Pantaleão contra chantagem econômica - Reiji Matsumoto nos deixou - Um sonho com Ludovico - Outros.
De que são feitos os heróis, Palmirinha? 20 g de farinha de trigo, 1 colher de açúcar, 1 colher de sal...
Alalaô-ô-ô, chegou o v(3), n(16), ô-ô-ô! Dois contos e uma lamentação é o que temos. Em um deles, o novo personagem, Pantaleão, volta em uma nova e eletrizante (segundo o departamento de marketing) aventura.
Pantaleão contra chantagem econômica - Como vimos anteriormente, Pantaleão, homem do povo, legítimo representante das massas, semianalfabeto (mas que, por motivos políticos, chora ao dizer que não pôde estudar, embora tenha sido um cabulador de aulas na juventude), foi nomeado presidento do Banco Central.
Em sua primeira - e tensa - reunião com os técnicos (que ele chama sempre de representantes do obscurantismo burguês), Pantaleão forçou a queda da taxa de juros a todo o custo porque, sabe como é, manda quem pode, obedece quem tem juízo. Mesmo que o presidento eleito não seja um militar, seu modus operandi com seus subordinados não deixa nada a dever a um general Paton.
Pois! O presidento pediu ao presidento do BC (o já mencionado Pantaleão) que a taxa de juros caísse e assim foi feito. No dia seguinte ao anúncio, uns jornalistas publicaram ensaios tensos, que chamaram a atenção do presidento que, então, enviou-os a Pantaleão que, por sua vez, pediu para que alguém lesse porque, afinal, ele era um presidento.
Coube à dona Jurema, secretária de uma diretoria do BC, a árdua tarefa de ler e explicar os textos para o teimoso Pantaleão. Aconteceu em uma tarde quente. Munido de seu novo ventilador de seis pás, fabricado na China (e importado por uma empresa nacional) e acomodado em sua nova cadeira de plástico, o presidento Pantaleão abriu seu laptop e conectou-se à reunião agendada por dona Jurema.
Inicialmente, a secretária tentou conter sua vontade de rir (e de chorar, e de chorar de rir) ao ver Pantaleão de camiseta branca, trajando suas já famosas correntes de ouro e o boné da falsificada marca GEP. Para sua sorte, não veria a samba-canção rasgada, nem os chinelos recheados com pés vestidos com meias da Hello Kitty que Pantaleão ganhara no inimigo oculto da família.
Do outro lado da tela, Pantaleão se maravilhava com a elegante dona Jurema e seu terninho cinza contrastando com um sóbrio vestido azul escuro. Os cabelos arrumados impecavelmente (a vida de uma servidora, dependendo do ano de seu concurso público, não é tão dura assim…) por um dos melhores cabelereiros do Distrito Federal e os brincos discretos eram apenas um detalhe perto de seu belo rosto. Jurema parecia uma destas atrizes coadjuvantes de séries: nem tão exuberante, mas também nem tão apagada. Bonita? Sim, mas sem arrastar todos do quarteirão.
Sim, Pantaleão havia sido atingido pelo Cupido. Ou, naquele momento, pelo menos, acreditava nisto. Começou, seriamente, a pensar em uma reunião presencial, mas lembrou-se que Zeca de Deus, o político que levara seu nome ao presidento, havia colocado várias restrições a viagens. É que Zeca pretendia usar o dinheiro para pagar o pedágio informal (fora da lei) ao partido porque…bem, ele tem suas ambições (mas diz que é pela ‘revolução’, embora jure respeitar a Constituição).
A secretária cumprimentou Pantaleão - que não conseguia tirar o sorriso do rosto (sorte que Neuza estava no tanque, lavando uns tapetes…) - e iniciou com um resumo dos principais argumentos dos ensaios críticos à queda dos juros por ele ordenada.
“- Senhor presidento, neste primeiro texto, que é um editorial do jornal Bolha de São Pedro, afirma-se que a política fiscal…”.
Pantaleão ouvia tudo, mas nada permanecia em seu pequeno - e bagunçado - cérebro, que estava ocupado com a dona Jurema passeando de barco em um lago localizado em algum bosque de um imaginário filme romântico.
