A educação é importante, mas não vem sem custos (e outros temas)
Educação, totalitarismo, terrorismo...será que há uma relação? Ou mais de uma?
Bom dia. Este é o v(1), n(40)…ou seja, o quadragésimo número desta newsletter! Desta vez, ela chega até você com um dia de antecedência por motivos (mais ou menos) alheios à minha vontade.
Você talvez seja novo aqui. Então, rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
Educação - Eu havia começado a esboçar um texto sobre educação quando o Pedro Sette me soltou esta ótima bomba defendendo a extinção de qualquer ministério da educação. Você deveria ler o texto dele. É muito bom. Mas eis meu esboço, incompleto, mas com alguns elementos que, espero, despertem alguma reflexão sobre o tema.
Sobre o texto do Pedro, sim, há sempre uma polêmica falsa quando se fala em extinguir um órgão regulador que é a de que, supostamente, defender o fim do órgão regulador signifique ser contra o alvo da regulação em si. Afinal, posso ser um defensor do fim do ministério da educação porque acredito que a melhor educação possa ser obtida de outra forma.
Ademais, não é objetivo declarado da turma que fala do uso de evidências em políticas públicas que algumas delas sejam extintas quando as evidências mostrem que elas custam mais do que geram em benefícios?
A educação sem dúvida é um tema que gera discussões bem engraçadas. Alguns dizem que o tema é politicamente neutro, mas se revoltam quando mulheres são expulsas de escolas por radicais islâmicos. Outros dizem que a educação precisa ser para todos, mas que se não pode ensinar certas coisas (ou que algumas coisas deveriam ser compulsoriamente ensinadas).
Como disse Lott Jr, em pequeno artigo de 19871:
“(…) public provision [of education] was not necessarily the historical product of a belief that children would otherwise go uneducated, but rather of a belief that they were receiving the wrong type of education”. [Lott Jr (1987), p.480]
Do ponto-de-vista econômico, uma visão superficial afirma que a educação seria algo que geraria externalidades positivas e, portanto, deveria ser merecedora de subsídios2. A despeito dos méritos desta visão simples, a realidade nos mostra que a educação pode ter externalidades negativas. Um exemplo? O mesmo conhecimento técnico que gera uma economia mais digital é também o que gera novas fraudes.
A educação talibã e o trecho de Lott acima nos dizem que políticos têm um apreço muito grande pela educação, mas nem sempre por motivos altruístas. Talvez tenham apreço mesmo é pela regulação da educação (o que não significa que haja gente altruísta por aí…).
Há quem pense que Lott exagera ao enfatizar que a relação entre educação e políticos seja, muitas vezes, muito mais determinante para explicar a regulação da educação do que a relação entre educação e famílias. Contudo, veja o que disse um jornal brasileiro quando a insurreição pernambucana foi devidamente derrotada, lá em 1824.
É necessário ver os berços da nova geração, as escolas públicas, examinar mui circunspectamente a capacidade dos mestres, o plano da instrução, inspecionar a marcha da religião, reparar as brechas que lhes deixaram os indignos ministros do santuário. [Diário Fluminense, 11.x.1824, citado por Evaldo Cabral de Mello, A Outra Independência - o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, Editora 34, 2a ed, 2014, p.236]
Em outras palavras, o jornal defende, abertamente que a educação sirva para a doutrinação ideológica. Evidências empíricas? Gostaria de ver mais pesquisas sobre isto, mas outro artigo de Lott, de 19993, usando dados de vários países, concluiu que:
Totalitarian governments and governments with high transfers spend a lot on public education and are likely to own television stations. This cannot be explained simply by greater involvement in all sectors, as data on health care show. (…) A similar relationship was also found for public educational expenditures during Eastern Europe’s and the former Soviet Union’s recent transition from communism. [Lott Jr (1999), p.1154]
Alguns acham que ideologia não é tão importante assim. Há até quem diga que o professor tem uma infraestrutura tão precária que “não tenha tempo de fazer pregação ideológica”. O argumento tem lá seu apelo, mas me parece que, em certos contextos, escolas com infraestrutura precárias, tornam mais barato vender pregação ideológica aos alunos.
