Edição extraordinária!
Sabino e os Oito Baldes de Ouro - Uma crônica sobre um bravo, digo, bardo, que agora faz 60 anos. Um ser humano extraordinário que merecia mais do que uma crônica como esta, mas ninguém é perfeito. Quer um conto do Murakami, Sabino? Pague-o! Aqui é só isso! E olha que eu aceito até vale-transporte!!
Ato 1
O dia na faculdade havia sido intenso. Várias turmas e alguns processos na mesa de Sabino em seu último dia como diretor interino. Acostumado com a sala de aula, o trabalho na gestão havia sido um desafio para o corajoso - e obsessivo-compulsivo - professor naqueles 20 dias.
Passou quase duas horas respondendo demandas amalucadas que vinham não só de alunos, mas também de professores e burocratas da universidade. Vencido o desafio final, saiu de seu usuário no computador, ergueu as mãos aos céus esquecendo de seu ateísmo por alguns segundos (para os amigos mais íntimos, dizia-se agnóstico), despediu-se da secretária e saiu rumo à sua casa.
Saiu? Bem, ele até chegou a colocar um pé para fora do prédio, mas foi obrigado a recuar diante da chuva forte que havia começado alguns minutos antes.
“- Maldita burocracia! Eu já poderia estar em casa!”, pensou, quase em voz alta, com o dedo da mão esquerda em riste. Parecia Jesus açoitando os mercadores no templo, só que sem açoite ou mercadores, embora com a mesma disposição.
Olhou para a rua e viu aquela turma desprotegida buscando algum refúgio. Usando seu raciocínio analítico afiado por anos de aulas de Teoria dos Jogos para alunos da graduação, do mestrado e do doutorado, resolveu que iria esperar um pouco mais.
Passaram-se cinco, dez, vinte, trinta minutos e Sabino já não se aguentava de tanta ansiedade. Às favas com a Teoria, claro. Resolveu correr, aproveitando-se de sua recente prática de corrida no Parque da Redenção com a filha. Saiu com uma sacola de plástico amarrada na cabeça com dois nós laterais, correndo como se lutasse por sua vida. Centrado, olhava apenas para frente, mirando os quarteirões que precisava percorrer. Imaginou-se como um corredor em Carruagens de Fogo.
Foi só após uns 15 minutos que percebeu que a chuva tinha acabado logo após atravessar o portão da faculdade e aí a imagem mental do famoso filme foi substituída pela famosa corrida de Charlie Brown no desenho do simpático Snoopy e sua turma.
“- Tanto faz! O bardo venceu os seus fantasmas!”, pensou com orgulho.
Ato 2
A escadaria do prédio ficou toda molhada. Alguns outros moradores riram de Sabino, chamando-o de John Cleese por conta da sacola de plástico na cabeça com os nós laterais.
![Screen Shot 2016-05-21 at 11.12.39 AM Screen Shot 2016-05-21 at 11.12.39 AM](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F53ea6036-8251-4404-be19-7430ffa75674_589x414.png)
Ignorando aqueles reles não-economistas, o professor (doutor) Sabino da Silva Pôrto Júnior (nome hipotético para preservar a real identidade do Sabino), orgulho de Sabino da Silva Pôrto e esposa, subiu dois lances de escada até a porta de seu apartamento sem notar o pequeno rio de água que descia pelos degraus como uma pequena serpente semitransparente.
Abriu a porta e, como dizem, seu queixo caiu. Havia uma mancha cinza no teto da sala da qual caíam muitos, mas muitos pingos mesmo. Imaginou? Então multiplique por dez e sinta o que sentiu o Sabino quando viu a queda d’água em sua sala.
“- Oh, queda d’água maldita! Que trem, sô! Canalhas!”, declamou lembrando-se de Shakespeare, bem, não exatamente. Mais parecia um Shakespeare com tons de mineiridade.
