo poderia se mudar para um bairro vizinho tanto quanto o dono do restaurante poderia abrir seu estabelecimento em outro local. É a decisão conjunta de ambos, de estarem no mesmo bairro que gera o problema das externalidades.
Como se vê, não se trata de um conceito esotérico, fruto da mente louca de alguns economistas. As externalidades têm efeitos bem reais. Principalmente quando são externalidades negativas (a poluição sonora, a gordura, o engarrafamento, os três, se enquadram nesta categoria). O quanto são reais? Por exemplo, uma forma de se verificar o impacto da poluição sonora (apenas uma das externalidades negativas mencionadas) é verificar sua participação na desvalorização do preço de um imóvel.
Aliás, amigo leitor, este artigo, Del Giudice et al (2017)1, fez uma revisão da literatura sobre a poluição sonora com mais de 40 artigos publicados ao longo dos anos (1974-2013). O que encontraram os autores? Encontraram que os preços dos imóveis se desvalorizam com a poluição sonora. As quedas variam entre 0.15% e 1.45%.
Vale destacar que nenhum dos estudos analisados pelos autores trata de alguma cidade brasileira, o que nos impede de considerar estes valores como representativos de nossa realidade, mas não nos desautoriza a ver na poluição sonora um possível agente de desvalorização dos preços de imóveis (e olha que nem falamos do congestionamento ou do cheiro da gordura…).
Como resolver problemas de externalidades? Friedman nos dá um bom insight (e aqui traduzo, quase literalmente, um trecho de seu cap.4): a solução de uma multa a uma das partes só funcionará se a parte que arcar com a multa também for a que puder evitar o problema ao menor custo.
Por exemplo: é menos custoso, por exemplo, alugar uma sala comercial longe do restaurante do que alugar uma sala ao lado do mesmo e demandar que o restaurante seja proibido de funcionar. Certo? Mas Friedman nos diz mais. Ele nos lembra que se for possível para os envolvidos celebrarem um acordo, isto é mais eficiente do que a imposição unilateral de impostos (ou ‘cotas de barulho’).
Em outras palavras, se o custo de negociar for baixo (para ambos), a negociação entre uma Associação de Bairro e uma dark kitchen é uma solução socialmente eficiente. A barganha custa menos que levar o caso para os tribunais (a seu modo, a existência dos mediadores e dos juizados de pequenas causas é uma evidência de que a Justiça sabe que vale a pena promover as negociações entre partes em alguns casos).
Voltando ao nosso tema, a pandemia gerou um choque no mercado de trabalho. O número de dark kitchens que temos seria economicamente eficiente? Provavelmente não. À medida em que a pandemia nos deixe, deve haver uma substituição em prol das refeições em bares e restaurantes. Como sempre, não há novo normal. Apenas o bom e velho mecanismo de ajuste dos preços relativos.
Creio que, em breve, o número ótimo de dark kitchens será menor do que o que se tem hoje. Isso não significa que não existam mais problemas de externalidades, apenas que provavelmente serão menores. De todo modo, a solução para o problema passa pelos custos de transação para a negociação entre as partes.
Sabemos que, na prática, o governo pode aumentar ou diminuir estes custos e as notícias que usei como base para este texto não são muito claras sobre este ponto. Por isso o título deste texto: uma claríssima oportunidade para a Justiça cumprir um papel socialmente ótimo consiste em atuar favorecendo a minimização dos custos de transação.
p.s. há uma vídeoconferência interessante sobre o tema das dark kitchens, aqui.
Reciclando e combatendo a pobreza? - Relacionado ao tema anterior, a busca de soluções para a poluição, temos este ‘choque institucional’ gerado pela criação do mercado de créditos para reciclagem. Para quem gosta de ler decretos, ei-lo. Um dos públicos que se pretende atingir com a medida? Catadores de lixo. Segundo o IPEA:
A medida pode beneficiar mais de 800 mil catadores de materiais recicláveis e 242 mil empresas, além de preservar o meio ambiente com o reaproveitamento de resíduos sólidos, evitando desperdício de matéria-prima.
