O professor, o aluno e eu - Os efeitos não-óbvios (?) da pandemia - Chico Anysio - Miyamoto Musashi - Dom Pedro II - A memória viva.
Nunca foi fácil recomeçar sem você. Nunca é. E nem será. (É por isto que sempre carrego uma carga extra para você, minha caneta tinteiro).
O v(3), n(12) se alonga um pouco no tema do ensino (educação a gente recebe em casa, eu sei). Depois, partimos para outros voos.
O professor, o aluno e eu
I.
Sempre me impressionou a quantidade de j-dramas em que o cenário da maior parte da ação é a escola. Às vezes, a escola é só um cenário e a vida dos estudantes e professores é o alvo da trama. De toda forma, a centralidade da escola está a alguns quilômetros de nossas novelas ou séries, talvez filmes.
Claro que não são só j-dramas. O cinema já produziu ótimas histórias sobre a temática. Ao mestre, com carinho, com Sidney Poitier é um belo exemplo de um professor que acredita no potencial dos alunos. Mesmo tema em O preço do desafio, com Edward J. Olmos (da clássica série Miami Vice e do remake confuso da série Galactica), só que ao invés de alunos pobres da Inglaterra dos anos 60, são os alunos pobres dos EUA dos anos 80.
Gérard Depardieu também é um professor com uma turma de crianças, complicada em Meu professor é um herói. A diferença é que, ao contrário dos professores representados por Poitier e Olmos, o de Depardieu tem seus defeitos expostos ao longo do filme.
Em O homem que eu escolhi (The paper chase), a universidade norte-americana é cenário para o embate entre um professor bem rigoroso (o, perfeito no papel, John Houseman) e um grupo de alunos que se une para estudar para seu difícil exame. Deste me lembro um pouco menos porque o assisti há muito tempo e nunca o encontrei nas famigeradas plataformas de streaming (ou mesmo em DVD). Só me lembro de ter gostado muito (além de ver a bela Lindsay Wagner, a famosa mulher biônica, em outro papel).
Há outros bons filmes com professores ou com a luta entre professores e alunos no centro da trama, mas o que eu nunca vi é um filme que retratasse a sala de aula brasileira. Não, não falo de filmes que usam a escola como elemento de apoio em histórias que nada têm a ver com o ensino, nem de filmes que mais se parecem com peças de propaganda de sindicatos.
Talvez haja algum filme brasileiro que mostre professores inovando em sala de aula, talvez não. Minha impressão é a de que nem o governo, nem parte dos professores, e nem uma considerável parte da sociedade brasileira parecem admirar a experimentação e a criatividade que não esteja ‘prevista’ em documentos do MEC.
Não deixa de ser um retrato, ainda que imperfeito, de nossa sociedade, que a escola seja só um local para uma trama distinta em nossos filmes. O sucesso, para algum hipotético filme nacional que tratasse do ensino como tema central, acredito, seria pequeno (não temos demanda suficiente, mesmo com esta política de colocar todo mundo na escola, com tempo integral, etc.).
II.
Imagine, por exemplo, um roteiro de um filme construído com base no que vimos na seção anterior.
No Brasil, em uma escola pública municipal bem mal cuidada, situada em uma favela, um professor tenta melhorar o desempenho de seus alunos. Sofre com o descaso do diretor e dos colegas, que não acreditam nos alunos porque estes acreditam que uma escola precisa mesmo é de dinheiro (este mito é tratado em O preço do desafio, mas você pode consultar as estatísticas do Brasil e do mundo para ver que é, realmente, um mito).
Sofre também com a pressão de pais que, pobres, acham que os filhos ganham mais trabalhando para o tráfico (que, aliás, reina no entorno da escola porque traficantes protegem médicos em centros de saúde, mas não professores, mostrando que saúde e educação não andam sempre juntas nas preferências do povo brasileiro). Se o professor for no barraco de alguém para discutir a situação do aluno promissor, sairá de lá, na maioria das vezes, chutado a pontapés ou será ignorado.
