Os livros importados nos anos 90. Divulgar ciência é diferente de divulgadores de ciência. Quem foi Marinette Bouças?
Eram outros tempos, claro. A gente brincava na rua sem medo...
O v(2), n(24) serviu para eu puxar do fundo do baú algumas recordações de uns 30 anos atrás. Melhor já irmos para o passado. Ligue os motores.
Livros nos anos 90 - Nas últimas semanas, como disse (disse?), tive que interromper minhas leituras. Mas eis que hoje me lembrei de um tema que pode interessar aos mais jovens: como se comprava livros importados nos tempos primitivos.
Nos anos 90, eu começava a ganhar algum dinheiro e morava com meus pais. É verdade que a inflação comia solta e você não conseguia fazer um planejamento de longo prazo com alguma segurança.
Após o período em que trabalhei no Instituto Goethe (já mencionado em outro número da newsletter), meu destino pós-estágio passou a ser outro. Acho que já nem era mais estagiário. Trabalhava como um terceirizado.
Da Rua da Bahia com a Rua Gonçalves Dias eu descia em direção ao bairro de Lourdes. Em algum trecho, não me lembro exatamente onde, eu virava à direita até encontrar a Rua dos Aimorés na qual, a uns dois quarteirões da Av. Amazonas, havia um lugar que eu frequentava muito.
Cabe informar ao leitor que, na mesma região, profissionais do sexo ofereciam seus serviços em um trecho que, se não me engano, era próximo ao lugar que menciono. Não era sempre que passava por elas (ou seriam ele(a)s?), mas, bem, por um tempo, que não deve ter durado muito, ali foi um ponto de prostituição. Com minha cara de estagiário, claro, nunca fui abordado.
Passando pelo ponto delas(es), havia uma bela casa, acho que de muro branco, na qual ficava a Livraria e Importadora Científica. Era um lugar agradável. Lembro-me da dona, uma senhora baixinha, de cabelos castanhos escuros lisos, de nariz levemente adunco que sempre usava uns colares chamativos.
Por algum tempo eu soube o nome dela. Hoje, infelizmente, não me lembro mais. Eu economizava meu dinheiro porque, pensando em seguir carreira acadêmica, queria ter bons manuais. Meu inglês não era lá aquelas coisas, mas eu tinha um dicionário de bolso em casa (e um maior, mais antigo) que me ajudaram muito naqueles tempos.
Entrar nesta livraria era como entrar em um local em que as preocupações desapareciam. Nunca estava cheia e a dona, pelo menos me lembro assim, adorava que eu ficasse lá olhando os livros porque sabia que eu era um bom consumidor. Creio que tomei cafés lá (mas minha memória não é mais a mesma…). Acho que os livros ocupavam o que seria um cômodo da casa.
Sim, existiam livros importados, mas não somente. Para quem é de São Paulo, imagine uma versão muito menor da saudosa Livraria Cultura, aquela dos livros científicos, do Conjunto Nacional (hoje, ainda está lá, mas a disposição física é diferente: as três livrarias se tornaram uma única e imensa). Era o que tínhamos por aqui (exceto uma outra, mas que era especializada em livros de línguas estrangeiras).
Voltando à nossa história, estávamos na Belo Horizonte do início dos 90. Início mesmo. Algo como 1990-3.
Na Científica comprei meus dois primeiros livros importados de Econometria. Um da dupla Pindyck e Rubinfeld (que ficariam famosos, anos depois, pelo seu traduzido manual de microeconomia). O outro, dos irmãos Wonnacott que eram conhecidos por aqui por um manual de introdução à economia.
Foi lá que comprei também, da Zahar, o Será que Deus Joga Dados, de Ian Stewart, sobre a matemática do caos (um tópico científico que caiu no gosto da imprensa naquela época). É que eu era professor substituto e, semanalmente, com um antigo professor meu (o melhor da graduação…), discutíamos capítulos deste livro.