Falando em ideologia e educação, não pense que o problema se resume aos cabeludos das faculdades de humanas. De fato, há evidências de que este pessoal esteja muito presente entre grupos radicais da esquerda. Por outro lado, o pessoal das engenharias aparece entre grupos de radicais da direita e, também, entre grupos radicais islâmicos de corte mais religioso4.
Como é que eu sei disso? Diego Gambetta e Steffen Hertog publicaram um livro, em 2017, sobre a relação entre a educação e a violência. É o Engineers of Jihad: the curious connection between violent extremism and education. Publicado pela Princeton University Press.
Obviamente, nem todo engenheiro está no ISIS e nem todo filósofo está nas FARC. Mas os padrões encontrados no livro de Gambetta e Hertog lançam interessantes questões sobre se há mesmo certos traços psicológicos que levam as pessoas a radicalismos do tipo A ou B. Livro interessante e importante para se entender a racionalidade de alguns terroristas.
Outro ponto que deve ser considerado quando se fala em educação é que muitas vezes o desempenho do indivíduo em um processo seletivo tido pela sociedade como custoso é uma forma de sinalizar produtividade. Em português: quando um jovem de 17 anos é aprovado em uma universidade de ponta, ele sinaliza ao mercado de trabalho que é muito bom em certas habilidades (skills).
Esta descrição, contudo, nem sempre descreve bem a realidade. Há autores que pensam que, em muitas situações, há mais sinalização do que aperfeiçoamento no capital humano (o vocábulo dos economistas para ‘educação’) dos alunos. Este é, por exemplo, o ponto de Bryan Caplan em seu The Case Against Education: Why the Education System Is a Waste of Time and Money.
Caplan argues that the primary function of education is not to enhance students' skills but to certify their intelligence, conscientiousness, and conformity—attributes that are valued by employers. He ultimately estimates that approximately 80% of individuals' return to education is the result of signaling, with the remainder due to human capital accumulation. [Fonte: Verbete sobre o livro na Wikipedia]
Organizando um pouco as ideias: comecei com a menção a um texto que propôs o fim do Ministério da Educação brasileiro (mas o apelo do texto é mais geral, se entendi bem). Prossegui com uma breve qualificação da ingênua noção de que educação é algo que só tem consequências positivas para a sociedade, mostrando que há alguma evidência empírica de que grupos de interesse podem se interessar em aspectos doutrinários da educação.
Em seguida, mencionei de passagem o argumento de Gambetta e Hertog de que diferentes áreas do conhecimento humano usam (e reforçam?) traços psicológicos que são importantes no voluntariado de alguns indivíduos em ações terroristas o que, claro, não é culpa da educação em si, mas é algo que talvez mereça algum estudo adicional5.
Por fim, traços psicológicos são novamente mencionados como principais atributos procurados por recrutadores do mercado de trabalho mais tradicional (os que não envolvem terroristas) no polêmico livro de Caplan sobre o funcionamento do modelo educacional (predominantemente, o norte-americano).
Diante disto tudo, pergunto: vale a pena pensar em alternativas para a educação? A resposta é óbvia: sim. A ideia de charter schools, vouchers ou outros temas que mexem com o status quo (que entrega e tem entregado resultados bem ruins em exames internacionais como o PISA) entusiasma muito pais e estudantes, o que é um bom sinal.
Sei que não uni as pontas no texto de hoje. Mesmo assim, espero ter jogado alguma lenha na fogueira. Que o fogo dure.
O capitalismo e o BLM - Magatte Wade acha que mais trocas voluntárias (i.e., mercados) são ótimas para os afroamericanos. Eu diria que há até um aspecto das trocas voluntárias que a autora poderia ter ressaltado, qual seja, o aspecto moral. Virgil Henry Storr e Ginny Seung Choi e seu Do Markets Corrupt Our Morals? merecem menção aqui6.
