São Paulo chorou por mim - Outro informe
Quando um governo promove eventos em nome de algo, é porque deve estar fazendo o contrário, já dizia Roland Freisler.
No v(4), n(2), um conto sobre o caos que foi o dia 08 de janeiro (de 2024). Só isso. É que não deu tempo. Foi mal. Bom, também, né? Você não paga um realzinho para ler isto aqui. Ah, Roland Freisler foi um juiz muito popular na Alemanha. Defendeu as instituições democráticas (segundo sua interpretação, neste caso, nada monocrática) do governo eleito pelo povo com muito empenho. Não que isto signifique algo bom, claro. E nem sei se ele dizia o que escrevi lá em cima. Pode ser fake. Pode não ser. Vou eu lá saber o que alguém fala o tempo todo? Tenho cara de ditador vigilante (em nome do amor)? Eu, hein?
São Paulo chorou por mim - Dei sorte. Terminei mais cedo o que precisava fazer na Paulicéia na segunda-feira. Fui mais cedo para o aeroporto, pensando em como aquela cidade tinha lá sua beleza que 10 entre 9 (yip!) candidatos a escritores já devem ter descrito das mais diferentes formas em ensaios, contos, romances etc. ao longo dos séculos.
O clima estava abafado desde o domingo, mas quem disse que isto iria estragar meu afetuoso olhar para a grande capital dos heroicos revolucionários de 1932? Nem a pau, pica-pau! Ali perto dos balcões de check-in, o aeroporto estava até vazio, filas pequenas. Com alguma sorte, consegui adiantar meu voo. Agora eu iria no fatídico (aguarde!) 1312, com embarque previsto para às 15 h 50 e partida às 16 h 35. Chegaria antes do rush!
Passei rapidamente pelo raio-x e, como ainda não havia portão designado para o embarque, pus-me a fazer trilha admirando a fauna e a flora diversificadas. A densidade populacional, depois do raio-x, já era um pouco maior, permitindo-me a coleta de dados para minhas pesquisas hipotéticas (“por que as pessoas andam de chinelos no aeroporto?”, “por que não andam em filas, mas preferem obstruir caminho em rodovi..digo, Congonhas?” E assim por diante).
O ex-ministro da Economia passou por mim com o andar e a expressão apressada do famoso coelho de Alice no País das Maravilhas (só faltou o relógio na mão). Uma pena. Ele perdeu a chance de aparecer em uma foto comigo.
Notei que as mesmas lojas e os mesmos produtos que vi há algumas semanas ainda estavam lá. Na verdade, há anos que estão lá. Pouca coisa mudou desde, digamos, os anos 2010. Talvez um ou outro quiosque diferente, mas algo me diz que o fornecedor de coxinhas de todos é um só.
Ah, como estava sendo agradável caminhar por ali! Quase pude ouvir passarinhos cantan…digo, aviões decolando. Enquanto seguia em devaneios, conferindo as mensagens para ver se havia algum abacaxi para resolver e apreciando o movimento das pessoas, aconteceu aquilo.
Aquilo? Sim, aquilo mesmo: o céu desabou (ou desabafou, se pensar num Deus Ex Chuva). Uma chuva fortíssima que não deve ter durado vinte minutos e que fez a luz cair e voltar várias vezes, causando alguns transtorninhos. Mais grave mesmo seria a mini inundação na parte velha do aeroporto (os portões 1 e 2), que exigiu do pessoal da faxina um trabalho extra (mais tarde eu descobriria que a água teria invadido a parede de uma lanchonete no piso inferior, lá onde fica a parte mais ‘rodoviária’ de Congonhas).
Como não nasci ontem, imaginei que iríamos ter atrasos. Seria impossível que aquela chuva não causasse algum problema com os voos. No celular, algumas cenas de inundação em pontos da cidade começaram a ter mais visibilidade do que os vídeos usuais de gatinhos ou de cortes de filmes de comédia. Comecei a considerar que, tivesse durado aquela chuva um pouco mais, iria pensar seriamente em construir uma arca.
Aos poucos, contudo, a chuva foi perdendo suas forças, mas sinais contraditórios começaram a surgir. Primeiro, uma das três companhias começou a anunciar cancelamento de voos. Por que só ela? Não sei. Só sei que os anúncios vinham acompanhados de um “o aeroporto encontra-se fechado para pousos ou decolagens” e, claro, “pedimos que aguardem neste mesmo piso e fiquem atentos aos avisos sonoros e aos painéis”.
Em minha caminhada, agora, eu notava algum aumento no nível de preocupação na fauna e flora local. Agora todas as cadeiras estavam ocupadas e o chão, bem, o chão é sempre um grande sofá… Vi, no painel, então, o novo número do portão do meu voo (esqueci de mencionar que já havia aparecido um número, né?). Agora era o portão 2. Como não nasci há alguns parágrafos, claro que assuntei o funcionário sobre o voo porque ainda havia outro previsto, no mesmo portão e, sim, ele me disse que o meu era o seguinte ali.
Das janelas, algumas aeronaves decolavam e outras pousavam, o que me fez pensar que a confusão iria se dissipar com mais uma ou duas horas. Claro que não foi assim. Mudaram novamente o portão. E mais uma vez. E outra. E mais uma. Acho que foram umas seis ou sete vezes. Parecia jogo de bingo (com repetição): 2-11-9-10-17-2-18-20.
