Pesadelo do Grupo de Trabalho (ideia de um reality show que vai me deixar rico)
Uma ideia nada revolucionária (sequer reformista) para um método de ensino mais divertido, cheio de charme
No v(1), n(12), mudo um pouco o tom da newsletter e exploro as perspectivas de um projeto de negócios que pode alavancar sua faculdade. A ideia nem é tão original, mas você pode(ria…ou apenas ria) enriquecer rapidamente! Gostou? Então, vamos lá!
Alguns afortunados puderam, na pandemia, optar pelo trabalho remoto. Eu sou um deles. No contexto da pandemia, contudo, esta modalidade obriga o indivíduo a se trancar em casa. Foi assim que descobri dois tipos de programa de TV que, jamais pensei, iriam prender tanto a minha atenção.
São eles: os programas de contrução/reforma de casas (como o Ame-a ou Deixe-a Vancouver e as diversas variações dos Irmãos à Obra) e um programa similar, mas cujo objetivo é reformar restaurantes (Pesadelo na Cozinha), que mais parece uma adaptação do Restaurant: Impossible.
Depois de me descobrir um interessado espectador deste sub-gênero televisivo, comecei a pensar nos motivos que poderiam ter me levado a esta admiração. Claro, a absurda falta de opções da TV paga (os pacotes são bem ruins, na minha opinião) é um motivo. Também o é minha incapacidade de assistir muita coisa em serviços de streaming.
Há, contudo, um fator que me atrai nestes programas: a produção conjunta de um ou mais bens (ou serviços) e seus aspectos organizacionais.
Claro que a edição dos programas nunca nos mostra exatamente a realidade do que aconteceu na confecção de cada episódio e não sou ingênuo de acreditar que todas as histórias seguem exatamente os mesmos passos. Mesmo assim, acho que dá para tirar destes programas algumas lições sobre a produção em equipe. Um dia eu penso melhor nisto e faço um número desta newsletter sobre o tema.
Mas no que diz respeito à (dis)funcionalidade de equipes, o exemplo mais óbvio é o divertido Pesadelo na Cozinha, cuja premissa é que o chef Jacquin “salve” algum restaurante do caos em que se encontra.
Em praticamente todos os episódios do Pesadelo, Jacquin é obrigado a dedicar alguns (muitos) minutos de seu tempo xingando pessoas, chamando-lhes a atenção para que não cometam erros (deve ser ótimo ser pago para xingar os outros…).
Liderança, sabemos todos, nem sempre é sinônimo de tranquilidade e as pessoas precisam, sim, em muitos momentos de sua vida, de alguém que lhes aponte os problemas de forma incisiva, dura e, diriam alguns (nem sempre sinceramente), traumática. Jacquin parece entender bem disto. Deixe seus funcionários sem um incentivo (que seja um chicote ou uma cenoura) e você verá seu investimento ir para o ralo. É esta a principal lição do programa.
Um bom atendimento em um restaurante não é uma obra de um homem só. Assim também não o é o atendimento cortês em um balcão de uma empresa (estatal ou não). A primeira experiência de todos nós com isto começa no famigerado trabalho em grupo do colégio e da faculdade. É terrível aprender que muitos colegas adoram colher os louros da vitória sem um mínimo de esforço. É o que se chama tomar carona (diz-se que o sujeito é um caroneiro ou um free-rider (*)).
Fico imaginando o quão melhores teriam sidos alguns trabalhos em grupo de alguns universitários se o método de ensino “Jacquain” (e não o método isso-o-que-temos-hoje) estivesse já consolidado em boas faculdades.
Pense em como seria interessante, naqueles trabalhos em grupo feitos em uma única aula, caso tivéssemos o professor passando de mesa em mesa, sendo duro quando necessário. Nem um único falso elogio. Carta branca para dar bronca e também para elogiar com sinceridade.
Posso até visualizar um grupo problemático no fundo da sala, turma de Economia do 4o período, em plena discussão quando o professor tenta uma intervenção.
(incluir música de abertura seguida de close para um aluno do grupo visivelmente irritado com a interrupção professoral de seu ócio ‘criativo’…)
- Ah, mas meu pai pagou o seu salário! , brada um altivo aluno (nem sempre um ativo estudante), com dedo em riste apontado para o professor e aquele fofo olhar furioso, quase colérico de quem tem problemas com autoridade, mas não com o dinheiro da autoridade paterna.
- Não, ele pagou para que você saia daqui melhor do que entrou! , responde com tranquilidade, mas sem perder a firmeza, o - já-acostumado-com-isto - professor, em um atuação suavizada do estilo Jacquin.
(corte para a próxima cena mostrando um aluno sentado com aquela cara de tédio, quase comendo a própria borracha, olhando incessantemente fotos no celular)
- Mas professor, quando é que vamos fazer análises de conjuntura?
A câmera foca no professor, que responde:
- Meu filho, estamos no primeiro período. Você confiaria sua próstata a um aluno do primeiro ano de Medicina?
O aluno olha, com ar de ceticismo, mas reflete e desiste de retrucar.
