Aynitta contra o juiz Goldenye - Outros.
"- Neste sistema, o traço é negativo e o determinante é positivo", ela disse. "Isto é bom?", perguntou-lhe Joãozinho. Mariazinha, entretanto, apenas o encarou com desdém.
O v(3), n(36) traz de volta Aynitta, que há muito não dava as caras por aqui.
Aynitta contra o juiz Goldeneye - Após o surgimento de Aynitta e de suas novas aventuras e de sua última aparição, a simpática cantora objetivista tomou um chá de sumiço, não é mesmo? Eis que surge a ‘quarta temporada’. Desta vez, nossa heroína objetivista - e hip-hop-star de muito sucesso - enfrenta um terrível inimigo, o juiz Goldeneye. Sem mais delongas…
I.
Quatro horas haviam se passado e Aynitta só pensava no valor do tempo perdido naquele tribunal. Tudo porque um desocupado juiz - claro, seus quarenta e três auxiliares é que resolviam os problemas para os quais ele, juiz concursado era pago para fazer - resolveu implicar com uma de suas canções.
De família tradicional mineira de juízes - seus antepassados mandaram muitos escravos para a morte por conta de desvios de pepitas preciosas nos tempos da mineração colonial (e, curiosamente, ninguém falava de ‘dívidas históricas’, etc.) - o juiz Goldeneye era famoso entre os pares (e os ímpares, talvez até os complexos) por sua peculiar maquiagem.
É que, como todo bom metrossexual (um termo moderno que descreve sabe-se lá o quê, mas parece ter a ver com o que será dito, logo, vou usá-lo, minha newsletter, minhas regras), o juiz cujo nome, aliás, era Wenceslau Acácio da Silva Silva, já enriquecido a despeito de sua curta carreira, resolveu, contra a vontade da esposa, usar uma estranha maquiagem em volta dos olhos com base em ouro. Foi assim que ‘Goldeneye’ tornou-se o apelido do juiz Wenceslau Acácio da Silva Silva (sim, com dois ‘Silva’ mesmo).
Os servidores que trabalhavam no tribunal - e mesmo os seus escrav…digo, ajudantes - não se sentiam muito à vontade com aquele estranho rosto. O juiz, como todo brasileiro, tem aquela pele de cor indefinida, fruto da rica mistura genética que torna todos os brasileiros (ou quase todos) descendentes de umas tantas raças (raças?). A despeito disto, o juiz insistia ser ‘branco’ (todos sabiam de seu racismo, mas e o medo de desafiar o Goldeneye da 23a Vara?).
Pois era este adversário que Aynitta teria que enfrentar.
Pensava em uma nova letra para seu próximo hip-hop, sobre a lentidão da justiça brasileira quando viu entrar na sala a estranha figura de Goldeneye. De estatura mediana, pele morena clara, poucos cabelos, levemente encaracolados (notava-se o esforço do juiz em alisá-los com massivas quantidades de gel).
De capa preta, seus passos pareciam ensaiados para causar alguma impressão de autoridade. Impressão esta, aliás, que lhe fora ensinada por um picareta qualquer que se vendia como coach de neurolinguagem e outras inovações disruptivas, por uma bela quantia monetária.
O que realmente impressionava eram os olhos do juiz. A maquiagem feita como ouro ao redor dos mesmos dava-lhe uma aparência de um faraó recém-saído de um porre de cerveja em algum bailão do DJ Gilgamesh ou do rapper Ramsés, o Quarto, da quebrada de Tebas. Claro, supondo-se que tais figuras tenham existido algum dia.
II.
Cumpridos os salamaleques iniciais (ou, como prefere o juiz Goldeneye: os ritos iniciais), o juiz tentou olhar nos olhos de Aynitta, usando seu (acreditava ele) poder intimidatório baseado em seus olhos maquiados. Para sua surpresa, aconteceu o oposto: o olhar simples, mas forte de Aynitta é que intimidou o vaidoso juiz que tentou usar de sua posição para se safar da armadilha em que ele mesmo armara.
