Um passeio pelas estantes - Shin Ultraman - Douglas Adams - Outros assuntos.
Qual o menor circo do mundo? A certidão de nascimento de um brasileiro. Só cabe um palhaço nela.
Neste v(3), n(37) inauguro a fase realmente semanal da newsletter. O volume de trabalho combinado com outras restrições me deixou em uma situação na qual eu poderia, perigosamente, correr o risco de diminuir a qualidade do meu conteúdo.
Melhor evitar.
Por isto estamos aqui. Vou experimentar o formato da edição às quartas. É sempre bom tentar manter a rotina. Por enquanto, vamos para este formato. Na melhor das hipóteses, volto às duas edições semanais. Na pior, bem, na pior eu já estou. Minha vida é um mar de lágrimas e desespero. Pronto, chorei.
Um passeio pelas estantes - Jonas era filho de um baleeiro, mas escolheu trabalhar com turismo. A vida não era fácil, no futuro, em 2026 (ou seria: ‘a vida não será fácil, no futuro, em 2026?’) e empreender podia render alguns trocados, a despeito do governo soviético do Brasil não olhar com bons olhos o empreendedorismo. Era sempre com um misto de medo e alegria que ele começava suas visitas guiadas com os turistas.
Geralmente, começava pelas estantes da entrada.
- Meus amigos, estas são as estantes.
- O que há nelas, senhor Jonas?
- Livros.
- Ohhhhh!! Qualquer livro? Como faço a busca?
- Ah sim, já vou explicar. Há uma organização aqui, sabe?
Pais e filhos ficavam surpresos. Acostumados a livros digitais cuja organização nunca era perfeita (eles sequer se lembravam dos livros que tinham), tudo aquilo era assustador e excitante.
Jonas explicava que existiam códigos (os mais jovens aplaudiam-no nestes momentos) para se identificar os livros. Quase sempre, ao se aproximar das prateleiras dos livros de Matemática, gesticulava teatralmente fazendo um discurso elogioso às conquistas humanas que imputava, inevitavelmente, à Matemática.
O ápice da viagem era quando ele explicava que a Computação estava intimamente ligada à Matemática. Não havia um único turista que não o aplaudisse, embora muitos deles não soubessem exatamente o que era Computação. Em 2026, a informação, controlada pela União dos Estados Soviéticos do Brasil (UESB) havia chegado a um nível tal que algumas palavras podiam ser banidas, mesmo que o STF não concordasse. Computação foi uma delas, acusada de ser excessivamente neoliberal.
Muitos turistas se perguntavam - e expressavam suas dúvidas ao nosso guia - acerca do funcionamento das bibliotecas.
- Antigamente tínhamos pessoas trabalhando aqui.
- Mesmo com a era digital?
- Sim. Porque sempre havia alguém com uma pergunta específica, sabe?
- Entendo. Só que eu acho os mecanismos de busca bem melhores…
- Eles são bons, concordo. Contudo, algumas pesquisas mostravam que a presença humana (de alguém que entendesse um pouco de livros, claro) tinha efeitos positivos…
- O que o senhor disse?
- Como?
- Pesquisa…o que é isto?
- Ah sim, uma tecnologia antiga, agora banida e substituída pelos Protocolos dos Sábios de Monte Sião, que define o que pode ou não ser estudado.
- Monte Sião, em Minas…?
- Isto. Foi onde se reuniram os juízes do STF e os sindicalistas, em 2024, no famoso Congresso Antifascista que identificou e baniu os disseminadores da ‘Pesquisa’.
- Graças a Deus.
- Sim…
Jonas não era exatamente alguém alinhado totalmente com as diretrizes do governo soviético brasileiro, mas, claro, não expressava suas discordâncias em público. Cuidadoso, tentava não despertar muita curiosidade nos turistas. Quando alguém se aventurava por perguntas que pudessem lhe trazer problemas com a polícia secreta, desviava a atenção dos interlocutores para uma estante pequena, ao fundo da biblioteca.
- Estão vendo ali?
- Sim.
- Ali é onde estão os livros de receita da Palmirinha.
- Oh!
- Uau!
- Incrível!! Ela ganhou algum prêmio na TV?
- Não, não. Na época não existiam estes programas…
Às vezes Jonas se perguntava se não teria sido melhor ser baleeiro, como o pai, em Santa Catarina. Talvez a vida fosse menos perigosa (caçar baleias também era uma atividade vista com maus olhos pelo governo soviético brasileiro, mas não tanto quanto mostrar bibliotecas para pessoas…).