Dona Jurema seguiu com mais uns dois ou três textos, um pouco tensa com o silêncio (e o estranho olhar) de Pantaleão.
“- Senhor presidento, então, depois que vimos aqui a Caceta do Polvo, A Estadia de São Paulo, Zero Ideia, Vetor Ecumênico e, claro, a Bolha de São Paulo, o senhor não acha que deveríamos rever, para a próxima reunião, esta decisão de…
- O que foi, dona Jurema?
- O senhor não me ouve?
- Ouço, dona companheira Jurema.
- Pois então…
- Ó, dona companheirinha Jurema, posso chamá-la de Jurema?
- Pode.
- E de Ju?
- Não acho apropriado.
- Tá, Jurema, eu não preciso ouvir nada disso aí. Tudo isso é escrito pelos técnicos, ‘especialistas’ (a senhora consegue ver as aspas ou tem que ler esta crônica?)…
- Estou ouvindo…(sim, somos personagens de ficção, não se preocupe).
- …então, Jurema, esses hômi aí tudo joga tênis, que é um esporte de rico e trabalham na imprensa, que sempre quer atrapalhar a vida do presidento e de nós.
- Não acho que…
- Calma, Jurema. Não terminei. Esse palavreado todo aí, estes termos, prá mim é tudo para enganar a classe trabalhadora.
- O senhor…
- Jurema, por favor, coloque-se no seu lugar…
- Eu me coloco onde eu quero (desde que não arrisque meu cargo).
- Ah, Jureminha, você entende…
- Jurema, por favor…
- Isso, Jurema. Ó, Jurema, este papo todo aí é uma chantagem econômica.
- Como assim?
- É uma conspiração dos hômi da Faria City contra o presidento.
- Senhor…são milhões de poupadores que…
- Não me venha com esta! É tudo um complô dos judeu…digo, banqueiros.
- O senhor sabe que meu sobrenome é Goldstein, né?
- Goldstein, Bernstein, tanto faz. O que importa é o que estou dizendo: é uma chantagem econômica! Entendeu!? Não vou mais ouvir estes textos pedantes destes capitalistas rentistas!”
Pantaleão não sabia bem o que eram capitalistas ou rentistas. Só sabia que o boletim do sindicato sempre associava tragédias, catástrofes e mortes a um ou a uma combinação destes termos. De tanto ler manchetes garrafais do boletim, não importava mais se o que lia era verdade, mentira, desinformação ou fake news (na verdade, os três últimos…). O que importava é que nenhum juiz mandou prender nenhum redator do boletim do sindicato, o que, para Pantaleão, era um critério suficiente para se dizer o que era aceitável ou não em termos de veracidade de manchetes.
Ao fim da reunião, Pantaleão ainda tentou esticar a conversa, mas Jurema (ou dona Jurema), diplomaticamente, deu uma desculpa qualquer (‘tenho que regar minhas plantas’) e picou a mula, deixando o apaixonado presidento do BC sem muitas opções senão encerrar a conferência virtual.
Pantaleão estava, definitivamente, encrencado. Digo, amorosamente falando. Enquanto isto, a economia do país - como direi sem parecer técnico? - ia para o beleléu, sob os olhares de jornalistas, políticos, juízes, sócios das Lojas Bah-mericanas e eleitores anestesiados pela boa relação entre o presidento com o Banco Central.
Em sua sala, dona Jurema começou a ler preocupantes paralelos entre a economia do país e a da Argentina. Em uma das matérias, o presidento dizia que só quem ganha a Copa do Mundo pode dar o exemplo.
Dona Jurema pensou um pouco e resolveu que não mostraria a notícia para Pantaleão na próxima reunião.
(Pode ser que continue que Pantaleão volte em mais uma incrível aventura na construção de um mundo mais justo, mais plural, mais inclusivo, mais democrático, mais belo, mais colorido e mais pobre. Ou não.)
Reiji Matsumoto nos deixou - Criador de heróis e heroínas trágicos, exímio desenhista de trens, navios, aviões, etc., Reiji Matsumoto marcou época na história da cultura popular japonesa. Não à toa, alguns de seus personagens foram eternizados em estátuas de bronze no Japão.