‘- Senhora Aynitta, por que é que me olha assim?
- O senhor é quem entrou na sala e me encarou, não, senhor juiz?
- Eu, bem, não é bem assim. Vamos em frente.
- O senhor é quem sabe.’
Goldeneye suou frio. Talvez fosse aquele o julgamento que o deixaria famoso. Afinal, Aynitta era uma figura pública e não há nada melhor para um juiz do que julgar alguém assim. Em sua vaidade, imaginava-se em todos os jornais após ‘humilhar’ a famosa cantora.
‘- A senhora anda disseminando ‘fake news’, não é, senhora Aynitta?
- ‘Senhora’ duas vezes, senhor juiz?
- É para enfatizar.
- E sobre qual ‘fake news’ o senhor se refere? Não entendi.
- Ora, não se faça de inocente. Estas letras de suas músicas, meu Deus, que horror…
- O senhor se horroriza com letras, senhor juiz? Letras de música?
- Não se trata de qualquer letra, senhora. Veja isto: a existência existe! Que estultice!
- Por que, senhor juiz?
- Isso aí é uma desinformação. Só se existe em uma dialética na qual as classes lutam entre si pelo domínio…
- Senhor juiz, o senhor existe?’
Goldeneye olhou-a com fúria. Ele sempre começava suas sentenças mencionando algum discurso marxista vulgar, destes que se lia em manuais da antiga URSS e, em geral, as pessoas não o contestavam. Entretanto, ali estava, aquela jovem menina, saída da favela e com uma filosofia completamente diferente do mainstream universitário, à sua frente, vestida como uma saia e uma blusa simples, propondo uma questão filosófica.
‘- A senhora me perdoe, mas eu estudei Direito. O que a senhora sabe de existência?
- Eu existo. O senhor não percebe isto?
- Ora, criança, dentro de um contexto dialético-histórico…
- O senhor só se entende existindo dentro de uma teoria?
- Não tente me ludibriar…
- O senhor me chamou de criança?
- Ah, desculpe-me, mas é que, com sua simplicidade filosófica, fica difícil…
- Está desculpado.’
Goldeneye sentiu o golpe. Aynitta dialogava com ele sem se alterar. Nem o tom de voz mudava. Nada. Nem um gesto. Nada de linguagem corporal, sutilezas. Tudo nela era muito honesto, verdadeiro mesmo. De uma sinceridade que o juiz não estava acostumado (e nem admirava).
‘- A senhora me explique esta letra: “A existência existe/você pode acreditar/existência e identidade/como se pode negar?”. Isto é um absurdo. Como a senhora propõe algo assim, sem contexto? Sem relações de produção? Pessoas não existem sem um contexto histórico!
- Eu apenas falo como Parmênides. O senhor certamente conhece…
- Isto é fake news! Fake news! - bradou o juiz enfurecido.
Aynitta já tinha dificuldades em disfarçar seu tédio com Goldeneye. Sim, sempre achou importante transmitir a mensagem de que um indivíduo, enquanto tal, é um herói, não uma figura esquelética, passando fome e sem vontade própria. Imaginava ter alguma influência positiva na vida das pessoas lembrando-lhes de seu protagonismo.
Entretanto, tinha diante de si uma pessoa que padecia de insegurança crônica e que vivia bem parasitando seus funcionários e se vendendo como um justiceiro social. Um justiceiro que não dava conta de uma música com letra Aynittista. Deu-se conta de que Goldeneye havia sido atingido no coração com sua música.
‘- Senhor juiz, sei que o senhor me acusa de disseminar uma filosofia que contraria a sua e a de seus colegas juízes, senhores da verdade neste país.
- Obrigado pelo elogio.