Entretanto, as memórias afetivas de Jonas com as bibliotecas falava mais forte. Claro, o rendimento, embora ilegal e não lá muito volumoso (não rendia mais do que uns 10 almoços no self-colective-service, por mês!), era maior do que conseguiria trabalhando com o pai.
Com o abandono das bibliotecas pelo governo soviético brasileiro, até mesmo os censores deixaram de se preocupar com o potencial conteúdo subsersivo de um ou outro livro (houve até um que censurou um livro da Palmirinha!), o que trazia alguma alegria à vida de Jonas, outrora um jovem curioso com amor pela pesquisa e defensor da liberdade de pensamento irrestrita.
Sim, Jonas era um admirador da vida perigosa, arriscada, bandida. Por isto ele se aventurava entre as estantes das bibliotecas.
Shin Ultraman - Finalmente assisti ao filme e até entendo porque demoram tanto para incorporá-lo nas plataformas de streaming. Sim, é uma bela homenagem e reimagina diversos episódios importantes do seriado clássico no contexto moderno.
O diretor, que também dirigiu Shin Godzilla (Shin, neste caso, significa “Novo”). Em ambos, quem assistiu deve ter notado, faz críticas à burocracia japonesa, à sua lentidão e mesmo à sua falta de protagonismo no cenário internacional.
Já se vão muitos anos desde o fim da grande guerra e há uma parcela da sociedade que acredita que é possível ser mais presente no cenário internacional sem despertar medos infundados (e, muitas vezes, disseminados por políticos) sobre um suposto ‘militarismo’.
De todo modo, o filme é uma ótima diversão, principalmente para quem assistiu à série. Quem não está familiarizado, realmente, pode se perder em meio a tantos alienígenas que povoaram a minha (a sua? a nossa?) infância.
Talvez a minha crítica seja apenas a de que os personagens poderiam ter mantido, dentro do possível, os nomes originais. De 0 a 10? Dou 8.
Douglas Adams - Comprei, recentemente, dois livros (um ainda não chegou) de Douglas Adams (o autor do divertido O Guia do Mochileiro das Galáxias, cuja adaptação para o cinema não foi lá estas coisas…). Nestes dois livros, creio que os últimos antes de sua morte, ele se aventura pelas histórias de detetives.
Comecei a ler o A Longa e Sombria Hora do Chá da Alma (que aquele invejoso do Orlando Tosetto não tem) e aguardo a chegada do Agência de Investigações Holísticas Dirk Gently, que o Orlando Tosetto tem (o que me despertou uma inveja infinita). É, eu tenho problemas.
Contudo, preciso acabar o livro do Doblátov (já mencionado aqui), indicado pela Cibele Bastos (ah, a era de ouro dos blogs…) e que é bem divertido, principalmente se você gosta de escritores russos que detalham os absurdos da sociedade soviética.
Então, em breve, trarei novidades.
Nazismo - Já pensou o que aconteceria se um cidadão brasileiro dissesse que ‘Porto Alegre tem o gérmen do nazismo’? Provavelmente ele seria julgado culpado de algum crime. Talvez até preso (ou detido sem o devido processo legal). Estou falando de cidadãos brasileiros, não de cidadãos brasileiros acima da lei. Para estes, imagino, nem a OAB se manifestaria.
A bem da verdade, após ler o livro do Gustavo Maultasch, eu não me importaria com as bobagens que alguém diz. Acredito na capacidade do ser humano de refutar argumentos tíbios como este usando o debate racional. Acho até que é melhor que assim o seja. Nunca dá certo (em termos de democracia) proibir discursos, por mais que eu (ou você) os odeie.
Aliás, tem que ser uma pessoa com muito ódio para odiar discursos alheios. Não pregue o assassinato dos nazistas. Derrote-os com bons argumentos. Não sei se o assinante (não o assassinante) sabe, mas os estudos sobre terrorismo têm toda uma área de pesquisa sobre como reverter a ‘lavagem cerebral’ de radicais (de qualquer modalidade ideológica).
Os pesquisadores costumam achar uma boa ideia que um ex-terrorista ajude a explicar para outros porque é bom abandonar o radicalismo que resulte em atos terroristas. Claro…ser radical pode ser algo bom, se você canaliza seu radicalismo para algo que adicione valor para toda ou quase toda a sociedade sem precisar, para isto, de humilhar ou assassinar alguém (ou uma parcela da sociedade)).
Estatísticas - David Friedman (assine a newsletter dele!!!) tem um ótimo texto sobre estatísticas e aquecimento global.
Masterclass - Mais do que nunca, necessária (e divertida).
Até a próxima quarta-feira!
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico geralmente às quartas. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.