Uns ombros. Reciclagem. Radicalismos. Celebrações. Teto de Gastos. Notinha de premiação.
Na Gademia só entra os anarfabeto. (Juó Bananére, 1913)
Chegou o v(2), n(94) da newsletter, implorando para que você entenda o melhor (para você e para mim) significado de ‘não se esqueça jamais de sua história’. Tudo o que esta frase não quer dizer é: ‘lembre-se apenas do que te deixa feliz e confortável’.
Uns ombros - Foi numa manhã ensolarada de sábado que, caminhando despretensiosamente pelas lojas de um grande shopping de Belo Horizonte, Jardel tropeçou em uma pedra que não deveria estar ali e, para não cair com as fuças no asfalto, teve que se agarrar na primeira coisa que viu, no caso, os ombros da bela Marina, vendedora de uma loja de sapatos que vinha a caminho do trabalho.
Envergonhado e agradecido, diante da assustada Marina, Jardel se desculpou repetidas vezes. Afinal, Marina só não foi ao chão porque Jardel estava abaixo do seu peso e, apesar de sua falta de habilidade com as mulheres, na ocasião descobriu que, pelo menos quanto a torcar em ombros femininos, ele era um craque.
Tendo percebido que o desajeitado sujeito não iria paquerá-la jogando-se sobre ela (apesar de que, hoje em dia, as cantadas têm variado na criatividade e no mau gosto), Marina deixou claro que o desculpava, sorriu e entrou na loja de sapatos, deixando um assustado Jardel de pé, trêmulo, na calçada.
Eu disse ‘de pé, trêmulo’ e o leitor pode ter pensado que Jardel estava em choque. Bem, de certo modo, sim. E era um choque duplo. Os ombros da vendedora haviam despertado nele uma paixão súbita. É, como dizem, um caso de amor à primeira vista. Neste caso, literalmente.
Jardel não conseguiu mais parar de pensar nos ombros de Marina. Seu passeio foi abreviado. Ele não conseguia sair de perto da loja de sapatos. Observava-a do lado de fora da loja, sempre mirando seus ombros. Ficou por ali mais ou menos uma hora até o corpo lhe exigir o retorno para casa.
Na cama, Jardel olhava para o teto e visualizava, por diversos ângulos, seu primeiro ‘encontro’ com Marina. Inevitavelmente, os ombros eram o elemento principal de sua animada imaginação. Dormiu exausto. Sonhou com uma partida de futebol o que, inclusive, ajudou-o a relaxar.
Na manhã seguinte procurou seu amigo, o dono da padaria, o seu Seabra. Pediu um café e ovos mexidos. Sentou-se à mesa e contou ao amigo a forma pouco usual pela qual se apaixonara. Seu Seabra ouviu-o atentamente. Não ia dar de ombros ao amigo numa situação desta (ainda mais que ombros, agora…).
‘- Jardel, você nem reparou nos pés dela?
- Não.
- No rosto?
- Não.
- Bunda? Pernas? Nada?
- Não, seu Seabra. Só nos ombros. Quando os toquei, uau…uma sensação algo que nunca havia experimentado…
- Coração acelerou?
- Isso!
- Entendo…’
Jardel terminou seus ovos mexidos, mas continuou com o café e a conversa com seu Seabra que o aconselhou a vencer sua timidez e falar com Marina. Talvez não precisasse mencionar os ombros. Chamá-la para um café (de preferência, em sua (na do seu Seabra) padaria) poderia ser uma boa idéia.
Ponderou Jardel que talvez esta fosse mesmo uma abordagem promissora. Em casa, traçou um plano - não traçava planos para abordar mulheres desde o colégio - para conversar com Marina na sapataria. Simularia um freguês comum e, quando surgisse a oportunidade, iria se declarar e convidá-la para um café.
No dia seguinte, acordou bem cedo, tomou um banho caprichado e colocou sua melhor roupa. Repassou as falas prováveis que ensaiara. Tomou um café mais modesto afim de evitar surpresas indesejadas. Queria deixar as borboletas livres em seu estômago. Controlou a leve tremedeira da ansiedade, abriu a porta de casa e saiu.
Quando Jonathan, o gerente, chegou para abrir a sapataria, Jardel já estava à espera, de pé, a poucos metros. No meio do caminho, passou por uma floricultura e perdeu uns dez minutos refletindo se não seria demais comprar uma rosa para Marina. A prudência venceu o entusiasmo. Deixou apenas os dez minutos de seu tempo para a vendedora e nem um centavo.
Claro que esta mudança no trajeto planejado gerou um certo nervosismo extra que, no momento em que Jonathan abria a loja, desaparecia lentamente de seu coração apaixonadíssimo. Imagens dos ombros de Marina não bailavam em sua mente. Não senhor: praticamente, pulavam como se estivessem em um show de rock.
Marina finalmente chegou. Jardel quase deu um pulo ao vê-la. Conteve sua ansiedade pois, afinal, ela nem estava com o avental, uniforme da loja. Deu uns dez minutos e simulou uma calma caminhada até a loja. Ia apreciando as nuvens e o crescente movimento da rua quando deu de encontro com a mesma pedra que o jogara nos braços de Marina.
Quase caiu. Para sua sorte, Laura, a outra vendedora, chegava em passo apertado, para o trabalho. Em uma segunda versão do ocorrido, agarrou-se aos seus ombros. Laura não era tão forte quanto Marina e foram ambos ao chão, com os lábios de Jardel se chocando violentamente aos dela. Sem romance, sem intenção, apenas o incômodo do quase beijo involuntário.
Laura e Jardel se ajudaram e se colocaram de pé. Jardel reparou que Laura havia machucado o cotovelo direito e ofereceu-se para levá-la até a farmácia da esquina. Dali para um café foi um pulo (não um tropeço, mas um pulo). Saíram mais algumas vezes juntos e o relacionamento frutificou.
