O origami - O Forte Apache - O Mau - Vozes Comunica.
"Sou do Sul do meu país,/faço Roda, jogo Taco,/pulo Corda, giro o Arco,/sei Correr dentro do saco".
O v(4), n(20) chega, apesar das chuvas no RS que seguem nos trazendo preocupações. Os quatro versos acima compõem uma estrofe do belíssimo Estrelinhas que, junto a outros poesias, compõem o maravilhoso livro infantil O Gatinho Fujão e Outras Poesias, de Susi de Queiroz. Pesquise sobre o livro. É um bom presente para crianças.
O origami - A família era o pai, a filha e o filho. Do divórcio veio a mãe insistindo que os filhos fossem com ela para outro local porque as águas iriam subir (e assim foi feito, mas não porque fosse sua vontade). O pai arrumou a casa e se mudou, provisoriamente, para a casa da namorada.
Assim como eles, outros passaram por situação semelhante. A incerteza quanto ao futuro, nestes momentos, mostra o quão diversos somos. Não só a incerteza, mas, o mais importante, a disposição de tomar risco e ficar diante de parâmetros nem sempre claros. No bairro, uns ficaram, outros saíram.
Inicialmente, a água subiu pouco, o que gerou alguma esperança entre os moradores. Infelizmente, os modelos de previsão não nos dão mais que tendências e são sujeitos a muitas variáveis. Não temos tanto tempo para aperfeiçoá-los porque é mais importante ocupar o campus em protesto à situação do Hamas, ou porque precisamos de tempo para criar normativos sobre linguagem neutra, ou, ainda, porque não podemos deixar de discutir o racismo de Monteiro Lobato ou Shakespeare e decidir se queimamos ou não seus livros, sem que isso pareça um nazismo estrutural.
Ainda assim, os modelos são importantes e diziam que a tendência era de alta. Melhor um modelo do que nenhum modelo e, muitas vezes, uma tendência já deveria ser suficiente. As águas alcançam, eventualmente um ponto em que o orgulho de não sair do lar fica muito caro. Sair não significa abandonar. Há a esperança de voltar.
Enquanto esta hora não chega, e diante dos eventos trágicos, alguns encontram, na ajuda aos outros, uma forma de lidar com parte da dimensão gigantesca da tragédia. Ajuda que algumas pessoas não querem que aconteça porque traz à tona sua própria incapacidade de ajudar mais rápido. Sim, políticos também têm inveja. Deus os perdoa, claro, pois não sabem o que falam ou fazem em suas difamações dirigidas aos anônimos voluntários, muito menos poderosos que eles.
Se Deus perdoou Judas, por que não pode perdoar um ou dois ministros e até umas jornalistas? Jornalista? Houve uma que foi lá, in loco, investigar se denúncias eram ou não falsas. Para sua tristeza, imagino, descobriu que as denúncias eram verdadeiras. Foi atacada por políticos de alto escalão e sabe-se lá se está sendo investigada por ordens do (sic) Ministério da Justiça. Nem todos os defensores dos direitos das mulheres se levantaram em sua defesa. Nem colegas de profissão de outras emissoras, nem ‘coletivos’ de mulheres. Nada. Incrível? Eu já não me surpreendo.
Um verdadeiro exército de voluntários surgiu. Aqui incluo os policiais, bombeiros e até membros das Forças Armadas junto ao imenso contingente de voluntários da sociedade civil que apareceram espontaneamente motivados, naturalmente, pelas imagens transmitidas nos primeiros dias da tragédia. Este incrível exército - deste Caxias teria orgulho, não? - salvou famílias, gatos, cães (e até cavalos). Como disse meu amigo André Carraro, salvaram lágrimas e o futuro dos seus e dos outros, nem sempre conhecidos ou parentes.
Não se ensina na escola de jornalismo sobre grupos de interesse (deduzo pelas desastradas falas de algumas jornalistas), mas posso falar disto em poucas linhas, em linguagem simples, sem muitos jargões. Temos dois tipos de grupos na literatura de Ciência Econômica/Sociologia: os grupos que visam um bem-estar que abrangem mais do que o próprio interesse e os que só buscam o próprio.
