As Novas Aventuras de Aynitta e outras conversas para se jogar fora (ou para se guardar dentro do peito...você decide).
E o jogo nem começou!
Eis o v(1), n(60). Em comemoração ao sexagésimo número da newsletter, eis as Novas Aventuras de Aynitta (e, olha só, você ainda terá um vídeo com seu primeiro hit para cantar sozinho durante o banho ou em festas de família!) e algumas lembranças da sala de aula.
Vamos lá?
As Novas Aventuras de Aynitta - Iniciar com a imagem mental da abertura da 2a temporada do seriado da Mulher Maravilha.
I
O leitor se lembra de Aynitta? Apareceu em uma das primeiras edições extraordinárias desta newsletter. Nenhum leitor se manifestou (minto: acho que o Polzonoff, comentou sobre ela no Twitter), mas eu não acho justo que a grande Aynitta fique com apenas uma história.
Pois bem, no último episódio de Aynitta vimos uma jovem adolescente que…
… desenvolveu um gosto pela literatura russa. Tolstói, Dostoiévski, estes figurões aí. Também lia Bakunin e outros anarquistas. Foi mais ou menos aos 16 anos que compôs sua primeira música, um hip hop cômico sobre uma imaginária orgia entre Lênin e Trotsky num quilombo de concentração na Sibéria.
Inevitável foi a controvérsia no colégio - seguida de vários tumultos entre os novos - já ardorosos - fãs da jovem Aynitta e seus antipatizantes. A coisa atingiu um ponto tal que Aynitta decidiu…perseguir a carreira artística.
Claro, não seria fácil, já que nascera em uma das favelas mais pobres da cidade. O barraco em que morava era muito apertado. Mal cabiam ela, suas irmãs, irmãos e os pais. Por sorte, tinham acesso ao saneamento básico que, no Brasil, raramente alcança a todos.
Os pais, com muito empenho, conseguiram colocá-la em um colégio razoável e, Aynitta, claro, era muito inteligente, o que lhe facilitava o acesso a uma bolsa de estudos. Todos os dias, pelo buraco do quarto que chamava de janela, Aynitta podia ver aquela imensa metrópole e sonhar.
E seu sonho era simplesmente o de sair da favela e melhorar sua própria vida. Talvez, mas só talvez mesmo, o caminho passasse por suas músicas. Pelo menos é que sentia após tudo o que aconteceu na escola.
Pensava sobre a música e o futuro enquanto almoçava com a família. Em seu prato, um bife feito com carne de segunda (temperado com pouco sal) e uma porção de arroz serviam como um estímulo para que Aynitta buscasse sua própria superação.
‘- Nunca mais vou comer carne de segunda’, pensou resoluta.
Levantando os olhos, viu seus pais e irmãos que almoçavam em silêncio com aquela expressão melancólica de quem está numa foto de Sebastião Salgado.
‘- Humpf! Se cada qual não luta pelo seu próprio sucesso, não sou eu que vou ficar argumentando. A pessoa precisa querer melhorar! Talvez a música possa ser uma forma de ensinar isto. Sim, minha música inspirará as pessoas e cada um que desperte para construir seu próprio destino’.
Ao encerrar seu parco, mas digno almoço, pediu licença aos demais, levantou-se e foi para o quarto. Sentou-se no chão com caderno, lápis e compôs sua segunda música1.
Você deve alimentar-se se quiser sobreviver/Deve trabalhar se quiser alimentar-se/Deve pensar se quiser trabalhar/Deve olhar prá realidade se quiser pensar
Coro: Se quiser saber o que fazer/Se quiser saber que objetivos escolher/Se quiser saber como atingí-los…este é o preço da escolha de viver! Aynitta! Aynitta! Aynitta! Ela escolheu!
Seus olhos brilhavam enquanto buscava acertar o tom na melodia hiphopiana que acabara de criar. A cada nova tentativa, gargalhava ao se ver como parte da letra da música. A sensação de que era sua a escolha do que fazer de sua própria existência enchia seu coração de alegria sincera.
No restante da tarde os deveres do colégio foram esquecidos e Aynitta se dedicou a refinar a nova música. Não bastaria apenas fazer a letra e pensar nos elementos musicais de sua masterpiece. Não. Ela tinha que pensar também no figurino, na dança, todos os elementos de seu clipe musical. Aynitta tinha traços wagnerianos…
Exaurida, ao pôr do sol, fez os deveres de casa rapidamente e desmaiou em sua cama. Naquela noite, sonharia que era uma centuriã romana (ou seria uma amazona?) em plena conquista de territórios bárbaros ao som de suas músicas.
