O Homem Leal - Qualis sem Qualidade - Poema de Itou Hirobumi - Liberais e Conservadores e a Democracia.
Bravura indômita é o que falta à humanidade. Antes, porém, um café com bolachas (ou biscoitos)...
Este v(3), n(2) se inicia com uma saudação aos novos assinantes que chegaram aqui por conta do último número, em especial, a reflexão que fiz. Não é o usual aqui (embora, no início, até o fosse), mas, volto ao tema hoje.
O homem leal - Dizia-se leal. De fato, era leal à sua ambição. Jamais deixou que o amor ou as amizades atrapalhassem esta lealdade. Desde muito jovem, ainda nos bancos escolares, percebeu que o que mais queria na vida era se dar bem, custasse o que custasse.
Um de seus primeiros 'momentos’ de prova desta lealdade foi quando entregou alguns alunos, anonimamente, que colavam em provas e depois os consolou como se fosse o mais leal (com eles) dos amigos. Saiu-se melhor do que o mais esperto dos agentes duplos.
O primeiro momento de glória se deu na faculdade. Conseguiu vencer a eleição para o diretório acadêmico por meio de intrigas cujas pistas foram muito bem apagadas. Pareceu, aos olhos de todos, que era um hábil líder, além de um excelente estudante (de fato, ele não colava…).
Sua ambição, alimentada a cada vitória, crescia a cada dia. Levou para sua cama e enganou mulheres e homens. Era tido como moderno pelos modernos e um conservador pelos conservadores. Estava, praticamente, em todos os clubes que o aceitavam como sócio (ou não). Era onipresente.
A lealdade à própria ambição, percebia, dava-lhe bons resultados. Deu um jeito até de enganar os pais para que herdasse a maior parte do patrimônio, o que lhe permitiu manipular seu irmão e sua irmã por muitos anos, arrancando-lhe os favores mais absurdos e humilhantes possíveis.
Graduado, optou por não estudar mais. Aprovado em um concurso público, ascendeu rapidamente, aperfeiçoando seus estratagemas. Transformou-se no favorito do diretor da repartição e, quando pôde, passou-lhe a perna. Estava próximo de se tornar o ajudante do ministro, cargo para lá de prestigioso!
Foi quando aconteceu o inesperado. No dia em que teria sua primeira reunião com o ministro, acordou cedo, mas não conseguia sair da cama. Sequer falar. Apenas os olhos desesperados denunciavam que havia vida naquele corpo, subitamente enfermo.
A lealdade à ambição era forte, mas não o suficiente para recuperar comando de seu corpo. Não podia sequer alcançar o telefone. Nem gritar. Apenas ouvia e via. Lutou o quanto pôde por algumas horas, sem sucesso. Sentiu um cheiro desagradável e notou que havia urinado (e o mau cheiro o enlouquecia…).
Como não tinha quase nenhum amigo, não houve telefonemas à sua procura. Mesmo a secretária do ministro, uma das tantas que ludibriou, fez questão de ligar apenas para o seu telefone fixo (o que ele havia dito não ser seu número principal).
Acabou sendo substituído por outro colega, dada a urgência, na reunião com o ministro.
Naquela noite, antes de dormir, sentindo-se fraco, abriu os olhos e viu, no teto do quarto, o que parecia ser uma imagem de si mesmo. Não era exatamente igual. Era mais leve, sorridente. A imagem estendeu-lhe a mão e aguardou uns minutos. Entristecida, esvaneceu-se.
Foi quando sentiu mãos quentes saindo da cama, tocando e acariciando-lhe. Eram mãos com unhas compridas e que exalavam um cheiro forte que não soube identificar. De algum modo, sentiu que era o cheiro de sua ambição. Sua lealdade, afinal, iria levá-lo a algum lugar, mas, pela primeira vez, não se sentiu confortável com sua ambição.
