Pantaleão, o presidento do Banco Central - Crescimento e Meio Ambiente - Falsificação de Preferências - Teto de Gastos
Prefiro não fazê-lo, presidente.
Neste v(3), n(15) da newsletter, nenhuma emoção forte, tampouco ação ou aventura.
Pantaleão, o presidento do Banco Central - Pantaleão era um senhor que mais se parecia com um bicheiro carioca. Camisa desabotoada mostrando o peito cabeludo, colar de ouro e relógio caríssimo no pulso e, claro, chinelo no pé. Muito popular entre a vizinhança, morava na região suburbana de Belo Horizonte, em cima de uma borracharia que funcionava 24 horas por dia.
Torresmo de barriga com cerveja e pão com manteiga na chapa eram suas paixões gastronômicas.
“- Só se for na padaria do Pipoc…digo, do Janjão!” (perdoe-me o leitor, mas a padaria do Pipoca pertence ao universo do Doutor Palhinha e ao do Juó Bananére)
Com este grito de guerra, Pantaleão anunciava à namorada, Neuza, que iria se alimentar de forma saudável (do seu ponto-de-vista) com os amigos, geralmente de terça a sábado, pois no domingo ele ia à missa e, na segunda, passava na borracharia para ver se cuidavam bem de seu imóvel (ele o alugara ao Nélson Dois Dentes, famoso borracheiro da região…digo, famoso, mas não por ser um bom profissional, e sim por seus assovios às moças que passavam do outro lado da rua.
Um dia, elegeu-se presidento um sujeito que não entendia bulhufas de Economia, mas sim de ganhar votos (claro!). O presidento pediu ao seu assessor, Zeca de Deus, encarregado do recrutamento de ministros que encontrasse um sujeito que, decididamente, não entendesse de Economia.
Eu não gosto de especialistas de Economia na gestão dos órgãos ligados à Economia, dizia, com alguma redundância, o presidento. Na verdade, o problema todo era a ideologia: áreas do saber dominadas por seus aliados ideológicos eram aquelas nas quais ele se gabava de ter especialistas…
Muito bem, Zeca de Deus, que também não entendia de Economia, ficou bem à vontade para cumprir a vontade do presidente eleito. Ocorre que Zeca era vizinho de Pantaleão e sabia da absoluta falta de habilidade deste em qualquer coisa que não fosse jogar ketchup (isso mesmo!) em torresmo de barriga.
“- Pô, Pantaleão me parece ideal. Do povo, popularzão no bairro, trata a mulher como o presidente acha que tem que tratar, embora não fale nada disto em público, e também adora uma cervejinha. Na pior das hipóteses, pode tomar umas com a gente na garagem da residência oficial…”.
Zeca de Deus encontrou Pantaleão sentado em frente à padaria do Janjão e lhe fez a proposta. Como não entendiam nada de Economia, Pantaleão aceitou. O salário era bom demais para deixar passar a oportunidade. Além disso, Zeca lhe prometeu que ele teria autonomia, desde que obedecesse aos desejos do presidento (chamava isto de autonomia progressista). Assim, Pantaleão também seria presidento. Só que do Banco Central.
Pantaleão só topou porque o presidento da República lhe garantiu trabalho remoto 100%, o que significava uma excepcional melhora em seu padrão de vida (em unidades de torresmo ou de cerveja, tanto faz). Falou para a mulher que ‘sei-lá-o-quê-do-banco-central’ tinha sido discutido com ele e que o Zeca de Deus lhe havia arrumado um dinheiro extra por mês.
Naquela noite, ele e Neuza comemoraram na velha cama de colchão de mola cantando o jingle da campanha do presidento eleito enquanto trabalhavam para diminuir, em um prazo de 9 meses, o PIB per capita... Aliás, Pantalaeão acreditava mesmo que a procriação diminuía o PIB per capita. Ele e o presidento.