O nosso personagem, ainda assim, é esperançoso. Tenta ganhar a turma e, sim, alguns o seguem. Ele propõe que seu próprio salário seja vinculado ao desempenho de seus alunos em algum teste nacional, mas tem seu carro incendiado por membros de uma gangue contratada pelo sindicato em conluio com alguns professores da mesma escola. Claro, é acusado de ser neoliberal, extremista, fascista e tentam também acusá-lo de estupro de menor (esta parte eu roubei do filme de Depardieu).
Como a justiça brasileira nem sempre é cega ou justa, a aluna, que recebeu dinheiro do tráfico para a falsa acusação (reforçada pelos os crimes similares realmente cometidos pelo professor de educação física no mesmo colégio que nunca foi preso…) colocam em risco não apenas seu sonho de levar os meninos à faculdade com alguma preparação mínima (não como é na realidade brasileira, como me informam meus amigos professores de faculdades públicas ou privadas), mas também sua própria carreira.
O professor, que, aliás, pode ser negro, amarelo, ou branco, não importa, também cresceu em uma favela e, por isto mesmo, tem esta teimosia, esta persistência: vê em cada aluno sua versão infantil, lutando para sair da pobreza e dos males que a acompanham. É uma luta inglória? Para estimular o drama, a esposa, cansada da situação toda, deixa-o com o filho pequeno (o filho é só para deixar tudo mais triste).
O diretor do colégio começa a reclamar de resultados (ele perdeu o emprego no setor privado, mas nunca deixou de perseguir resultados) e também que o professor só cria confusão com suas idéias (com acento mesmo porque não estou nem aí para o acordo ortográfico. Não gostou? Processe-me!) que não são construtivistas (o que já o faz ser alvo de críticas de alguns amigos pedagogos que, inclusive, brigam com ele em um bar porque não aceitam críticas a Paulo Freire (mais uma vez, o professor é xingado de extremista, neoliberal, fascista, etc.).
Teimoso (ou ‘persistente’, como queiram), o professor insiste em seguir em sua luta solitária e, bem, as pessoas ainda admiram aqueles que, por suas ações, mostram o seu valor. Assim, alunos vão percebendo que podem mudar sua situação e um colega da escola começa a reproduzir seus métodos, notando que o desempenho dos alunos realmente melhora.
Claro, a melhora do desempenho não é nada excepcional, mas já se percebe uma mudança na atitude dos alunos que tomam gosto pela leitura e não temem mais a matemática. Até o diretor começa a apoiá-lo, diante dos resultados que vê, não só em testes, mas também nesta mudança de atitude.
Quando tudo começa a caminhar bem, um dia o professor chega em sala e a encontra depredada (todo filme tem isto, né?). Paredes pichadas pelos traficantes acusam-no de tentar perverter a ordem imposta pelos bandidos (ou ‘pessoas em situação de facínoras’, para os mais sensíveis) na escola.
Como a favela não é alvo de preocupação real dos políticos, não há saneamento básico (ou o mesmo é muito precário) e uma epidemia faz com que vários dos bandidos morram. Morrem também alguns alunos (inclusive, da turma do professor) e, numa triste ironia, a escola começa a ser retomada por professores e alunos e pelos pais e mães dos mesmos, agora mais à vontade para buscarem o ensino como fim principal da instituição.
O final do filme mostra o prédio depredado da escola sendo limpo pela associação de moradores. Os alunos do professor conseguiram entrar em cursos universitários. Ao contrário de tantos outros que também chegam, contudo, eles têm um desempenho muito melhor, quase se igualando aos colegas oriundos de boas escolas. O professor continua na escola, recebendo a próxima turma.
Pode não ser o melhor esboço de roteiro de filme, claro. Contudo, eu nunca disse que era roteirista, né? Duvido que uma idéia como esta encontraria financiadores brasileiros entusiasmados. Afinal, só é bonito ser revolucionário no ensino se a revolução não romper (sic) com o modelo atual…
Os efeitos não-óbvios (?) da pandemia - Veja a notícia e os comentários do Matthew Yglesias.