Faleceu em 13 de fevereiro - e a notícia só chegou até mim recentemente - aos 85 anos de idade. Como nasceu em 1938, era criança quando o Japão iniciou sua campanha desastrosa com o ataque a Pearl Harbor, em 07 de dezembro de 1941.
Quando do advento da Rede Manchete, o público brasileiro teve contato com um tal Starblazers que era a versão norte-americana da segunda temporada do “Encouraçado Espacial Yamato”. Curiosidade: pouco tempo antes, em uma visita a um diretor japonês, vi, espantado, pela primeira vez, um videocassete e, claro, a fita era um episódio do desenho. Imagine minha alegria, então, quando o mesmo estreou por aqui…
Na época dos canais de anime (animê), lá no início da TV paga, uma nova geração pôde assistir outras duas obras menos (?) famosas de Matsumoto: Submarine Super 99 e Gun Frontier (este, por sua vez, conversa com o universo de Queen Emeraldas, Captain Harlock e The Galaxy Express 999).
Mais recentemente, o filme feito com animação gráfica do Capitão Harlock esteve nestas plataformas de streaming por um tempo (acho que ainda está) e, claro, no Crunchroll, há o The Galaxy Railways sobre o qual comentei outro dia, por aqui. Aliás, por lá também encontra-se a primeira temporada da releitura do Space Battleship Yamato produzida pelo filho adotivo de Nishizaki, o homem que, juntamente com Matsumoto, produziu a série de sucesso (a batalha judicial que se seguiu ao final da série, entre ambos talvez tenha sido o evento mais lamentável da história deste desenho épico).
Os mais aficionados pelo traço e pelas histórias criadas por Matsumoto sabem que ele é meio repetitivo (já mencionei isto em um número anterior). Ao mesmo tempo, é impossível resistir à vontade de assistir os desenhos baseados em suas obras.
Pois é…dos criadores originais do Space Battleship Yamato, não temos mais Nishizaki, nem Matsumoto. O cantor das aberturas de Galaxy Express 999 e Yamato, Issao Sassaki ainda está vivo, mas bem velho. Recentemente perdemos Ichirou Mizuki, que cantava a maravilhosa abertura da primeira temporada de Captain Harlock (aquela em que a nave Arcadia é, na minha opinião, a mais bonita). Sim, o tempo sempre passa.
Até mais, Matsumoto sensei. Seguimos em viagem pelo universo, agora, sem a sua presença física.
無限に広がる大宇宙。。。
Um sonho com Ludovico - Foi em mais um destes dias de sol e chuva que marcaram o carnaval deste ano na cidade ‘belorizontosa’. Aproveitei o feriado para fazer o que mais gosto no Carnaval que é não tomar conhecimento do mesmo.
Acabei lendo alguns livros e preparando algum material para o restante do ano e, claro, assisti a alguns filmes e séries. A rotina do café matinal, claro, nunca é interrompida. Nem no Carnaval, nem no Natal. Nunca. É assim que funciono. Morrerei, certamente, com um buraco no estômago e lá encontrarão vestígios de uma civilização de seres oriundos do café, mas isto é assunto para outro dia.
Hoje, o assunto é o sonho. Foi em algum dos dias do feriado, já não me lembro exatamente qual deles. Só sei que adormeci com a ajuda de um remédio para a insônia. Obviamente, tudo ficou escuro só que, desta vez, parecia que eu estava acordado, segurando um livro e procurando uma lanterna para continuar lendo-o.
Vagava pela escuridão reclamando porque só faltavam uns poucos parágrafos para o fim do capítulo. Trombei no que parecia - e era mesmo! - um abajur. Consegui ligá-lo, ainda que não visse o cabo, nem a tomada na parede. Era tudo muito estranho. De todo modo, a luz foi feita e eu pude ver uma poltrona bem confortável que estava vazia.
Sentei-me e terminei os parágrafos. Lia o Memória do sobrinho de meu tio, de Joaquim Manuel de Macedo que, aliás, preciso mesmo terminar de ler. Foi quando ouvi uma voz diferente.
“- Miau!”, disse a voz.