Alguns dias depois, Pantaleão sentou-se em frente à tela do computador com o cabelo ajeitado com uma cera artesanal (que ele tomara de empréstimo do pessoal da borracharia porque, como sempre dizia, ‘o importante é tirar leite de pedra’). Ajeitou-se na cadeira de plástico que ainda lhe suportava o peso, a despeito dos torresmos e do tempo. Para a sorte dos demais participantes da reunião, o chão sujo não aparecia na câmara algo torta de seu velho computador.
Sim, era a hora da primeira reunião virtual com a turma do Banco Central. As janelas foram se abrindo aos poucos e alguns diretores tentaram disfarçar o espanto com a espalhafatosa figura de Pantaleão. Uma diretora riu, mas ela estava na cota das diretoras e ninguém lhe chamou a atenção. Claro que Pantaleão não gostou. ‘Pantaleão é do povo, das ruas, não entende destas coisas sociais não!’, dizia sempre, com certo orgulho, imitando seu presidento eleito.
O início da reunião foi tenso. As condições econômicas do país não estavam ruins, mas a guerra na Europa era uma variável que incomodava alguns dos diretores.
‘- A guerra…
- E daí a guerra? (Pantaleão entrou chutando as canelas!)
- Ah, senhor Pantaleão…
- É Presidento Pantaleão procê, engomadinho! (som de pulseiras de ouro balançando)
- Sim senhor.
- Agora o BêCê é do povão, sacou? Vocês, banqueiros, não vão mais ganhar com os juros não!
- Mas senhor presidento,…iniciou a diretora.
- Dona, a conversa num chegô na cozinha ‘inda não, tá?
- Senhor presidento, a diretora Helena é uma senhora…
- Eu sei, careca. Eu sei o que é muié e o que não é, tá? (Pantaleão desabotoa mais ainda a camisa, num gesto ambíguo que poderia ser interpretado como um ‘sutil’ flerte…)
- Sim senhor.
- E o que tem esta guerra? Nem é aqui perto. Aqui é Brasil, parça!
- O senhor veja, o mercado externo…
- Aqui na borracharia tá tudo bem! É o presidento no volante e Deus na direção!
- Senhor Pantaleão, reconsidere, os efeitos da queda dos juros lá na…
- Queda? Gostei. Vamos jogar os juros no chão. Todos eles! Quem é que cuida disso? É você, careca? (nervoso, mexe em seu colar de ouro)
- Não, não…mas, olha, não é assim que funciona…
- Comigo é! Eu sou o presidento desta b***a. Eu que mando aqui, careca!
- Sim, eu sei, mas o senhor poderia confiar na nossa…
- Não vem com conversa mole não. Ocê num é povo. A sabedoria vem do povo! E o povo elegeu o presidento!
- Olha, senhor…
- O que foi, loirinho engomado? Ocê também? (Pantaleão já suava…afinal, ainda não comprara um ar condicionado. Suava e se sentia mais e mais nervoso com aqueles ‘especialistas’, entre aspas mesmo)
- É que…
- Deixa de frescura e engrossa a voz! Tu tá me tirando, banqueiro? Ocês tudo do capital são uns frescos mesmo…
- O senhor não acha que está passando um pouco do…
- O presidento é quem me nomeou, loirinho fresco. Cê sabe disso? Intende?
- Mesmo assim, o senhor não está se portando…
- Vou chamar o Zeca de Deus, heim? Tu sabe o que ele faz com quem não dança conforme a música do presidento, né? Vai sumir e ninguém vai sentir sua falta… (pulseiras balançando…)
- De maneira alguma…
- Então é prá derrubá os juros. Tudo eles! Prá ontem. É o povo no poder!
- O senhor sabe que esta decisão não vai atender aos pobres, né?
- Ô, moça, volta prá cozinha. Não incomoda não, tá? Se não aguenta a luta popular, volta prá cozinha e vai fritar uns biscoitos…
- Que absurdo! Como o senhor se atreve…
- Tirem esta moça da reunião virtual, sou o presidente do Banco Central e quero juros baixos!”
A reunião se encerrou em meio a esta tensão toda.