(novo corte. Clima tenso. O trabalho não evolui. Foco no relógio do corredor (usar música do seriado 24 horas))
A cena mostra momentos de alguns dos membros do nosso heróico grupo. Um quer copiar um texto da internet sem usar as boas normas de citação. Outro tenta jogar sua tarefa de estimar uma regressão linear simples no Gretl para o colega. A câmera flagra um terceiro membro do grupo que tenta paquerar uma colega do outro grupo que, ocasionalmente, responde ao seus nada discretos flertes.
O professor, até então moderado, eleva o tom de voz (um tom de voz aceitável em sociedades civilizadas do século XX, antes da infantivitimização promovida no planeta em que tudo é ofensa ou microagressão):
- Vocês acham que serão bons profissionais assim?
Alunos se entreolham. Até para responder o professor existe o problema do carona. Finalmente, um, mais risk-lover (e que sonha ser humorista com suas piadas), arrisca:
- Mas, professor, meu pápis é rico. Eu posso contratar uns dez economistas! , argumenta o aluno (que já pensa na viagem semestral a Paris).
Segundos de tensão. A câmera, sempre tremendo (naquele estilo neurótico dos reality shows), vira-se rapidamente para o rosto do professor que, com um generoso sorriso, responde:
- Meu filho, se todos pensarem como você, quem você irá contratar? Usa este espaço aí entre suas orelhas para pensar. Isto aí não é só para você colocar um boné!
Alguns membros do grupo entendem o que o professor disse. Outros fazem cara de quem entendeu, mas seguem matutando sobre a morte da bezerra ou sobre o último aplicativo de namoro disponível no celular (diponível na Apple e também na Play Store).
O clima arrefece. Um sorriso irônico aqui e outro acolá. Os alunos percebem que seus interesses se alinham em torno da nota do trabalho e que o exigente professor não deixará que alguns membros do grupo se aproveitem dos demais.
(momento do programa em que a edição caprichada constrói um cenário em que todos parecem ter percebido algo bom, uma certa “lição” para a vida. A música de fundo, agora, é mais suave)
Chegamos à última parte do programa, aquela na qual os grupos apresentam o trabalho e entregam-no para o professor. Alunos que, até então, nunca tiveram problemas em se expor no Instagram para milhares de visualizadores (uns, até, de sunga), subitamente, tornam-se tímidos e gaguejam.
O grupo problemático do início deste episódio deste vibrante reality show, este verdadeiro thriller de ação dramático e cheio de emoções fortes, finalmente apresenta o trabalho. Nota-se que alguns conseguiram aprender algo. Outros, por sua vez, apenas simulam entender do que falam. Alguns erros na apresentação, claro, mas nada que comprometa a nota. O final, como diz um grande amigo meu, é feliz. Passam com nota um pouco acima da média.
Sobem os créditos (o making of é opcional).
O programa poderia se chamar o Pesadelo do Trabalho em Grupo, e professores poderiam experimentar diferentes tipos de liderança para tentar dissuadir os aluno dos comportamentos improdutivos ou antiéticos.
(*) Em Portugal: andar à boléia. Por que falar do significado em Portugal? Esnobismo? Ostentação? Que cara entojado! Vamos cancelá-lo! Na verdade, é que há um livro de Economia do Setor Público da McGraw-Hill de Antonio S. Pinto Barbosa, que, para mim, é o melhor manual em português para a graduação. Tudo correria bem não fosse o fato do livro ser escrito em português de Portugal o que, em alguns círculos de alunos, causa uma reação adversa. Além do mais, convenhamos, é legal, numa conversa, jogar um andar à boléia só para ver a reação das pessoas (literalmente, já que a gente só se fala em vídeo-conferência agora…).
Dois Adendos
Minha resposta a uma pergunta - À clássica: “Professor, o senhor também trabalha ou só dá aulas?”, não perca a calma, sorria e devolva: “Aluno, você também estuda ou só assiste às aulas?”. (Use sem moderação)
Falando em professores, liderança, etc - Yamaoka Tesshu foi mentor do jovem Mutsuhito Meiji (é, o imperador) e, bem, aqui vai uma ótima para vocês, em inglês mesmo, (direto do túnel do tempo):
On one occasion the young emperor challenged Tesshu to a wrestling match. The emperor enjoyed sumo wrestling but he had acquired the inappropriate habit of challenging his aids to impromptu wrestling matches. On one occasion, following a bout of sake drinking, the emperor challenged Tesshu to wrestle. When Tesshu refused the challenge, whereupon the emperor tried to push and pull Tesshu, but the emperor found Tesshu to be immoveable. Then the emperor tried to strike Tesshu, but Tesshu moved slightly aside. The force of the emperor’s blow caused him to fall down, whereupon Tesshu pinned the emperor to the ground. The emperor’s other aids were furious with Tesshu and demanded that Tesshu apologize to the emperor. Tesshu asserted that he was in fact doing his duty and would commit suicide if the emperor requested, but he would not apologize. The emperor saw the wisdom of Tesshu’s way and gave up (temporarily) both wrestling and drinking. From then on Tesshu was one of the emperor’s most trusted advisors.
Link algo aleatório - Machine Learning e artes
Por hoje é só, pessoal.