(…) Trata-se de um sistema pelo qual os agentes de reciclagem (cooperativas e catadores de recicláveis) comprovam a destinação correta dos resíduos, com nota fiscal da venda do material coletado. Já as empresas que precisam respeitar determinações ambientais poderão comprar o direito associado a essa destinação, cumprindo, assim, sua obrigação com a logística reversa.
De acordo com levantamento apresentado pelo presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Erik Figueiredo, atualmente mais de 242 mil empresas possuem essa obrigação legal. No formato atual, estima-se que o custo das empresas com obrigações ambientais está entre 9% e 15% do seu faturamento. Com o crédito de reciclagem, o custo deve cair mais de 80%. “A aquisição desse direito é opcional, mas representa uma solução para empresas que não dispõem de sistemas próprios de logística reversa”, explicou o presidente do Ipea.
Gosto da ideia de uma regulação que não seja de comando e controle e que proponha uma solução para a poluição respeitando as características do mercado. Caso ela ainda alivie os efeitos da pobreza, melhor. A conferir.
Marize Schons - A professora Marize Schons conversa com Eli e Ágatha em um dos melhores episódios do Tôblock. Há ali boas críticas não só à extrema-esquerda, mas também a conservadores, liberais. Como ninguém aqui tem medo de crítica e discordância, ficam todos convidados a assistir os melhores 90 minutos do Tôblock nos últimos tempos.
Medindo os Bigodes - O único podcast que tem um episódio perdido que nunca mais será recuperado. Não é bem isso. É que gravaram, mas sem áudio. Como ninguém pensou em fazer como naquele filme do Woody Allen, O que há, tigresa?, eu não sei. Fosse eu o Yuri Vieira (dono do podcast), liberaria para dublagens.
De todo modo, o último episódio está aqui. Nele, em algum momento, surge a ideia de que deveríamos ter alguma produção envolvendo bandeirantes. Nada de falsos heroísmos, nem de enfiar uma luta de classes onde a mesma não existia, imagino eu.
Aí me ocorreu que o clássico do Taunay, em dois volumes, publicados pela Melhoramentos, estão lindamente digitalizados aqui. Tenho estes livros na ‘realidade real’ (não na virtual). É que tinha um projeto antigo que nunca comecei, sobre o tema e, claro, o cheirinho de livro velho - já falei sobre isso? - é uma delícia…
Lembrete aos pesquisadores - Deixem de preguiça!
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Propaganda Enganosa - Não pode colocar ‘picanha’ no sanduíche porque estão me enganando, certo? Afinal, não tem picanha lá. Ok. E o que você me dirá de quem vende promessas e que sequer podem garantir uma mísera entrega parcial das mesmas?
O mercado político é, certamente, diferente do mercado usual, este a que estamos acostumados, em vários aspectos…mas não em outros. Ocorre-me que os justiceiros parecem muito condescendentes com a interpretação do que seja ‘enganoso’ quando o mercado envolve os vizinhos políticos.
Ou então deveríamos ser menos obcecados com a venda de ‘experiências’, ‘desejos’ e ‘sonhos’. Sei lá.
A Justiça não é cega, só tem ciscos nos olhos - Às vezes eu imagino o que aconteceria se o ‘modo moderno de fazer justiça’ existisse na época do Império. Possivelmente a abolição da escravidão seria anulada. Ou sou pessimista?
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Arte - Belíssima arte envolvendo dois dos nossos queridos heróis da infância. Curioso o uso do Batmóvel antigo e o visual pós-guerra do Capitão América. Aliás, você consegue comprar os gibis do Capitão da época da guerra na Amazon, para Kindle ou leitor do Comixology2.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
DEL GIUDICE, Vincenzo et al. The monetary valuation of environmental externalities through the analysis of real estate prices. Sustainability (Switzerland), v. 9, n. 2, 2017.
Conheci o Comixology por intermédio de meu grande amigo, Adriano.