O dia do casamento chegou. Laura entrou na igreja de Lourdes para a alegria de Jardel que a esperava visivelmente emocionado. Quando subiu ao altar, Laura tropeçou e se apoiou nos ombros do padre.
FIM (?)
Reciclagem - Já mencionei o tópico aqui, anteriormente. Eis um novo artigo sobre o tema, de autoria do Erik Figueiredo. Dê uma olhada lá (e se você já leu Ronald Coase, vai gostar, aposto).
A extrema-esquerda - A esquerda precisa se reinventar? Parece que sim. Deixou-se dominar por radicais e perdeu muito de sua capacidade de diálogo. Não é só a direita que tem seus radicais.
O bom é que há gente, tanto à esquerda, quanto à direita alertando para o problema, com crescente (mas lenta) frequência. O último - e caro - apanhado diz respeito a um subgrupo da extrema-esquerda, o dos identitários. Há lá capítulos de gente muito boa como Barbara Maidel e Eli Vieira Jr.
Radicais são assim: tomam uma pauta legítima, popular (até certo ponto), com um público-alvo bem definido e radicalizam de forma a tribalizar o público-alvo. A mágica do radical é que ele faz com que o público-alvo se sinta mais e mais feliz em sua tribalização (e, portanto, distanciamento do resto da sociedade). É como pertencer a um clube exclusivo, premium, pagando ‘apenas’ com o rompimento de relações com amigos, mães, pais, etc.
Radicais barateiam a intolerância.
Vamos queimar livros? Ou documentos? Caçem as bruxas de Salem! - A propósito, infelizmente, o radicalismo levou até a apelos para a queima de documentos históricos.
Para quem preza pelo passado, independentemente de julgamentos de valor (ou não existiriam museus que vão desde as artes até ao holocausto), é temerário ver que há pessoas defendendo a queima de documentos públicos e históricos.
Sobre o respeito à história, aliás… - Sobre respeitar a história sem se preocupar com o que a mesma representou neste ou naquele período, considere a Revista do Serviço Público que, em 2022, completou 85 anos. Com poucas interrupções, o periódico evoluiu de um quase-boletim sobre a gestão de pessoas no governo Vargas para um journal acadêmico.
Seu acervo, totalmente digitalizado, estará totalmente online até o dia 29, na próxima semana. Por que o dia 29? Porque é quando haverá o evento comemorativo dos 85 anos da revista. O esforço de disponibilização das edições históricas veio já de equipes editoriais anteriores. Ao assumir a editoria, a nova equipe não clamou pela ‘queima’ de números anteriores. Pelo contrário, valorizando a importância da história, foi feito um esforço para que pesquisadores, independentemente de seu viés ideológico, tivessem acesso às edições históricas.
Estão todos convidados para o evento. Caso você não possa estar presente, teremos transmissão no canal do YT da Enap e, não, eu não defendo que se destruam as edições correspondentes o período do autoritário e populista Getúlio Vargas. Respeito à história é bom e eu gosto.
Teto de gastos - É óbvio - exceto para quem ignora o básico ou age de má fé - que recursos são escassos e que restrições orçamentárias devem ser rígidas (salve, Janos Kornai!) para que um governo possa alocar recursos de forma menos ineficiente.
Também obviamente não é fácil discutir o tema de como escolher quando se tem poucos recursos à disposição. Contudo, democracias maduras o são porque conseguiram impor algum tipo de arranjo fiscal que não jogue para a população (atual ou futura) os custos de sua irresponsabilidade fiscal.
Neste sentido, se é para discutir o teto de gastos, que o seja de forma responsável. Pedro Nery fala de uma proposta, aqui.
Notinha de parabenização - A Enap, mencionada acima, recebeu, na última segunda-feira (21/11) um prêmio concedido pela Câmara dos Deputados. O presidente Diogo Costa esteve por lá. Sendo o Estado inevitável - máximo, mínimo ou algo entre os extremos - o importante é que seja digno dos impostos que o financiam (e que custam caro a todos os contribuintes, talvez mais aos mais pobres).
Na administração do presidente Diogo Costa, devo dizer, houve uma ênfase na importância de respostas ágeis do Estado. Não poderia ter sido mais feliz. Há algum tempo, eu disse que este tipo de Estado se identifica com o que chamei de governança radical. Foi neste texto (o do link) que mencionei um trecho escrito pelo próprio Diogo:
(...) a tomada de decisões no governo precisa ser ágil e efetiva para assegurar contratos bem desenhados e direitos de propriedade bem definidos. Isso significa uma agenda de reformas administrativas e políticas que deem capacidade de decisão aos gestores públicos, assim como reformas institucionais que reduzam a incerteza decisória de indivíduos, famílias e empresas – reformas que serão tema desta coluna que se inicia hoje.
O texto da coluna está no link do meu texto sobre governança radical e, perceba, leitor, o trecho mostra que não precisamos de qualquer reforma institucional. Precisamos de reformas que deem agilidade ao governo.
Arrisco a dizer que a transformação do Conselho Monetário Nacional, de um paquiderme com não sei quantos membros em um órgão efetivo, composto por três membros cujo conhecimento do tema é maior do que a média das pessoas é um exemplo de uma reforma assim.
Claro que você pode nomear uma anta para o conselho, mas as pessoas, por meio de apostas sobre os seus proventos poupados para a aposentadoria, ou seja, por meio do mercado, fazem-se ouvir rapidamente quando necessário…
Não tenho ilusões, mas bem que eu gostaria de um governo (e um Estado) mais ágil, permanentemente, em menos de cinco ou, na pior das hipóteses, dez anos…
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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