Startup Cities - Juca e Jaqueline Rachel - Conservatorium - Outros.
A esculhambação virou a regra para estes suínos. Torresmem-se, pois!
Ó o v(4), n(5) chegando mais rápido do que o
em sua caixa postal. Aliás, o errado capitão mencionou meu santo nome naquela herética newsletter dele (que eu recomendo), em que fala de Musil ou de Odil Fono Brasil e, portanto, só tenho a agradecer ao gigante da literatura paulista e à sua amiga Rachel!Startup Cities - É curioso como muita gente que adora falar em zonas de econômicas de interesse social (ZEIS) torce o nariz (ou se faz de boba) quando o assunto são charter cities. As ZEIS são usadas para mudar regulações para facilitar construções populares, o que agrada a políticos por motivos óbvios. Também agrada a quem acha que algumas regulações podem ser alteradas quando se deseja melhorar algum aspecto da vida.
Já as startup cities, as charter cities e zonas econômicas especiais (ZEE) também buscam melhorar a vida das pessoas, só que a possibilidade de menos distorções causadas por populismos e também com maior experimentação institucional. Por que o tema assusta? Fácil: porque não são os políticos que ganharão com obras inúteis de alto poder de ganho eleitoral no curto prazo. É preciso ter uma visão de Estado, de futuro, para levar a sério este tipo de inovação institucional e, cá entre nós, tenho visto poucos estadistas neste (e noutros) país(es).
Ouvindo esta empreendedora africana, Magatte Wade, vejo que nem tudo está perdido.
Gostou? Quer saber mais? O pessoal do Free Cities Foundation montou um curso super tranquilo (não tem certificado, viu, caça-diplomas?), mas tem conteúdo. Eu fiz e, por mais este motivo (conhecer o tema), recomendo-o.
Juca e Jaqueline Rachel - “O amor está no ar”, leu no cartaz tortamente pregado na vitrine da Cocoa Chow, a lojinha do senhor Tsé, um orgulhoso emigrante de Shanghai (já pode xingar quem não pronuncia o nome corretamente?) que prometia uma promoção no Dia dos Namorados.
“- Senhola Jukang, eu faz desconto plô senhole.
- Ô, seu Tissé, eu bem que gostaria..
- É Tsé, senhola Juka! Tsé!
- O meu é Juca, seu Tsé…
- Polisso a senhola já pode leva um bom-bom por tlês leais e seis por dezessete!
- Depois eu venho aqui, seu Tsé.”
Juca evitou alongar a conversa. Já estava há 6 meses sem namorada, ficante ou caso. Nada, nadinha de nada. Tinha até um pouco de medo de assumir, para si mesmo, que já começava a curtir a vida solitária naquele apartamento pequeno. Como é que pode? Um prédio com 20 andares e não tinha uma mulher afim dele? Nem uma casada em busca de aventura, nem uma solteira festeira (ou pistoleira). Nadica de nada.
Certo é que Juca não se cuidava direito. Deixou-se engordar um pouco, para o desespero de seu médico e fazia algum tempo que não se barbeava direito, o que lhe dava um aspecto desagradável de um descuidado. Não ajudava muito o fato de seu talento para combinar roupas (e as cores das roupas) fosse digno de reprovação, até para os mais desleixados adeptos do cocô-na-lata-como-forma-de-arte.
Seu apartamento, contudo, contrastava com ele: sempre arrumado e absurdamente limpo. Desde que contratou a dona Jussara, uma senhora tão fanática com limpeza quanto ele, aí é que a coisa melhorou ainda mais. Há quem diga que, depois de sua chegada, baratas e formigas teriam desistido, assinado uma rendição incondicional, e batido em retirada...
