Professor Salmon e os alunos não-amestrados - Teoria dos Jogos - Inteligência Artificial - Almoçar fora ou em casa?
Queijo com goiabada ou queijo com doce de leite?
Chegou o pascoalino v(3) n(29) da newsletter, sem easter eggs.
Professor Salmon e os alunos não-amestrados - Professor Salmon foi um gigante na faculdade de Economia. Vindo da Inglaterra com seus vinte e poucos anos, estabeleceu-se em Santos, onde trabalhou numa empresa de contabilidade por algum tempo até conseguir juntar algum dinheiro. Permita-me, leitor, contar um pouco de sua história.
Quando jovem, deixou a casa dos pais e se aventurou pelo continente europeu estudando, aprontando e curtindo a vida adoidado. Talentoso como ele só, formou-se sem dificuldades em uma faculdade de economia na terra de Cervantes. Daí para o Ph.D. em Oxford foi um pulinho e algumas cervejas a menos. Seu espírito livre o trouxe ao Brasil, primeiro para Santos, depois para Belo Horizonte.
Em Santos, não demorou muito, foi promovido a diretor regional da empresa. Quando começou a achar aquilo tudo muito monótono, recebeu o convite de uma faculdade de economia de Belo Horizonte.
Pensando nos pães de queijo - iguaria que o encantava desde que chegara ao país - e na - para ele intrigante - experiência de viver em uma cidade sem acesso ao mar, o gerente Salmon não hesitou em aceitar o convite. Em quinze dias ele se demitiu, participou de várias cervejadas de despedida (aquelas em que a saideira é sinônimo de ‘mais uma, seu garçom’) e se mudou para a capital onde o horizonte é supostamente belo.
O diretor da faculdade meteu-lhe umas quatro turmas, todas de calouros. Mesmo sabendo do humor britânico de Salmon, achava que seria interessante, em termos publicitários, ter um professor estrangeiro logo no início do curso. Esta decisão mudaria para sempre a vida dos alunos, do diretor, mas não a de Salmon porque, afinal, ele era um britânico e o caráter britânico, disseram-me, é assim, meio superior ao de todos nós, meros mortais.
Com uma semana de aula, o professor Salmon já era um dos top trendings da rádio corredor (que ele chamava de Gossip Girls on Air). Seja por sua clareza em sala, por sua insistência em lecionar, a despeito da indiferença de alguns alunos, ou por suas piadas britânicas.
Gostando do que lecionava - era mesmo um apaixonado pela Ciência Econômica - o professor Salmon tinha diálogos interessantes com os alunos. Por exemplo, havia o Mathias, que nunca sabia o que deveria estudar.
‘- Professor, isso aí cai na prova?
- Sim, Mathias, na minha colo é que não irá cair.’
Ou então Juca, que era preguiçoso como ninguém.
‘- Sr. Salmon, não estou entendendo nada.
- Senhor Juca, a senhor tem aí algo no meio das orelhas. Dentro, tem um computador orgânico. A senhor experimenta usar que vai dar certo.
- Pô, professor, mas aí tenho que estudar…
- A senhor já começou a usar o cabeça. Ótimo!’
Alguns bons momentos ocorriam em seus horários de dúvidas. Havia sua insistência em que o aluno tivesse a experiência completa do aprendizado. Maria foi uma que aprendeu a estudar com ele.
‘- Professor, olha…
- Bom dia, Maria.
- Ah, sim, bom dia.
- O que a traz aqui, senhora Maria?
- Eu tenho uma dúvida na questão 7, letra…
- Questão 7 de qual lista?
- Olha, professor, aqui no caderno…
- Questão 7 de qual lista?
- Tem que saber a pergunta?
- Ajuda bastante, Maria.
- Professor, o senhor não tem jeito…’
Não preciso dizer, mas Maria iria se tornar uma das melhores alunas do curso…
Voltando ao professor, logo no primeiro mês de aula, conseguiu que a faculdade lhe arrumasse um ajudante, um monitor. Buscaram, no 5o período, o bom Pedro, que era destaque em sua turma e logo os dois ficaram amigos.