Para pesquisadores em Economia: Qualis sem Qualidade - Este abaixo-assinado (aqui está o link) é um dos mais importantes dos últimos anos. Não se trata de questões ideológicas, nem de disputas sobre esta ou aquela política econômica. Não. É muito mais sério.
É sobre um sistema de classificação de periódicos científicos da área que, em sua última edição, piorou muito. Não, não se trata de Lula, Dilma, Temer ou Bolsonaro. O problema é antigo e resistiu a todas as mudanças de governo. A CAPES tem tido autonomia para modificar esta classificação - o chamado Qualis - durante anos.
Pesquisadores sempre se queixaram das mudanças no ranking, mas, nesta edição, o Qualis não agradou a quase ninguém. A resposta do comitê não me pareceu convincente (leia-a aqui).
Sentindo-se à vontade, acompanhe-me na assinatura.
Itou Hirobumi - Um herói nacional japonês, personagem importante na era Meiji, também escrevia poemas no estilo chinês. Achei um, traduzido (não encontrei o original). Veja que beleza!
After several days away from home,
Deprived of my beloved books,
I return, sit at my desk, and
Feel as though I have rejoined
The great men of antiquity.
Retirado de: Five Political Leaders of Modern Japan: Ito Hirobumi, Okuma Shigenobu, Hara Takashi, Inukai Tsuyoshi, and Saionji Kimmochi, livro, aliás, com o qual volto a ter contato após tanto tempo fora da minha biblioteca...
Liberais, Conservadores e a Democracia - O texto do número anterior desta newsletter fez certo sucesso e não foi apenas entre liberais e conservadores. Até de esquerdistas recebi comentários. Um deles, interessante, foi o de que a centro-direita deveria reforçar mais seu compromisso com a democracia.
O autor do comentário tem minha gratidão. De fato, não é um ponto que desenvolvi no texto. Tanto a esquerda quanto a direita sempre fizeram questão de dizer que Churchill estava correto. Da esquerda, aliás, sempre vieram os seminários, livros, etc. com a vaga (e, dependendo do interlocutor, ameaçadora) idéia de que a democracia precisava ser aperfeiçoada porque a de Churchill seria pouco adequada (para seus fins?). O tema também apareceu com mais destaque na direita, mas só nos últimos 20 anos.
Como as universidades, majoritariamente, são de esquerda no campo do Direito, Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas (falo sem uma amostra estatística, apenas com evidências anedóticas, mas, que, acredito, não estão tão longe da realidade), pesquisas mais sérias sobre aperfeiçoamentos da democracia, financiadas com recursos públicos, só vieram mesmo da esquerda. Por isto é que as idéias (eu não largo o acento…) da direita sobre como aperfeiçoar a democracia parecem-me menos desenvolvidas, limitando-se à tradução de livros.
Mais uma vez, como no texto anterior, friso que o meu viés - e que, pretendo, chame a a sua atenção - é que estas idéias precisam vir acompanhadas de propostas concretas. Aperfeiçoar como? Quem ganha com isto? Quanto ganha? O que deverá ser feito, em termos legais? Que adaptações legais são necessárias? E assim por diante.
Por último, esquerda e direita precisam enfrentar o problema do identitarismo. O tema já foi enfrentado em dois ótimos livros do esquerdista Antônio Risério (um deles é uma coletânea bem plural de autores críticos a este movimento) - já que a motivação central dos identitários é, basicamente, sobre democracia, sobre a representação de grupos supostamente minoritários.
Obviamente, o ponto do meu crítico é que, genericamente, é preciso reforçar o compromisso com a democracia. É um bom ponto. Parece-me também - e aqui podemos discordar - que a democracia só está a funcionar bem se protege o indivíduo das arbitrariedades dos governos. Será que concordamos todos com isto? Não sei.
Não sei…e não vou tomar seu tempo com um texto longo novamente, amigo leitor. Até porque eu precisaria ler mais para desenvolver os argumentos com mais qualidade. Deixo-o, portanto, com meus dois centavos sobre o tema. Quer deixar os seus? Comente.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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