- O senhor talvez possa aceitar minha música, ou melhor, a mensagem da minha música, se eu lhe mostrar que…
- Ah! Ótimo…continue, continue. Estou curioso…
- O distinto juiz é famoso por sua maquiagem original ao redor dos olhos, não?
- Sim, podemos dizer que sim…
- Não vemos outros juízes fazendo isto, não é mesmo?
- É, até acho que não ficaria legal, afinal, é minha marca…
- Isso, senhor juiz, é a sua marca. O senhor, heroicamente, desafiou a realidade impondo-lhe uma criação original.
- Ah, sim, acho que posso dizer que sim… - Goldeneye começava a sentir uma estranha afinidade com Aynitta.
- Pois caiu-lhe muito bem e acho que ninguém mais, ainda que o imitasse, poderia extrair da química da maquiagem, ainda que usasse os mesmos elementos, tamanho efeito.
- Sim…é, bom, a senhora tem razão…agora vejo…pensando bem, é…a senhora não tem com o que se preocupar. O caso está encerrado.
Aynitta saiu do tribunal vitoriosa. Goldeneye, aos poucos, percebeu que vivia uma vida contraditória. Ao mesmo tempo em que celebrava sua originalidade, sua individualidade, com sua maquiagem exótica, também vivia como um parasita. Dentro dele havia ainda um resto de moralidade que adquirira na infância com a educação dos pais, o que o fez se sentir triste. Percebeu também o quanto era racista e o quanto o racismo só poderia ser combatido com uma mudança individual de atitude.
Só não se suicidou porque as músicas de Aynitta o confortavam. Tornou-se um seguidor da famosa cantora, reforçando as filas do aynittismo.
Tá rindo demais, guri! - Sempre me disseram que o charme de um homem estava em não sorrir tanto. Quem “me disseram”? Amigas de colégio, naquele tempo. Eis que isto não se limita à minha turma. Como diziam os mais velhos: muito riso é sinal de pouco siso.
Men are judged most attractive when they display pride and least attractive when they display happiness, whereas women are judged most attractive by displaying happiness and least attractive by displaying pride. Younger women rate male shame expressions as more attractive than male happiness expressions (source). Relatedly, an OKCupid analysis found that men’s photos are judged most attractive when they look away from the camera and don’t smile (source).
O trecho veio daqui.
Economia Política e Políticas Públicas - Eu e o Ari, no último sábado, publicamos um pequeno artigo no Gazeta do Povo, sobre a economia política das políticas públicas. O tema é atemporal e, pelo que vejo, nunca perde a atualidade. Um trecho que considero importante é este:
Por sua vez, o mercado de avaliadores de políticas (os cientistas), como qualquer outro, também responde aos incentivos e, se a maioria dos políticos não deseja que as avaliações prejudiquem seus bolsões eleitorais, alguns avaliadores responderão fazendo avaliações de menor qualidade técnica, mas cheias de bela retórica, sacrificando, eles mesmos, a cientificidade da análise.
No Twitter, você poderá ver como muitos cientistas - que vez por outra ganham uma bolsa (bolsa, você sabe, não paga imposto…por isto todos a desejam) - tornam-se quase que eunucos de emoções, minimizando o risco de serem mal vistos em algum processo seletivo. Faz parte do jogo, claro.
O problema é quando o sujeito é contratado para avaliar uma política pública e começa a ‘adequar’ a avaliação para agradar seu grupo político (ou o grupo político que o contratou). Quando se usa uma técnica quantitativa (por exemplo: medir custos e benefícios), isto fica difícil. Não à toa, os que desejam fazer política, não avaliação, pregam - nem sempre explicitamente - que a avaliação de políticas públicas não pode se limitar a análises quantitativas, o fenômeno social é mais do que isto, números são frios, etc.
Todo cuidado, claro, é pouco.
Esquerda e Direita - Uma ótima conversa entre Richard Hanania e Bryan Caplan.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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