Arnold Toynbee, Arnold J. Toynbee, Helio Jaguaribe e o Colapso da Razão
O colapso da razão é só um chavão vazio, mas que chama a atenção. Do resto eu falo mesmo...
Bom dia. Aqui estamos nós, novamente. Como um homem nunca se banha duas vezes no mesmo rio, este é o v(1), n(43) desta newsletter, não o n(42) ou sequer o n(44).
Você talvez seja novo por estas bandas. Então, rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
De onde, afinal, surgiu o sobrenome Toynbee? - Não sei. Mas acho curioso que existam dois famosos quase homônimos: Arnold Toynbee e Arnold J. Toynbee. Do primeiro, lembro-me de ter lido que teria cunhado (ou popularizado) o termo Revolução Industrial.
Toynbee is widely accepted as the historian who ushered the expression "the industrial revolution" into the English language. Although French and German commentators had used this term in the early nineteenth century, English use had been rare and inconsistent until the posthumous publication of Toynbee's Lectures on the Industrial Revolution in England. [Fonte: o verbete de que lhe falei logo ali em cima, rola a barra lateral aí que é fácil.]
Segundo leio na Wikipedia em língua inglesa (a única na qual tenho alguma confiança na qualidade dos verbetes em 98% dos casos), ele era tio do Arnold J. Toynbee que, para mim, ficou famoso por não conseguir parar de escrever.
Lembro-me de que, na antiga biblioteca da faculdade, o seu A Study of History, em não sei quantos volumes, ficava em um canto empoeirado de uma estante. Acho que só eu arrisquei - em uma época em que meu conhecimento de inglês era rudimentar - ler um ou outro capítulo de um dos livros1.
Era quase um desafio e um prêmio ler estes livros empoeirados, devo destacar (inclusive, destacando a frase do que seria o final do parágrafo anterior).
Como cheguei em Toynbee? Na minha juventude universitária, eu tinha simpatias pelos escritos do Hélio Jaguaribe e seus planos grandiloquentes para o futuro do país. Jaguaribe tinha um estilo ‘direto ao ponto’, nada rocambolesco, que me agradava. Pelo menos é assim que me lembro de seus textos.
A despeito de ter ficado famoso nos anos 50 por escrever, em sua época de ISEB (o instituto que uniu direita e esquerda em torno de uma tentativa de criar uma ideologia nacional-desenvolvimentista), que o PCB deveria ser proibido no país, sua fama de não-autoritário, creio, prevaleceu (a despeito de seus desafetos e detratores).
Sobre este episódio, eis uma curiosidade. Nos anos 80, naqueles tempos de Tancredo-Sarney, fiquei sabendo (a gente ficava sabendo, cara, não tinha internet) que Hélio Jaguaribe estaria em um evento promovido…pelo PC do B na Câmara Municipal, com um pessoal do partido comunista da Coréia do Norte.
Como Júlio César, eu fui, vi e…voltei. Sou testemunha de que Jaguaribe, em suas palavras iniciais, desculpou-se, digamos assim, pelo que escreveu nos anos 50, dizendo (falo de memória, ok?) que os comunistas de da época (anos 80) não eram tão autoritários quanto os dos anos 502…
Durante a era Collor, quando assumiu brevemente um cargo, acho que no CNPq, ele usaria o mesmo argumento (“X não é mais tão <insira qualidade ruim> quanto antes”) para justificar sua entrada no governo (ele era do PSDB e, naquele momento, o partido e Collor não tinham um bom relacionamento).
Polêmico, não ficou muito tempo no cargo e, claro, ainda houve o impeachment. Foi mais ou menos nesta época que perdi o interesse pelo que ele escrevia. Ainda tenho livros dele comigo…
Não, não terminou. Eu comecei a falar do Jaguaribe por causa do Toynbee. É que lá nos anos 90, Jaguaribe usou uns conceitos do Toynbee em um pequeno ensaio que me impressionou muito (eu era muito impressionável). Ainda tenho o livro, mas ele se perdeu na bagunça que está a minha biblioteca.
Uma nota final: o caso dos Arnolds mostra a importância de não ignorar o nome do meio. Quantos alunos já não devem ter escritos ensaios em suas provas ou trabalhos sobre Toynbee chamando-o apenas de Arnold Toynbee?3 Você foi um deles? Não se incomoda em comentar? Aí está o botão de comentários.
