O Lamen, a fartura à mesa e o Thomas Malthus
Segundo Thomas Malthus, programas de entretenimento como o MasterChef seriam uma vaga ilusão de um otimista imbecil. Dançou, Malthus!
Este é o 7o número do 1o volume da newsletter e nele vamos falar de como alguém que cresceu nos anos 70 vê este mundo farto de programas de gastronomia e pensa no que disse um tal de Malthus.
Recentemente assisti Ramen Teh (Lamen Shop) dirigido por Eric Khoo (um diretor de Cingapura). Um excelente filme e, incidentalmente, um retrato de nossa época. O filme traz reflexões interessantes sobre história, guerra, família e, claro, Seiko Matsuda, a maior pop-star japonesa dos anos 70-80 que parece não envelhecer (embora sua voz não seja mais a mesma).
É, tem muito o que falar do filme. Contudo, um ponto que me chama a atenção é que sua história se dê em torno de um prato, o querido Ramen (ou Lamen). Um filme sobre um prato? Não é estranho para quem cresceu, sei lá, nos últimos 10 ou 15 anos, com muitos programas sobre culinária, pratos sofisticados e mesmo filmes com a temática da gastronomia. Já para quem, como eu, tenha nascido no início da década dos 70…
Bom, em minha infância, só se tomava refrigerante em aniversários de colegas mais ricos (geralmente servidos em jarras, um hábito que a elite brasileira ainda mantém). Pensar em “gastronomia” era impossível. Alimentos eram caros e o conjunto de opções nas prateleiras era bem menor. Festas de aniversário dependiam muito mais da habilidade das mães em fazer salgados e doces e, mais ainda, não havia esta abundância de salões de festas para se alugar. Receitas? Só as básicas e aquelas nas páginas das revistas ou em 20 minutos de raros programas de TV.
Como saímos daqueles tempos até hoje? As pessoas têm que poder comprar alimentos para gerarem audiência para programas de gastronomia, claro. Certamente não chegamos a este ponto porque Thomas Maltus (1766-1834) tinha razão.
Quem? Para quem não sabe, Malthus apavora(va) muita gente no colegial (e/ou no início da faculdade) com sua previsão sombria de que a humanidade passaria fome. Seu argumento, em resumo, era de que a população cresceria em progressão geométrica enquanto que a produção de alimentos cresceria muito mais lentamente, em progressão aritmética. Aterrorizante, não? Mas ele estava fundamentalmente errado.
O problema de seu modelo? Ele só considera a demanda por alimentos. Ignora totalmente o impacto que uma expectativa elevada (ou mesmo crescente) de preço tem sobre o setor produtivo. Caso ele estivesse correto, teríamos ficado sem álcool-gel em 2020 (ou estaríamos importando toneladas do mesmo).
Thomas Malthus errou, mas muita gente ainda acha que o aumento do consumo de qualquer bem ou serviço levará ao esgotamento dos recursos naturais. O erro deste raciocínio, vale repetir, é resultado da falta de compreensão do papel básico dos preços como sinalizadores. Afinal, inovadores não surgem por aí inovando apenas porque hoje fez sol. A despeito de outras motivações, a perspectiva de ganhos ainda é um incentivo poderoso, um aliado do bem-estar social.
Claro, o sinal emitido pelo sistema de preços é instantâneo, mas a reação humana leva tempo e é aí que profetas malthusianos ganham dinheiro vendendo palestras e livros com narrativas sobre futuros sombrios para pessoas ou governos. É, oportunidades de mercado existem para todos. No final, entretanto, as inovações ocorrem e, bem os programas de gastronomia estão aí, na sua telinha.
Enfim, o que eu queria mesmo era um bom ramen agora. O meu favorito é o hiyashi chuuka. Ô coisa boa, sô!
Ei, e o livro que você anda ou andou lendo??? - O ótimo “Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil"?” do Marcos Mendes (publicado pela Elsevier). O Marcos é, talvez, o economista que melhor consegue escrever de forma agradável aos públicos acadêmico e leigo. O livro é de 2019 e, a despeito da pandemia, segue importante. Recomendo.
Sobre Ramen: não farei propaganda gratuita. Mas qualquer um que já tenha caminhado pelo Bairro da Liberdade (SP, capital) sabe a diferença entre um Ramen de 3 (três minutos) na água fervente e um Ramen de verdade.
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