Da Livraria Científica eu saía sempre feliz após uma boa conversa em direção à Avenida Amazonas, onde pegava o meu ônibus. Era um caminho propositalmente mais longo, mas que eu gostava de fazer porque a livraria era um lugar aconchegante.
Algum tempo depois, no mestrado da USP, descobri a Livraria Cultura na qual batia ponto todo sábado, ansioso por ter dinheiro suficiente para comprar um ou outro livro. Acho que meu Econometric Methods de Johnston (na época, ainda sem o coautor, Dinardo) comprei ali, na Cultura.
É, leitor, nos anos 90, livros importados eram só se você desse sorte de achar ou se tivesse cacife para encomendar com estes livreiros. Era bem mais demorado e difícil porque não havia internet para você pesquisar. Mesmo assim, eu afirmo para você, era, e sempre será, um prazer entrar em uma livraria física (e olha que eu adoro as livrarias virtuais).
Juro que pensei que tinha uma foto com a dona da livraria, mas acho que foi só um devaneio. Seu rosto está em minha memória. Seria realmente um prazer encontrá-la para agradecê-la pelas boas conversas e matar as saudades…
p.s. Creio que, no fim (minha memória falha, mas acho que é isso mesmo), a livraria se mudou para uma galeria perto do nosso Mercado Central, na esquina da R. São Paulo com a Av. Augusto de Lima. Lembro-me de ter ido lá algumas poucas vezes.
Ô Marinette, cadê você? Eu vim aqui só prá te ver! - O pessoal da história se esqueceu de Marinette Bouças. Encontrei-a enquanto folheava um antigo exemplar d’Observatório Econômico e Financeiro (usei o d’ só para levantar suspeitas no leitor de que eu seja um nazi-fascista).
O RealUrso (um simpático urso do Twitter…é, eu tenho amigos diferentes…) foi além e descobriu que, além de diretora do periódico, ela era irmã de Valentim Bouças, um estudioso da gestão da dívida pública. É, Marinette Bouças merecia ser personagem de um conto policial…
Uma mulher diretora de periódico nos anos 50! E depois falam mal dos economistas e administradores. (Esta última frase é só para provocar e para que pensem que sou um patriarcalista retrógrado, já que sei bem que há um discurso de que se não houver 123% das mulheres em postos de direção, então há um regime feudal reptiliano por trás das desigualdades. Estou provocativo hoje, eu sei. São os remédios (esta última frase também é para provocar, já que…))
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Doutor Palhinha, 2022 - Estou com a inspiração em baixa. Até que volte, pelo menos reuni, numa thread, as três histórias que escrevi com este divertido personagem, até agora.
Divulgando ciência - Vimos, na pandemia, o surgimento de um tipo ruim de divulgador de evidências científicas. Refiro-me àquele que atrelou - sem dizê-lo explicitamente - suas divulgações, propositalmente, a uma ideologia.
Não há problema em se ter uma ideologia, mas não se pode selecionar (ou mesmo deturpar) as evidências que se divulga. Isso é péssimo. Claro, em um país no qual a escola ensina a decorar e não a raciocinar, o estrago é menor e, portanto, sai mais barato distorcer a verdade (sobre isto, o último texto do Pedro é altamente recomendável).
Uma divulgadora que sempre conseguiu manter-se fora deste cesto de maçãs podres é Emily Oster. Sua newsletter é, claro, em inglês. Como o custo de se falar asneira aqui é menor que nos EUA, não me espanta que ainda não exista um ser brazuca, da mesma área, produzindo uma newsletter com a mesma qualidade.
Ah sim, sobre o custo de se falar bobagem, é, eu já mencionei neste mesmo espaço, a teoria. É a ideia da irracionalidade racional, desenvolvida por Bryan Caplan. Em resumo: se o preço de assumir suas crenças malucas for baixo, você vai expressá-las mais. Do lado da oferta, um político que queira ganhar votos de gente que nega a contabilidade básica reforçará sua mensagem de que gastos públicos não têm custos.