Um apartamento limpo e um sujeito desleixado, mas muito trabalhador e pontual com os boletos. Em resumo, esta era a existência de Juca. Alguns chamariam de “a vida de Juca”, outros de “a sobrevivência de Juca”. Pode chamar como quiser, desde que você entenda que Juca estava vivo (sem a ajuda de aparelhos, exceto, talvez, o aspirador de pó e o celular). Aliás, mais vivo ele ficava quando topava com a vizinha do 708, a famosa Jaqueline Rachel, conhecida pelo apelido de infância, “Jarra”.
Jarra tinha lá seus trinta e poucos anos, mas se achava com uns vinte e sua aparência física ajudava, embora sua maturidade a traísse. Olhos e cabelos castanhos, pelo bem cuidada e dona de uma voz suave, era paixão dos adolescentes do condomínio. Jarra era sempre sorrisos e tinha um razoável bom gosto para roupas, embora, vez por outra, usasse aquelas blusas de estampa imitando pele de onça que Juca odiava.
Em um prédio com tantos apartamentos, a sorte agraciou Juca, que morava no 706, de frente para o de Jarra. O relacionamento entre eles era casual e amistoso. Jarra achava Juca simpático e inteligente. No fundo, esperava que, um dia, quem sabe, ele lhe chamasse para um café. Não que fosse apaixonada por ele, mas, ué, por que não, né?
Tinha tudo para dar certo? Você achou? Mais ou menos. É que Juca era muito desajeitado em suas investidas. Cortejar uma mulher, fazer dez embaixadinhas ou descascar frutas e legumes eram suas três piores habilidades. Suas abordagens fracassadas eram lendárias entre o grupo mais íntimo de amigos. Algumas de suas amigas mais antigas até criaram um grupo no aplicativo, separado, só delas, para discutir e tentar ajudar Juca de maneira discreta, sem que ele percebesse (Juca era muito orgulhoso para reconhecer sua inépcia…).
O dia dos namorados, como bem lembrou - por interesse puramente comercial - o Sr. Tsé, aproximava-se e esta poderia ser uma chance para Juca. Enquanto digitava um novo relatório, abriu o calendário e viu que teria menos de dez dias para tentar uma abordagem mais incisiva e efetiva.
Determinado, cortou o pão com manteiga e o refrigerante e passou a fazer uma hora de caminhada, duas vezes por semana. Nos primeiros quatro dias, pesquisou sobre alguns poemas de amor e assistiu a alguns vídeos de palestrantes com temas como liderança, motivação e, claro, alguns poucos sobre técnicas esotéricas de análise sismológica porque se deixou levar pelo algoritmo da plataforma.
Rascunhou, rabiscou e desenhou alguns planos de abordagem. A primeira idéia (com acento) que pensou em usar era a de dar à Jarra um coelho azul com as orelhas amarradas, em uma variante dos planos infalíveis do Cebolinha. O caráter ridículo do plano era tão óbvio que este foi a primeira bola de papel amassada que arremessou em sua impecável lixeira de metal. Dona Jussara quase desmaiou ao ver aquilo.
Juca não podia deixar de passar esta chance. ‘O não’, como dizem, ‘ele já tinha’. Verdade que ali já era um ‘talvez’, mas a sapequice da vida não o deixava perceber nem um sinal vindo da desejada moradora do 708. Restavam poucos dias e Juca aproveitou o baixo movimento do trabalho para se jogar de cabeça em seu planejamento de guerra.
Poemas, frases de efeito, citações clássicas, tal como no famoso quadro sobre a piada que realmente matava de tanto rir, do grupo Monty Python; Juca tinha em mãos a cantada perfeita, infalível. Pelo menos era assim que ele gostava de imaginar o texto que, em pouco mais de dez linhas, tentava decorar ferozmente em sua corrida contra o tempo.
No tempo que lhe restava, Juca passou a aperfeiçoar sua linguagem corporal, aproveitando-se de um curso de teatro que fizera na escola aos 8 anos de idade. Sim, ele ainda se lembrava de algumas dicas que tia Heloísa, a professora, havia lhe dado naquele fatídico dia em que o nervosismo quase o impediu de ser um brócolis falante na peça de final de bimestre, em junho de 1977.