A amizade, o leitor deve saber, não começou assim, do nada. Não basta ser educado e civilizado para que uma se inicie. Educação, civilidade, bons valores, etc. são condições necessárias, mas não suficientes para o início de uma sólida amizade. Ah, mas aí é que está: uma coincidência incrível unia os dois!
É que tanto o aluno como o professor compartilhavam do exótico hobby de colecionar livros de Microeconomia. Toda sexta-feira, após as aulas, almoçavam juntos (e, neste dia, o almoço de Pedro era sempre por conta do professor).
Frequentavam um restaurante simples, destes de comida a quilo, e sempre se sentavam em uma mesa que ficava ao lado da janela, pois o professor Salmon gostava de apreciar a beleza do pé de laranja plantado no quintal da casa alugada pelo dono do restaurante. Entre uma garfada e outra, o assunto dos livros sempre surgia.
‘- O senhor sabe o que consegui nesta semana, professor?
- Fala, Pedro.
- Um exemplar do manual de Richard Bilas…
- Ah, sim, Bilas…o da graphic approach…
- Isso, professor…
- Veja que beleza de laranjeira, Pedro…
- Eu sei, professor. Agora, o senhor comprou algum livro antigo nesta semana?
- Eu não fui ao sebo, Pedro, mas, olha, procura o de Stigler.
- Um clássico, com certeza, professor Salmon!
- Yeah, yeah. Vale muito. A senhor vai gostar, Pedro.
- E aquele livro do Garófalo?
- Pedro, este aí é quase uma versão traduzida do Ferguson…
- Sim, mas…
- Já procurou pelo de Roy Miller? Era muito usado na minha graduação lá…
- …na Espanha. É, o senhor já disse.
- Eu já falei que você me interrompe acima do ponto ótimo, Pedro?
- Ha, ha, ha…’
Assim era o divertido almoço de sexta-feira do professor Salmon e do monitor Pedro. Terminava sempre em um café ou em pudim. Para o professor, era ou um, ou outro. Apenas Pedro via ambos como meio substitutos, meio complementares, mas, como era o professor Salmon que pagava a conta, consumia alegremente o que lhe fosse colocado à mesa.
O professor Salmon, seu monitor Pedro e outros personagens incríveis (para mim) voltarão em: Professor Salmon contra os quatro alunos de bronze. Em breve, nas melhores salas de cinema de sua cidade.
Teoria dos Jogos - O professor Eric Rasmusen, do famoso livro-texto de teoria dos jogos havia se aposentado (eu havia ouvido falar…). O Guilherme Stein, editor da ótimaHelium Integers, por sua vez, deu-me a boa nova: ele está no Substack. Aliás, eis um ótimo texto dele, sobre a existência de Deus (com bom - e inteligente - humor e um bocado de conteúdo).
Alguns dos melhores textos que li, no início dos anos 2000, sobre Teoria dos Jogos (é, eu lecionei isto por muito tempo sim) eram do prof. Rasmusen. Ele tem também um ótimo texto sobre como escrever bons artigos (em Economia ou em outras áreas). Você pode lê-lo aqui.
Inteligência Artificial - Um amigo usou o ChatGPT para uma pergunta que eu repliquei na OpenAI. As respostas? Não bateram. A pergunta? É simples: De que morreu Olavo de Carvalho?
Para o ChatGPT, ele está vivo (se Elvis não morreu, por que não eu?). Para a OpenAI, ele morreu.
Podemos, pois, concluir, que a inteligência artificial vai mesmo destruir empregos: emprego do sujeito que sabe e também do que não sabe. ^_^
Almoçar em casa ou fora? - O IPCA, o nosso índice oficial de inflação, tem várias subcategorias. Duas que sempre gosto de acompanhar são as de ‘alimentação no domicílio’ e ‘alimentação fora do domicílio’. O IBGE disponibiliza os dados, já livres dos ciclos sazonais, para consulta.