Uber e ex-ministros - Impressionante a entrevista com o ex-ministro das finanças do Afeganistão que, agora, dirige para a empresa de aplicativos porque a renda familiar não é suficiente. Entre ser morto (ou perseguido) e dirigir um Uber em um país politicamente mais estável? É, parece que ele está melhor, a despeito de tudo. (Dica do prof. Cláudio Lucinda)
Equações diferenciais em Uruk? - Quase isso…mas não longe disso. Veja mais aqui.
Empreendedorismo e Governança Radical - Sei que já valei disso por aqui algumas vezes. Também sei que alguns não gostam do termo governança radical, o que significa que eu preciso refinar melhor minha explicação para me fazer entender. Talvez em outro dia.
Por aqui, agora, reproduzo (mas não fielmente, alterei alguns trechos) texto que publiquei outro dia, em outra plataforma sobre o primeiro conceito, o de Empreendedorismo. Mas, note, meu caro assinante, não é uma exposição elogiosa do termo. Sequer o condena. É mais sobre o que incentivos distintos geram em termos de empreendedorismo na sociedade.
Incentivos, aliás, instituições. E boas instituições aumentam o custo do empreendedorismo parasita (rent-seeking, crime) em prol do empreendedorismo produtivo. "Instituições", destaco, é um conceito teórico (não falo do conceito que está no dicionário!) que se traduz na linguagem comum como "regras do jogo".
Que regras? As que servem como um farol para aqueles que desejam empreender. Um país em que as regras digam que você deve falar com um burocrata a cada medida que queira implementar em sua empresa incentiva o suborno. São regras que incentivam o crime e a criação artificial de rendas (rent-seeking).
O que é rent-seeking? Um exemplo, então, deve dizer que renda (rent) é esta. Ronaldinho Gaúcho tem um talento único que lhe permite ganhar uma renda que vai além da média dos seus colegas. De modo similar, uma top model e etc.
Contudo, se eu não tenho o talento de Ronaldinho e invisto meu tempo não treinando, mas fazendo pressão para que o governo me faça receber o mesmo salário que ele, estou pressionando pela criação de uma renda artificial (já que não tenho o mesmo talento do famoso jogador).
Regras que permitem que eu faça isso são regras que não estimulam que eu busque meus melhores talentos (mais produtividade, jogo de soma positiva, todos ganham), apenas que eu tente obter ganhos às custas dos outros (jogo de soma zero: só ganho às custas de perdas alheias).
Um exemplo de instituições? A liberdade econômica pode ser uma delas. Aliás, o estado de São Paulo também não está mal no Índice de Liberdade Econômica do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, o que pode ser uma boa pista para uma futura pesquisa do leitor mais simpático ao tema.
A liberdade econômica, por sua vez, tem estreita ligação com a regulação econômica. O papel do Estado como aquele que pode alterar instituições é óbvio: pode prejudicar tanto quanto pode ajudar. Claro, o “Estado”, na verdade, é uma rede complexa de atores (políticos, burocratas, juízes, eleitores, reguladores, para ficar nos mais famosos…) e alterar estas regras é algo nada trivial.
A propósito, sobre regulação, o site do Infogov mostra como a regulação evoluiu ao longo do tempo (e há outros recortes interessantes lá). Este é um indicador que também merece uma atenção especial (não à toa, está aberta uma chamada para artigos sobre o tema aqui).
Uma observação final: não basta termos leis de liberdade econômica: é preciso que elas sejam implementadas sob uma cultura pró-empreendedorismo. Por que falo de pró-empreendedorismo? Porque penso no refugiado venezuelano, haitiano ou ucraniano, que chega ao Brasil e encontra dificuldades para abrir um negócio próprio, por mais humilde que seja. E também porque penso no influxo de novos elementos culturais que estas pessoas trazem ao país.
Enfim, é isto.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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