O dia seguinte, onze de junho (coincidência, não?), foi marcado pelo sorriso alegre do “seu China” que era como o Sr. Tsé era conhecido no quarteirão. A venda de chocolates foi um sucesso. A pequena Cocoa Chow finalmente conseguira repor o investimento que o empenhado imigrante lhe dedicara por tanto tempo.
Juntamente com ele, os amigos e vizinhos comemoraram bastante. Afinal, o Sr. Tsé era querido por todos, inclusive pelo Sr. Yamada, um japonês emigrado que vivia brigando com ele sobre a invenção do pastelzinho gyoza. Não, minha gente, gyoza algum iria vencer a amizade daqueles dois asiáticos. A Ásia, por eles, seria unificada pelo comércio de gyozas. Pena que existem os políticos…
Para comemorar o sucesso das vendas, o Sr. Tsé resolveu, milagrosamente, fazer uma pequena recepção, saindo de seu estado quase natural de sovinice asiática. Permitiu que a esposa abrisse o registro que liberava a água na cozinha. Não que estivesse totalmente fechado, mas se saia dali um fio de água, olha…
Em sua surpreendente alegria, cozinhou alguns patos, fritou alguns frangos e preparou seu famoso macarrão de Shanghai, aquele que conquistara o coração da esposa vinte anos antes. Não apenas fez tudo, como fez questão de mostrar um - já esquecido - cavalheirismo com a esposa, dispensando-a de qualquer tarefa.
Na noite daquele dia, abriu as portas do apartamento - que ficava no mesmo prédio de Juca e Jarra - para os amigos. Juca, que foi o último a adquirir um belo arranjo de flores de chocolate 70% cacau foi um dos primeiros a chegar e acabou discutindo um pouco com o Sr. Tsé e o Sr. Yamada sobre a invenção dos háshi (aqueles palitos que você deveria usar quando come estes pratos asiáticos, lembrou?). Enquanto o chinês pão-duro defendia que os mesmos teriam sido criados na China, o teimoso Sr. Yamada insistia que tudo começara na Mongólia. O conflito sino-nipônico não escalou porque, afinal, era uma festa o Sr. Yamada amava os gyoza do Sr. Tsé (apesar de jamais admiti-lo publicamente).
Na manhã seguinte, Juca tomou seu melhor banho, passou seu melhor desodorante, praticou seu melhor ensaio com a melhor declaração de amor de todos os tempos, colocou sua melhor roupa, tomou seu quase melhor café (a água da torneira parou de sair antes que completasse as medidas corretas de seu café), respirou fundo e abriu a porta às 06h 53 da manhã, pois sabia que Jarra nunca saía de casa antes das 06h 55.
Tocou a campainha após uma breve oração ecumênica (queria se garantir). Atendeu-o uma Jarra esfuziante, maravilhosa, mais bela do que nunca, vestida com seu conjunto executivo que sempre usava na fintech em que trabalhava com tantos descolados mais ricos - mas menos simpáticos - do que Juca.
…
…
…
Assim Juca permaneceu por 10 segundos, imóvel e mudo.
“- Bom dia. Entra, Juca. O que foi?
- Eu, bem, bom dia.
- Vem até a cozinha que tô fazendo um café…tenho que ir trabalhar, né?
- É…é sim…”
Juca rapidamente se recompôs. Jarra abriu a torneira para pegar água para o café e notou que não saía nada. Juca se aproximou, olhou e ambos levantaram os ombros e riram da situação.
“- Sabe, Jarra, eu queria te dizer algo…”
Lembrou-se que ainda escondia as rosas de chocolate do campo visual da amada vizinha. Girou o braço, estendendo-lhe as flores. Jarra sorriu. Em sua mente lhe veio a declaração perfeita. Respirou fundo e começou:
“- Olha, eu…”.