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Exercício - O Alexandre Soares Silva, em sua última newsletter, falou de um bom exercício para quem gosta de escrever. Cito.
Como vencer o medo de achar que não sabe escrever corretamente?
Pensei um pouco antes de escrever (raridade) porque quero dar um conselho que seja útil, porque quero que você, especificamente você, escreva bastante. Você já leu “The Artist’s Way”, de Julia Cameron? Não é um bom livro, mas logo no início ela descreve um exercício, Morning Pages, que é útil. Imagine que logo ao acordar (mas na verdade pode ser qualquer hora) você abra um caderno e escreva duas páginas o mais rápido possível, sem hesitação nem planejamento. Simplesmente sai escrevendo sem se importar com escrever bem ou até em escrever algo com sentido. Algo, por exemplo, do tipo: “E agora, que vou escrever, tenho duas páginas para escrever e nenhuma idéia”, etc etc. Não é pra mostrar pra ninguém, é só um exercício. Pode parecer bobo. O objetivo é só se destravar mesmo. Funciona muito.
Meu testemunho: funciona. Recomendo demais!
Governança Radical - Algumas reflexões sobre o Estado (governo) e a sociedade estão na ótima RSP Special Issue in Honor of Jorge Vianna Monteiro. O número tem cinco ótimos artigos, todos em inglês. Destaco o leading article do Michael Munger (um ex-presidente da Public Choice Society) e do seu coautor Kevin Grier (que, juntamente com Tullock, escreveu artigo famoso sobre crescimento do consumo governamental e crescimento econômico)4. Confere lá.
A influência do Daoísmo (Taoísmo) na religião Shintoísta (Xintoísta) - Tema para especialistas, claro. Mas o artigo é bem legível. Trecho curioso:
By the third century CE, the Chinese had already been curious about the Japanese archipelago for some time. In 219 BCE, the imperial unifier Qin Shihuang 秦始皇 is said to have sent the fangshi 方士 (occult specialist) Xu Fu 徐福 in search of shenyao 神藥 (“divine medicine”), in pursuit of which he is thought to have explored the fabled eastern islands inhabited by Daoist immortals, identified with Japan in the Chinese imaginary. [Richey JL. Daoist Cosmogony in the Kojiki 古事記 Preface. Religions. 2021; 12(9):761. https://doi.org/10.3390/rel12090761]
Para conhecimento - Tem gente que tenta dar um toque humano a mensagens que envia. Faz parte. Mas é engraçado como alguns só consigam enviar mensagens com duas palavras: “para” e “conhecimento” na super-desumanizada expressão ‘para conhecimento’. A sensação, do destinatário, é que um robô enviou a mensagem.
Claro, o outro extremo é o sujeito que floreia tudo com emojis. A mensagem se parece com um carro alegórico de carnaval e não me prende a atenção por dois segundos. Suspeito que uma terceira via é possível…
Ficamos por aqui. Tenha um ótimo dia e até a próxima.
Fico agradecido se puder compartilhar o conteúdo com seus amigos e…
…se em um acesso de loucura, você resolver assinar…
Anos depois eu compraria a única edição que conheço, em português, A Study of History. Não exatamente, para ser sincero. O livrão, capa dura e tudo o mais (Martins Fontes, aquela editora cuidadosa…) é, salvo engano, apenas um resumo dos 12 volumes originais. É destes livros que prometi ler um dia, quando estiver velho. Mesmo não sendo mais um entusiasta da visão do autor, é fato que não consigo me desfazer dele. Talvez seja uma doença, uma mania ou um apego desmedido a um passado (ou a um futuro que nunca será).
Ele não chegou a viver para ver a era do cancelamento e do politicamente correto. Não deixa de ser engraçado lembrar de seu momento ‘cancelador’ nos anos 50…
Neste sentido, destaco que você pode se referir a mim como Claudio D. Shikida ou Claudio Shikida. A família ainda não cresceu a ponto de gerar homônimos.
Ele também tem um artigo mostrando que Hugo Chavez não foi lá grandes coisas.
Eu tenho esse resumo da Martins Fontes. E mais os 12 volumes da edição original. E mais pelo menos uma meia dúzia de outros livros do Toynbee — por quem também me fascinei na época da faculdade. Mas só li um, e isso há uns vinte anos: “Hellenism, the History of a Civilization”. (Que, nas vagas lembranças que ainda tenho, é muitíssimo bom.)