II
Aynitta estava incomodada. Nunca era boa coisa estar na sala da diretora. Qualquer estudante sabe: sala da diretora é sinônimo de bronca.
‘- Aynitta, minha querida, vou precisar da assinatura eletrônica dos seus pais no boletim de ocorrência no app da escola.’
A escola de Aynitta tinha um app (um aplicativo). Mas era um app muito ruim. Sempre travava. Deslumbrada por uma sugestão do professor de Física, Romualdo Castanheiras, a diretora Ivete Romanoff gastou uma significativa quantia no aplicativo que se revelou um fracasso completo. Daí que insistisse em se salvar obrigando pais e alunos a usarem o mesmo, sempre pedindo que dessem ‘likes’ ao fim de qualquer procedimento.
‘- Diretora, a senhora acha mesmo que preciso do aplicativo? Não seria melhor a senhora imprimir…?
- Não, Aynittinha. Não. Veja, o aplicativo é tão bom. Trava umas vezes, mas é problema do 4g.
- Entendo, diretora. Mas, veja, por que minha a ocorrência? A escola diz que estimula a pluralidade de ideias, a diversidade…
- Sim, Aynitta. Mas não é assim. A liberdade tem limites.
- Quais são?
- Os dos desfavorecidos.
- Quem são?
- Ah, você sabe, Aynitta. Você é menina, é uma delas…
- Sou não, diretora.
- Aynitta, por gentileza, não vamos começar de novo.’
Incomodava não só a ela, mas a todos do colégio a proposital indefinição da diretora quando o assunto eram os tais ‘limites da liberdade’. Ora não se podia ofender os palmeirenses, ora as mulheres, ora os pobres. Parecia que a diretora selecionava os seus ‘desfavorecidos’ conforme a conveniência do momento.
De todo modo, Aynitta ponderou que não seria uma boa ideia para sua futura carreira de cantora de sucesso continuar a protestar naquele momento. Capitulou e, mais tarde, no aplicativo, a diretora recebeu o boletim de ocorrência assinado pelo pai de Aynitta (na verdade, por ela mesma, já que o aplicativo, como dito, tinha falhas…).
Mais tarde, naquele mesmo dia, começaria a escrever um diário. Para ela, suas anotações pessoais pavimentariam seu caminho para o sucesso. Um caminho com tijolos dourados? Até aquele momento, ela não sabia.
Com o lápis na mão e olhando para o céu poluído do entardecer, encheu-se de renovada inspiração. Sua nova música lhe veio à mente como uma trilha sonora de um filme épico. Com (ou sem) sua licença, vou repetí-la.
Você deve alimentar-se se quiser sobreviver/Deve trabalhar se quiser alimentar-se/Deve pensar se quiser trabalhar/Deve olhar prá realidade se quiser pensar
Coro: Se quiser saber o que fazer/Se quiser saber que objetivos escolher/Se quiser saber como atingí-los…este é o preço da escolha de viver! Aynitta! Aynitta! Aynitta! Ela escolheu!
Rabiscou algumas frases no caderno e, corrigindo-se com rigor, gerou um pequeno parágrafo Aynittiano. Sorrindo, pensou que aquele pequeno texto seria a melhor representação de sua alegria, naquela fase de sua vida. Seria seu registro inicial para a posteridade? Talvez.
O trecho ficaria famoso, em seus anos de sucesso como cantora, mas vou revelá-lo a você aqui, agora. Ei-lo.
Há milhares de anos, o primeiro homem descobriu como se fazia o fogo. Provavelmente foi queimado na fogueira que ensinou seus irmãos a acender. Foi considerado um malfeitor que se envolveu com um demônio que os humanos temiam2.
Quando terminou, a lua já havia tomado seu lugar no céu e Aynitta dormiu, sonhando com carneirinhos que não pulavam a cerca. Bem, alguns andavam em círculos, respeitando os direitos de propriedade e outros pagavam um pedágio para pular a cerca. Nascia ali, mais um insight para novas músicas e para suas ideias sobre a sociedade ideal.