Chico Anysio - Descobri, recentemente, que o falecido humorista não tinha apenas aqueles livros de piadas. Em 2008, publicou 3 casos de polícia, com três contos (policiais, claro). Saiu pela editora Escrituras. Comecei o primeiro deles (veja só o ‘atrevimento’), O sucessor de Maigret e, bem, em breve eu digo o que achei do livro.
Miyamoto Musashi - O mangá de Ishinomori, lançado este ano pela Pipoca & Nanquim é uma divertida introdução à versão romantizada da vida de um dos mais famosos personagens da história japonesa. Para quem gosta de cinema, há uma trilogia (os DVDs estão aí, à venda) estrelando Toshirou Mifune no papel de Musashi. O terceiro filme, Duelo na Ilha Ganryujima, talvez seja o que mais interesse aos fãs de Musashi.
A propósito, há um documentário da NHK (por enquanto aberto, sem restrições), em inglês, sobre este duelo. Segundo os estudiosos, o duelo não foi exatamente como na versão romanceada e, sim, é um ótimo documentário.
Dom Pedro II e a Escolha Pública - Leio, por intermédio de Cecília Meireles, que, em seu diário, Dom Pedro II teria dito:
Mas tudo custa a fazer em nossa terra e a instabilidade de ministério não dá tempo aos ministros para iniciarem, depois do necessário estudo, as medidas mais urgentes. É preciso trabalhar, e vejo que não se fala senão em política, que é, as mais das vezes, guerra entre interesses individuais. [Do Diário do Imperador. In: Escolha o seu sonho, de Cecília Meireles, p.82-3, 2016]
A Escolha Pública (Public Choice) é chamada, muitas vezes, de a política sem romance. Ao contrário de aceitar um mítico interesse público, busca analisar como os incentivos afetam as ações de políticos, juízes, burocratas, enfim, daqueles que estão no setor público.
A inutilidade do interesse público como ferramenta analítica para se compreender as ações destes indivíduos veio à tona quando Kenneth Arrow, em 1953, publicou um ensaio em que mostrava que não seria possível construir o que, em Economia, é chamado de função de bem-estar social. Sim, nada mais é do que o interesse público que aparece em alguns textos e em vários discursos de políticos e mandatários do(s) país(es).
O fato do interesse público não ser o principal determinante das decisões políticas (ainda que haja pessoas bem intencionadas) nos diz que o estudo da democracia passa pela compreensão de como diferentes regras de votação geram diferentes resultados. A lógica da ação coletiva está longe de ser um retrato de uma reunião de pessoas bem-intencionadas, eunucos de interesse individual (para usar uma expressão devida a James Buchanan, o pai da Public Choice) e, sim, é uma interessante agenda de pesquisa, ao menos para mim.
A memória viva - Ele tinha uma amiga que, com o tempo, tornou-se sua confidente. Semanalmente tomavam um chá, ocasião em que conversavam sobre de tudo um pouco. Veja: de tudo mesmo.
Foi assim que muito de sua vida: angústias, sonhos, alegrias, fluíram para a memória da amiga que passou a ser uma espécie de hd externo da história de sua vida. Deram-se conta disto numa tarde ensolarada, quando conversavam sobre mudanças em suas vidas. De brincadeira, nomeou-a sua memória viva.
Passados alguns meses, morreu, inesperadamente, em um acidente. Em seus últimos momentos pensou que iria feliz porque sua memória estaria guardada com sua amiga. Mal sabia que, poucos dias depois, após um escorregão no chão molhado da repartição, ela perderia apenas as memórias dele, o que os médicos nunca detectaram por motivos óbvios.
Foi assim que foi completamente apagado deste mundo. Você, que acaba de ler isto, em breve, também se esquecerá dele.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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