Levantei os olhos e direcionei o abajur para frente e lá estava ele: um bem alimentado gato persa himalaio branco me olhando. Não era apenas um gato persa himalaio branco, mas um gato persa himalaio branco, com olhos claros e preguiçosos, que vestia um calção azul Adidas com um walkman preso à cintura e uma latinha de cerveja Skol na mão…digo, pata dianteira esquerda. O fone de ouvido do walkman? Estava no pescoço (o que me fez pensar se Ludovico era um hipster…). Espantado, perguntei:
“- Você também é canhoto?
- Miauhum.
- Que legal! Eu me chamo Claudio. E você?
- Ludovico.
- Ludovico? Não tem sobrenome?
- Mião.
- Ah, tá bom. Que curioso, sempre achei que gato falante era só o de botas.
- Este é ficcional, seu bobo. Eu sou de verdade. Não tá vendo meu calção Adidas?
- Verdade, Ludovico.
- Então, Claudio, eu vim aqui porque preciso te alertar.
- Alertar? Vem cá, você tem outra latinha…
- Miau! Tô falando sério e você só pensa em beber? Contudo, tenho sim.”
Ludovico estava sentado em uma poltrona igual a minha. Ao lado da mesma, notei, havia um balde com latas de cerveja e gelo. Com um comando mágico ele fez a latinha vir até as minhas mãos. Tive que largar o livro muito rapidamente para não causar um acidente.
“- Saúde, Claudio!
- Saúde, Ludovico.
- Então, olha, tenho que te avisar, né?
- E este walkman? Funciona?
- Claro, né? Tô ouvindo um j-pop aqui…
- Todo mundo ouvindo k-pop e você…
- Miau! Ué? Você também, né?
- É, verdade.
- Não me interrompa. Tenho que te dar um aviso.
- Ah é, manda aí, Ludovico. Sou todo ouvidos. Agora, se for má notícia, conta com cautela porque não quero ter um ataque do coração.
- Então…bom, como vou dizer…miau…miau…
- Diz aí.
- Mas eu já disse: miau…miau…
- Tá, mas porque você não…
Acordei de repente, suando muito. Também pudera. O ventilador estava quebrado e eu ainda tinha vestido um maldito calção Adidas azul igual ao do Ludovico e o sol da manhã já me queimava o rosto…
Intrigado, tentei me lembrar do que Ludovico havia me dito. Levou um tempo para que o sonho se tornasse, novamente, uma presença forte em minha mente. Só que eu me lembrava de tudo, menos do maldito aviso.
Levantei-me, fiz um café e me acomodei na cadeira da sala. Tentava me lembrar do aviso, mas nada. Abri a geladeira e peguei uma fatia de queijo. Não tinha mais goiabada e também não tinha mais queijo, então, tudo bem, foi só aquela fatia. O que me preocupava mesmo era o sonho.
Enquanto passava o café pelo coador de pano, do nada, o aviso de Ludovico veio à minha mente: “miau…miau…”. Corri para o escritório para anotá-lo, mas tropecei e dei de cabeça com a quina da mesa. Foi assim que morri e vim aqui contar para vocês que o Ludovico só quis me avisar que eu não tentasse anotar o seu recado.
Agora, aqui no céu (pelo menos eu acho que é o céu, já que o lugar está cheio de gatos), estou em um bar, com Ludovico. Estamos ambos de calção Adidas azul, tomando o café da manhã e ele não pára de rir do meu infortúnio nesta pequena história. Fazer o quê? Melhor beber com Ludovico e esquecer tudo. Só espero não acordar de novo e perceber que estou vivo.
Tudo começou em 2013? - Eduardo Matos Alencar é autor do ótimo De quem é o comando?, um livro sobre as microestruturas do poder do crime em presídios de Pernambuco. É dele também este longo - mas importante - ensaio que tenta entender o momento atual a partir das jornadas de 2013. Como sempre: concorde-se ou não com o autor, ele tem um argumento.
Miyamoto Musashi - Terminei o mangá de Shotaro (suspeito que seja Shoutarou) Ishinomori. Deram-me a dica de que é baseado no gigantesco romance de Eiji Yoshikawa (o qual nunca li). Os personagens não são desenhados com o traço mais realista de Hiroshi Hirata (autor de Satsuma Gishiden, da mesma editora), parecendo-se mesmo com personagens típicos da maioria dos mangás. É leitura divertida para passar o tempo.
Bom final de Carnaval!
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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