Foi neste exato momento que ganhou um jato de água na cara. O encanamento da pia estourou e Juca ganhou um belo banho. As rosas de chocolate ficaram por um bom tempo no chão da cozinha e o Sr. Tsé, alguns dias depois, brigaria com o condomínio acerca da responsabilidade pelo ocorrido. Juca e Jarra namoraram por 4 anos, casaram-se e hoje moram em Sorocaba. Tiveram dois filhos e até hoje encomendam gyozas do Sr. Tsé.
A declaração perfeita? Ah, eu não sei. Pergunte ao Juca. Eu sou só o autor.
Conservatorium - A livraria nem disfarça seu intuito. O nome já a denuncia: quer ser a livraria dos conservadores de Belo Horizonte. Recente, a Conservatorium é pilotada pelo Gustavo (não é o Corção, mas ele bem que queria ser que eu sei!) que também serve café e pão de queijo no agradável recinto localizado na avenida Brasil, entre a praça da Liberdade e a avenida Afonso Pena.
A livraria deve ser a única a vender livros da editora Danúbio por aqui. Monarquistas também encontrarão lá belíssimos quadros e uma imensa bandeira do império, além, claro, de livros sobre o tema. Senti que Gustavo vai ampliar o leque de opções aos poucos, mas isto é meu sentimento.
Para quem, como eu, que transita por sebos e livrarias sem preconceito quanto aos pensamentos de seus donos (nunca perguntei aos donos quais seriam suas ideologias e nunca chamei nenhum deles de socialista), é uma felicidade só ver uma livraria de nicho trazendo a tão celebrada (mas nunca realmente querida) diversidade intelectual para a rosa-rubra-vermelhona Bela Havana…digo, Belo Horizonte.
Estive lá no sábado e encontrei um antigo conhecido que, com seu pai, servia-me refeições em um pequeno restaurante que faliu em 2019, antes da pandemia. A notícia boa é que ele e o pai estão bem. O rapaz, hoje nos seus quarenta, à época, fazia Filosofia porque queria mesmo entender o mundo e buscar a verdade. Sua decepção com a faculdade pode ser objeto de um outro texto, futuro, porque tem mais em comum comigo e com você, leitor, do que alguns (sequer) imaginam.
Bem-vinda ao mercado, Conservatorium (tem perfil no Instagrâmulo: @conservatoriumbh).
Junk Science - Vale a leitura do texto. Trecho:
Após o sucesso de The Return of Godzilla (1984, de Kazuki Ōmori), a Toho abriu um concurso para que pessoas pudessem mandar diferentes ideias para um próximo filme. A ideia de Godzilla vs Biollante (1989) surgiu assim. Um dentista, Shonichiro Kobayashi, bolou a ideia de que Godzilla deveria enfrentar uma ameaça biotecnológica, e seu argumento colocava o Japão no centro de uma conspiração entre governos estrangeiros, laboratórios e grandes corporações. Godzilla vs Biollante é um filme fascinante, com um roteiro envolvente e um que traz à franquia Godzilla um casamento com o gênero biopunk (que parece ser uma especialidade japonesa, conforme escrevi em minha série de ensaios sobre a franquia Resident Evil). Ōmori consegue costurar muito bem a trama de conspiração internacional e espionagem industrial a horror biológico e kaiju.
Agora que sabemos que a hipótese de que o vírus da devastadora pandemia pode mesmo ter escapado de um laboratório localizado na China comunista (ou China continental), este enredo me parece mais interessante…
Republicanos - Balaji argumenta que o Partido Republicano está mudando. Leia aqui.
Palestina, Israel e a Paz - Richard Hanania aponta três motivos pelos quais não há como ser otimista quanto à possibilidade de palestinos promoverem a paz na região.
Aluno entusiasmado - Lucas tem um dom para a escrita e tem aproveitado para falar bem da orientadora dele (bobo ele não é, né?). Leia em Livro de Mapas , especificamente, aqui.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico geralmente às quartas. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
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