FIM
p.s. Aynitta voltará em Com Aynitta Só Se Vive Duas Vezes. (voltará mesmo, já comecei a rascunhar)
p.s2. a melodia do hip-hop da Aynitta está aqui, para quem quiser cantar.
Didático-Pedagógicas - Houve um dia, na sala de aula, em que vi, pela enésima vez, como funciona a mente de um aluno universitário mediano. Discutíamos lá algo sobre a não-estacionaridade de uma série de tempo.
Voltei com uma ideia que já havia mencionado em turmas anteriores (com o apoio de alguns iluminados e igualmente bem-humorados alunos, obviamente, dois desvios-padrões distantes do seu congênere mediano…).
Diante daquela nata de alunos (a faculdade tinha a maior mensalidade da cidade), tão afeitos ao discurso da excelência, abri minha boca grande e disse:
O trabalho da disciplina deveria ser um só: prever o valor da taxa de câmbio. As notas seriam de acordo com a capacidade do modelo de errar menos.
Foi um alvoroço. Polêmica em sala. Simulação de início de choro. Alguns protestos (podem ou não ser paráfrases do que foi dito).
‘- Como assim, você vai avaliar melhor quem errar menos?’
‘- Cadê a meritocracia?’
‘- E meu problema de asma?’
Foi um momento de epifania? Não. Já havia visto isto várias vezes e nada de novo me foi revelado nesta ocasião.
Uma ótima piada com as turmas de alunos, em situações como esta, é que sempre um espirituoso propõe:
‘- Professor, é uma ótima ideia…para as próximas turmas!’
O Brasil é, ou não é o país do futuro, desde sempre? Hein? Hein?
Mais didático-pedagógicas - Certa vez, um aluno me parou no corredor na véspera da semana de provas e disparou a pergunta clássica.
‘- Professor, sua prova está difícil?’
Foi então, naquele momento (este sim, um de epifania!), que criei a resposta que passaria a usar desde sempre.
‘- Não. Está impossível.’
O aluno, claro, reagiu: ‘-Mas, professor, o que é isso? Sério?’
‘- Se eu disser que está fácil, você acredita?’, retruquei.
E ele, claro: ‘- Não!’
Ao que lhe devolvi: ‘- Pois é…’
Tem algo irônico mesmo na dinâmica de sala de aula em períodos de avaliação. Uma constante das provas é que, vez por outra, você coloca uma questão fácil para ajudar o aluno.
Em 95% das vezes, os alunos desconfiam e entram em uma paranoia de que aquilo é uma pegadinha, uma armadilha e, claro, erram a questão mais fácil da prova. A lição é que você jamais deve dar uma chance tão fácil. Criança pede limites, aluno universitário pede questões difíceis.
Ah, e outra lição, que não tem nada a ver com esta, mas é importante mencionar: a amizade entre alunos e professor existe desde o início do curso até a primeira avaliação. Pode perguntar para quem você quiser. É verdade.
Gorda - Se A Humanidade é uma Gorda dançando em um Banquinho, como afirma Alexandre Soares Silva, cabe perguntar: o banquinho tem três ou quatro pernas? Sim, porque todo mundo, em mesa de bar, festa ou grupo de zapzap sempre diz: ah, mas o banquinho tem que ter três pernas, porque, sabe, o equilíbrio…Trata-se, pois, de uma questão importante. Vai que a humanidade cai do banquinho e bate com a cabeça no chão?
O que me leva a pensar se não existe um lobby da guilda dos madeireiros que empurrou para a humanidade uma diabólica cadeira de quatro pés (aliás, não é este um devastador ataque ao meio-ambiente?)3. Daria um ótimo documentário para o Netflix. Ou, claro, existem outras razões menos conspiratórias, Felipe.
Candidato - Juó Bananére é meu candidato para a presidência desta república. Não tanto porque eu pense que seu sobrenome combina com a república, mas porque é o único capaz de colocar ordem no galinheiro. Penso seriamente em seguir elaborando seu plano de governo (na verdade, já comecei a rascunhar).
Não leu sobre este novo - e sensacional - candidato? Tá aqui, ó.
Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
O trecho é mencionado em Objetivismo - a filosofia de Ayn Rand, de Leonard Peikoff (publicado por aqui pelo Ateneu Objetivista, em 2000).
É, é do A Nascente.
Para jogar no boteco: por que será que não temos três pernas?