Gente mais velha (e talvez menos rabugenta) do que eu era obrigado a subir e descer escadas e andar um bocado para ouvir uma desculpa esfarrapada. Justificativas claras? Quase nunca. De vez em quando pediam para que aguardássemos “sentados naquele mesmo piso”, o que era impossível exceto se todos usassem o chão e alguns desistissem de andar. Seria como em um daqueles protestos do famoso Mahatma Ghandi eternizados no filme de 1982 em que Ben Kingsley interpretava o herói indiano.
Em parte, entendo que havia uma confusão. Como já disse, a cidade estava caótica e, uma coisa é sua cidade estar caótica. Outra, bem diferente, é São Paulo estar caótica (não que os paulistas se orgulhem disso. Quem se orgulha de desgraça é gaúcho). Ao longo de idas e vindas, nossa companhia passou a anunciar cancelamentos também. Espertamente, não nos ofereceram vouchers, embora a lei… Sim, estamos falando de mais de 5 horas de turismo no aeroporto de Congonhas.
Em algum momento, sim, houve uma luz, uma alegria, quase uma esperança! Foi quando nos disseram que o voo iria acontecer…(pausa dramática), mas estava retido porque não tinham uma tripulação ainda. Nestas horas você se lamenta de não ter feito princípios básicos de pilotagem, né?
Por volta das 21 h (sim, você ouviu corretamente), colocaram-nos em uma fila, no portão 18. Sim, sim: ia ser ônibus e, depois, avião. Foi uma das viagens mais longas que um motorista já fez em minha razoável carreira de viajante frequente (que mesmo assim presta atenção aos avisos das aeromoças) até o avião. Pode ser o cansaço, mas tive a impressão que ele contornou meio aeroporto.
Da janela, vi o belo avião decorado com o que parecia ser o rosto de Santos Dumont, tão popular nas notas de cruzeiro em minha infância. Entrei e achei meu assento. Mais alguns de nós entraram. Afinal, sempre há um segundo ônibus…que nunca veio. Isso porque o piloto nos avisou: o avião precisava de uma manutenção de uns 30 ou 45 minutos e, com sorte, depois, iríamos partir. Pensei comigo: segunda-feira, manutenção…qual a chance de dar errado?
Óbvio que tivemos que voltar para o ônibus que nos deixou…no desembarque onde não havia qualquer funcionário da empresa (por outro lado, ele teria que ser corajoso, né?). Instintivamente - sim, após tanto tempo, agimos mais como animais do que como seres racionais - voltamos ao portão 18.
A funcionária, ao nos ver, não sorriu, nem chorou. Já alguns dos passageiros começavam a mostrar sinais de impaciência. Afinal, a gestão de crise do aeroporto, da companhia, ou de ambos, não pontuaria mais do que zero pontos em uma prova de qualificação (para gestores de crise…fosse para a seleção brasileira de pingue-pongue, a história seria diferente) e, além disso, nem todo mundo pratica zen-budismo (e nem por tanto tempo…em um aeroporto apinhado de seres humanos).
Claro que ela nos mandou para…o portão 2, prometendo que, agora sim, pela nona ou décima vez, teríamos a tão sonhada, desejada e desejada viagem. Foi engraçado chegar ao portão mencionado e ver a fila de pessoas com situação similar à nossa, mas que iam para Foz do Iguaçu. Consegue imaginar a cara de decepção deles quando lhes disseram que agora o portão 2 era nosso, mano? Uhu! Tá tudo dominado!!! Antes que a imaginação pegasse ritmo, transformou-se em realidade. Coitados…
Pelo menos agora era entrar direto no avião, sem passeios de ônibus. Após a checagem do bilhete, desci a rampa, entrei, cumprimentei a aeromoça e disse-lhe: “- Boa noite. Só embarco neste voo se ele for decolar!”. Rimos. Acomodei a minha mochila debaixo do assento à minha frente. O embarque demorou muito, mas partimos às 10 h da noite (22 h) mais ou menos. Cheguei em Confins às 23 h e, claro, em casa, à meia-noite.
Ao longo deste tempo todo vi notícias de pequenas catástrofes em São Paulo. Árvores caíram, faltou luz em alguns locais, sem falar nos já mencionados alagamentos. Em meio ao meu esgotamento físico e mental, finalmente percebi que é um desejo de Deus que eu não saia de São Paulo capital. Os sinais são claros e não há outra explicação possível. Os castigos que Deus enviou aos paulistanos falam por si. Quedas de luz no aeroporto, na cidade, transtornos causados aos fiéis e aos infiéis, alagamentos, quedas de árvores, engarrafamentos acima do normal. Mais um pouco, acho, e sangue sairia das torneiras e gafanhotos arrasariam as colheitas. Tenho certeza!
Amem-me ou não, paulistas, vocês precisam de mim. Sou eu quem salvará esta cidade! Percebam os sinais que Deus lhes envie antes que seja tarde!
Bem, pelo menos é assim que interpretei, com meus poderes mediúnicos, todo este evento e, evidentemente, esta é a única mensagem importante que todo brasileiro deve reter em sua memória acerca do dia 08 de janeiro.
Outro informe - O outro informe é apenas para dizer que agora não tem mais jeito: 2024 começou mesmo e, com o transtorno todo, este número ficou um pouco monotemático. No próximo, voltamos à programação normal.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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Ufa! Uma Odisseia paulistana.