A queda d’água pareceu lhe responder com um pouco mais de força. Com a família em viagem, Sabino estava só. Correu para a área em busca do balde e quase foi ao chão escorregando na lagoa que havia se formado na copa. Equilibrou-se no último segundo e alcançou o tanque onde estava o balde. Virou-se e viu que, também na cozinha, havia outra infiltração no teto.
“- O que faço agora? Maldição! Se ao menos minha esposa estivesse aqui…ei, peraí, macho! É só ligar prá ela!”, pensou.
E assim foi feito.
Do outro lado do telefone, direto dos ensolarados lençóis maranhenses, a esposa o instruiu sobre o que fazer e, claro, Sabino se esqueceu de anotar tudo e, com vergonha, não ligou em retorno. Entretanto, ficou claro que ele teria que arrumar outros baldes. Diante da lagoa…digo, oceano que já havia se formado, decidiu correr ao supermercado da esquina.
Ato 3
“- Moça, quanto é?”, perguntou, após passar oito baldes pela moça do caixa.
“- Oitenta reais, seu Sabino!”, respondeu a paciente funcionária.
”- Meu Deus! Fechem o Banco Central!”, esbravejou Sabino, ainda com a sacola na cabeça.
(In)conformado, tirou o cartão de crédito e pagou pelos oito baldes.
“- Devem ser baldes de ouro! Picanha, né? Sei! Nem picanha, nem baldes…”, murmurou.
”- Seu Sabino, o senhor notou que tem uma sacola…”
”- Minha filha, não precisa de sacola. Eu levo estes baldes. Eu, um senhor de idade, carregando oito baldes…baldes caríssimos…”.
Como de hábito, Sabino não ouviu a funcionária, a dona Sílvia, conhecida da família há anos, e saiu resmungando com seus oito baldes na mão esquerda. Chegou em casa e viu que o oceano continuava a se expandir, quase alcançando o quarto de casal. Um dos banheiros já estava tomado pela água.
Levou as mãos à cabeça, mas não a alcançou por conta da sacola. Olhou para os baldes e se perdeu em diversos pensamentos sobre como alocá-los de forma mais eficiente diante do dilúvio que lhe descia pelo teto. Imaginou que poderia ser uma boa questão de prova em Teoria dos Jogos e se sentou à mesa. Abriu um caderno e pôs-se a desenhar a forma extensiva de um jogo. Passaram-se uns vinte minutos até que se desse conta de que tinha que espalhar os oito baldes pelo apartamento (e talvez devesse pensar em construir uma arca com casais de animais…).
“- Aladya vai me matar!”, pensou. Aladya é o nome hipotético criado para proteger o nome verdadeiro da esposa do meu amigo sexagenário para o qual escrevo esta crônica.
Divagações à parte, correu o professor para a sala deixando lá alguns dos baldes e, na cozinha, uns tantos outros. Olhou orgulhosamente para eles como se fossem soldados de seu heróico batalhão de um homem, um antigo balde e oito novos baldes. O único detalhe é que Sabino havia se esquecido de checar o quarto do casal no qual, infelizmente, também havia uma pequena cascata em cima de sua cama.
Foi quando levou novamente às mãos à cabeça e finalmente notou a sacola. Arrancou-a com muito ódio e, sem que percebesse, por alguma ironia cósmica, a infiltração teve seu ritmo diminuído aos poucos até cessar uns minutos depois.
Os baldes, que mal tiveram tempo de coletar alguma água, permaneceram em seus lugares, firmes, como soldados obedientes do exército do professor Sabino que, aliás, já trabalhava arduamente com o rodo por todo apartamento.
“- Ah, maldita tempestade! Maldita tempestade! Canalhas!”, disse, em voz alta, antes de ligar o aparelho de som para ouvir seu CD de músicas do pessoal do Clube da Esquina. Sua cama estaria seca dois dias depois, para sua sorte, antes do regresso de Aladya.
FIM
p.s. Parabéns, Sabino! Que venham mais 60 anos!
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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