O povo, segundo Pantaleão, agora estava no poder e o presidento era o povo encarnado. Sem falar que ele, agora, tinha uma renda mensal bem maior e Zeca de Deus lhe prometeu que falaria com o ministro Rogério, do STF, para que ‘reinterpretasse’ a ‘Constituição’ de forma a que ele não fosse sabatinado no Senado. ‘Chega de meritocracia, este conceito retrógrado da democracia liberal burguesa’, teria dito Zeca ao ministro Rogério que teria concordado com largo sorriso...
No dia seguinte, o BC anunciou a queda da taxa de juros de 5% para 0.003%. O presidento se encheu de choppe e Pantaleão, presidento-que-mostra-quem-manda do BC também. Além disto, Pantaleão também se entupiu de torresmo de barriga com ketchup.
Dias após a reunião e ao anúncio, a diretora Helena vazou parte do conteúdo da conversa nas redes sociais, na esperança de que o movimento feminista (apoiador do presidento) a apoiasse. Contudo, conseguiu apenas ganhar das feministas a acusação de ser preconceituosa contra os pobres (para a sorte da diretora Helena, Pantaleão não viu as postagens. Nunca gostou de ser chamado de pobre, embora tivesse orgulho de se dizer ‘pobrão do povo’).
Um a um, os diretores foram arrumando justificativas para deixarem os cargos, sem que fossem acusados de fascismo (ou terrorismo). O presidento e Pantaleão claro, nomearam gente ‘que não é do mercado financeiro’, ganhando aplausos de alguns eleitores menos familiarizados com a lógica (inclusive, a econômica) das políticas públicas.
Pantaleão estava feliz. Sentia que, finalmente, não era tolhido por gente má como os poupadores e os investidores do país. Nada de ‘gente do mercado’ metendo o bedelho sobre a condução da política monetária. Poderia seguir sua voz interior, seus instintos mais primitivos. Para que ciência econômica? Modelos abstratos, álgebra, estatísticas frias, sem coração…finalmente, o amor venceria. O amor, claro, sempre vence.
<voz do narrador> Conseguirá Pantaleão se safar desta sua decisão tresloucada? O presidento aceitará um ‘retrocesso’ em relação ao seu discurso de campanha? E Zeca de Deus? Comprará charutos cubanos a um bom preço em Coimbra, quando estiver a passeio com seu amigo, o juiz Rogério?
Pantaleão voltará em Pantaleão contra Chantagem Econômica.
Polzonoff - Paulo Polzonoff escreve bem melhor do que eu e, veja só, não é que ele tratou de tema similar ao do textinho anterior? A bem da verdade, foi ele quem me inspirou a criar o Pantaleão…
Crescimento e meio ambiente - Sim, quanto mais crescimento, melhor.
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Falsificação de Preferências - Nesta semana, o ótimo Vincent Geloso comemorou a publicação de um dos livros realmente mais interessantes dos anos 90. Seu autor, Timur Kuran, aliás, é um ótimo economista. O livro é bom mesmo. Quer um resumo? Este, em inglês, está ótimo.
Teto de gastos - Parece que o STF decidiu legislar de novo. Desta vez, o anúncio é que alguém endividado e que não esteja em dia com os pagamentos terá sua carteira de motorista e o passaporte retidos.
A decisão é clara: se você está devendo, não pode não pagar alguém e, por exemplo, sair por aí gastando dinheiro. É exatamente a idéia de uma restrição orçamentária rígida ou, se quiser, assinante, a de um teto de gastos.
Deduzo, algo generosamente, que o STF entende que trade-offs existem (ou, de outro modo, que não existe almoço grátis). Só não sei se os juízes também acreditam que o mesmo princípio se aplica ao setor público. Espero que sim.
Já pensou se gestores públicos tivessem carteiras e passaportes retidos caso dessem calotes? Não, nada de rolar dívida, Joãozinho. Afinal, todos são iguais perante a lei, diria um juiz a um entristecido prefeito que não pagou os fornecedores e, assim, teria que passar as férias na cidade mesmo, sem carro…
Outros avisos - Desejo a você um ótimo carnaval!
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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