Markets are not, in fact, the monsters, transforming us into evil creatures, that so many accuse them of being. Instead, there is compelling evidence that markets are moral spaces that not only depend on virtue but also rewards virtue while punishing vice. The moral critics of markets are correct that we cannot engage in market activities and emerge unaffected by the experience. We are changed and, arguably quite profoundly, by our dealings in the market. But, contrary to what some may believe, we are changed for the better. [Do Markets Corrupt Pur Morals? (2019), no Kindle]
Sem dúvida, tanto Wade quanto Storr e Choi estão em uma grande conversa que é relacionada com a dos estudos sobre a liberdade econômica (tema de um número anterior, no qual falei sobre sua mensuração no caso brasileiro, destacando o curioso caso de Roraima).
Um tema, aliás, importante para uma boa discussão sobre o desenvolvimento econômico e que passa por uma discussão sobre regulação e sobre burocracias para a abertura de novos negócios. O gráfico abaixo, a propósito, mostra que nem sempre mais regulação é mais prosperidade ou menos desigualdade. No mínimo, é preciso um pouco mais de ceticismo…
![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fbucketeer-e05bbc84-baa3-437e-9518-adb32be77984.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F2afcb461-c77f-470d-91f8-af5679acaab9_929x589.png)
A Operation Warp Speed: uma parceria público-privada que deu certo? - Uma pouco conhecida iniciativa, a Operation Warp Speed (OWS), foi uma parceria público-privada de sucesso na geração de vacinas contra a Covid-19. A administração Trump poderia ter feito mais propaganda deste ótimo programa. Perdeu a oportunidade, sr. Trump! Mais detalhes sobre a OWS no Marginal Revolution.
Lucas Mafaldo - Lucas Mafaldo, finalmente, rendeu-se ao Substack. Não podia ficar melhor? Ficou.
A literatura infantil como alvo de ataques - Uma carta preocupante de um autor de livros infantis sobre o patrulhamento ideológico travestido de engajamento social (politicamente correto). Eu me pergunto se os mesmos patrulhadores não teriam, há alguns anos, pedido ao STF que proibisse o filme “A Vida é Bela”. Afinal, ele também mostra momentos de alegria dentro de um campo de concentração7. Nos anos da ditadura, seus antepassados implicaram com Je vous salue, Marie.
Por hoje é só, pessoal. Espero que tenha encontrado aqui algo interessante. Caso queira, deixe um comentário. Uma propaganda aí, com os amigos também ajuda. A gente se vê no final de semana. Até lá, fique bem!
LOTT, J. R. Why Is Education Publicly Provided? a Critical Survey. The Cato Journal, v. 7, n. 2, p. 475–501, 1987.
Há um mérito didático-pedagógico nesta visão, claro. Todo aluno de graduação deveria ser apresentado a ela em primeiro lugar. Contudo, um segundo passo consiste em perceber que, como dizem, a coisa não é tão simples assim.
LOTT, J. R. Public schooling, indoctrination, and totalitarianism. Journal of Political Economy, v. 107, n. 6 PART 2, 1999.
Grupos mais Hamas e menos Fatah, por assim dizer. Note: radicalismo em si não é um problema…até que se transforme em propensão ao terrorismo.
Por exemplo: que métodos pedagógicos podem ser usados para que alunos não sejam tão atraídos por radicalismos de direita ou de esquerda? Duvido que os ardentes defensores e detratores do socialista Paulo Freire tenham uma resposta boa.
Outro ótimo trecho do livro: “Indeed, market societies suffer from less corruption than nonmarket societies (Fig. 5.4). Multiple studies found a negative relationship between economic freedom and corruption (e.g. Chafuen and Guzmàn 2000; Paldam 2002; Graeff and Mehlkop 2003; Shen and Williamson 2005; Carden and Verdon 2010). Shen and Williamson (2005: 340) found that “a very open economy – free of government restrictions [i.e. economically free countries] – is generally associated with lower levels of corruption.” Similarly, Goel and Nelson’s (2005) analysis revealed that economic freedom was more effective than political freedom in curbing corruption.”
Imagino que este pessoal não consiga assistir um filme como O Porteiro da Noite sem entrar em pânico.