Os primeiros ficaram famosos com os estudos de Robert Putnam. Os outros ficaram famosos com os estudos de Mancur Olson Jr. Os primeiros geram mais bem-estar para toda a sociedade. Os grupos de interesse, estudados por Olson, buscam apenas redistribuir (a seu favor) a riqueza (ou os recursos) existentes.
A tragédia levou algumas vidas, mas deixou claro que as pessoas, em sua maioria, são mais solidárias. Grupos do tipo Putnam prevaleceram. Entretanto, vemos também as ações de grupos do tipo Olson, buscando faturar, de alguma forma, sobre a desgraça alheia.
A discussão acadêmica sobre a relação entre auto-interesse e altruísmo - que é muito interessante e importante - pode ser feita depois destes dias, mas quem já leu Gary Becker sabe que, em Ciência Econômica, o tema já é conhecido há muito tempo. Além disso, o momento é de mais ação porque se a ciência existe para algo, creio, é para servir ao ser humano, mesmo que, adicionalmente, salvemos cães, gatos ou cavalos...
Casas abandonadas. Ruas alagadas. Abrigos lotados. Nestas horas, o povo se revolta contra a ausência de segurança pública. Querem mais policiais. Desapareceram os protestos/entrevistas de especialistas/militantes pedindo o fim das forças policiais. Aliás, há quem, como as jornalistas da big media, insista que quem está salvando o dia são, justamente, as autoridades públicas (nelas se incluem, obviamente, os policiais).
Irônico, não? Bem, ótimo que o bom senso saiu do esconderijo e se manifestou…
Os programas de debates (na big media, em geral) reclamam da polícia. A polícia é isso, é aquilo. Como todos os serviços públicos, a polícia também tem seus problemas. Entretanto, agora, a polícia é necessária. Seus críticos? Sumiram. Talvez tenham sumido - é uma hipótese - porque alguns têm parentes desabrigados no sul. Obviamente há um meio termo, mas não é o que, em geral, eu vejo alguns destes ‘especialistas’ dizerem.
Pois então, dois vivas à polícia, aos bombeiros, aos militares e à população.
No mundo das dobraduras de papel (origami) há o simbólico tsuru que é parecido com uma garça (já li que é um pássaro parecido, cujo nome me escapa, mas o leitor sabe usar os mecanismos de busca e vai me poupar desta, tá bom?). O tsuru representa a esperança. Os voluntários são como tsurus. A cada vida salva, um pássaro canta e voa, um sapo dança e coacha. Cada vida salva ajuda a arrastar a pedra da caverna onde se esconde Amaterasu, a Deusa-Sol, entristecida com o mundo.
A força dos voluntários fará com que toda sua luz se projete sobre o mundo trazendo de volta a esperança. Não tardará para que este momento chegue.
O Forte Apache - Belíssimo livro Eu brinquei de Forte Apache, produzido artesanalmente por Marcos de Bem Guazzelli. Descobri-o pelo Instagram e o livro me trouxe não só as lembranças, como também aprendi um pouco sobre a história dos fortes produzidos pela Gulliver.
O meu, aliás, foi um daqueles exemplares de madeira do período 1973-77. Foi uma infância boa, mesmo com a restrição de renda. De certo modo, a dificuldade fazia com que nós, filhos, valorizássemos mais o pouco que tínhamos. Lição que perdura, mesmo com as mudanças que sofremos ao crescer.
O Mau - O mau se esconde sob vários disfarces. Desconfie sempre. O preço da liberdade é a eterna vigilância, já disse alguém. Não é só vigiar. É necessário agir. Seja fugindo, seja ficando ou lutando. Ficar parado é a pior das opções, mas, às vezes, rende alguns cartões de ração extras nas ditaduras. Nada como umas migalhas a mais, não é mesmo?
Ah, o mau…deixa ele lá, acuado, no canto da sala, sem água, sem comida. Morrerá de inanição, cercado, sozinho. Gritará, mas ninguém vai ouvir. Abandonado por todos que o adularam, o mau definhará como suas vítimas. Apodrecerá, tentando se fingir de bom. Terá o fim que todo mau merece, embora, nem sempre…
Não ganhará nem um brinde de cachaça de terceira. Brinda-se ao santo, não ao mau.
Vozes Comunica - Já falei dela aqui, mas reforço. O último episódio é este.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico geralmente às quartas. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
O origami. Que belo texto. Obrigado, professor.