Neste exemplo específico, usei os dados da região metropolitana de Belo Horizonte. Transformei o IPCA e seus dois subcomponentes em índices (janeiro de 2020 como base). Feito isto, divido o respectivo subíndice pelo índice e temos o quanto o mesmo está acima ou abaixo da variação do custo de vida em geral. O resultado me surpreendeu: está mais caro se alimentar em casa.
Vale mencionar que o aplicativo de alimentação não é um dos itens medidos no índice, diretamente. Não há um subitem como “almoço comprado no aplicativo”, na composição do agregado ‘alimentação no domicílio’, por exemplo. Claro, não quer isto dizer que o aplicativo não exerça um papel importante nos preços, já que a demanda pela alimentação em casa, neste caso, ganha uma opção adicional, qual seja, receber a refeição no conforto do lar (ou no desconforto do escritório).
Aliás, eis um parêntese sobre aplicativos: estive em uma das lojas de chocolates Lindt para comprar ovos de Páscoa. No aplicativo, o preço era de R$ 79,90 (sem taxa de entrega). Na loja, R$ 69.90. Não me pergunte o motivo disto, mas suspeito que distorções como esta sejam frequentes.
Voltando ao gráfico. É a partir de maio de 2020 que as séries se afastam, em um descolamento que parece aumentar lentamente. Ou seja, alimentar-se em casa estaria ficando mais caro do que fora (o fenômeno é mencionado, brevemente, para o período recente, nesta nota do IPEA).
A pandemia, diz a nota, reverteu a queda de demanda das famílias por alguns itens (ou seja, o lockdown aumentou a demanda de produtos como o arroz, o que, ceteris paribus, pressiona seu preço para cima, por exemplo). Isto ajudaria a explicar o descolamento no período da pandemia. Os aplicativos de entrega de refeições, creio, devem ajudar a explicar o porquê da receita dos restaurantes, em média, não ter caído tanto no período, suponho.
Entretanto, com o fim do lockdown e a volta das pessoas aos restaurantes, eu esperaria, a princípio, um aumento maior do custo da alimentação fora de casa. De fato, os cardápios dos bares estão com preços proibitivos, mas ainda assim, alimentar-se em casa ainda é mais caro do que fora. É verdade que o aumento de preços nos cardápios dos bares e restaurantes não poderia ser tão alto, já que a renda destinada à alimentação fora de casa deve ter caído nos primeiros meses pós-pandemia (desemprego e o receio de muitos em sair de casa), presumo.
Supondo que um aumento de preço por conta de retração da oferta atinja ambos de forma similar, a diferença pode estar mesmo em um aumento maior na demanda por refeições feitas em casa do que na de refeições fora. Será? Não sei. De todo modo, resolvi observar um período maior.
Procurando um pouco mais no site do IBGE, encontrei a série com dados mais antigos (a metodologia muda, etc., mas tudo bem). Coloquei a base em dezembro de 2019 para poder fazer uma comparação aproximada (o ideal seria ter janeiro de 2020 em ambas, o que nos permitiria concatenar as séries, claro). O resultado está no gráfico a seguir.
Aí vemos que, realmente, há uma tendência de aumento no preço da alimentação em casa ao longo do tempo, acima do IPCA (pelo menos até 2016). Já o custo de se alimentar fora de casa também sobe, mas, durante quase todo o período, ele cresce menos do que o IPCA. É em 2017-18 que as tendências parecem caminhar mais juntas, por pouco tempo.
Você pode não gostar muito dos meus gráficos. Talvez queira ver a variação percentual das duas séries sem esta comparação com o IPCA. Só mesmo a inflação dos subitens. Ok, também fiz isto. Repare, nos dois gráficos, que as variações maiores na alimentação doméstica parecem prevalecer sobre a inflação na alimentação fora de casa.
Depois disto tudo, acho que vou mesmo para o boteco. Várias perguntas em aberto que um bom técnico do IBGE e mais alguns dados da conjuntura poderiam esclarecer.
De todo modo, fica aí o convite para quem quiser se aventurar neste ou noutros temas com séries de tempo do IBGE. Choques de demanda e oferta, nestas séries, merecem, claro, um olhar mais atento. Quem sabe, na próxima? Por enquanto, é isto. Boa Páscoa!
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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