O dilúvio começou e você não tem uma arca ainda...
Pessoal das madeireiras já podem anunciar aqui.
Bem-vindo novamente à nossa newsletter. Já estamos no v(2), n(3), neste início de 2022. Ainda em clima de férias, em meio a muita chuva, tive uma ideia não muito original: construir uma arca.
Tenho que viajar bem cedo e, portanto, minhas últimas revisões desta podem não ter surtido o efeito desejado e o texto pode conter erros (e agradeço apontamentos porque, sem querer ser repetitivo, estou sempre aprendendo…).
Espero que você passe com o mínimo de problemas neste Ano 3 do Covid-19 (alguém fez a piada do A.C. e D.C., que achei ótima). Que o ômicron seja mesmo o sinal de que entramos numa endemia.
O Dilúvio - Têm sido dias de chuvas (chuvas, chuvas, chuvas, chuvas…) pelo país. Daqui de Minas Gerais, em especial, de Belo Horizonte, não é diferente. Os dias são de uma chuva só, entrecortada com pequenos filetes de sol e calmaria.
Como não poderia deixar de ser, as vias que resistem estão cheias de buracos. As outras, bem, ou estão destruídas ou seguem invadidas pela lama. Penso sempre em como o avanço tecnológico nunca parece resolver o problema da qualidade asfáltica (ou seria uma questão, digamos, ao menos em parte, ‘política’?).
Neste clima de chuvas que não terminam nunca, obviamente, ocorreu-me de construir uma arca, como a de Noé. Penso que podemos estar diante de mais um período de um dilúvio ‘soft’ de 40 dias (e 40 noites) ou, em um cenário mais pessimista, de um singelo ‘fim do mundo’ (um dilúvio, digamos assim, ‘hard’).
Portanto, trata-se de um empreendimento complexo. Além desta incerteza quanto ao aspecto destrutivo do dilúvio, outras decisões precisam ser tomadas e, bem, estamos em Minas Gerais, cujo contato contínuo com as águas se resume a um antigo porta-aviões, a umas lagoas e eventuais quedas d’água escondidas pelo estado.
Além disso, onde é que vou construir minha arca? Isto ainda não sei. E com o que vou preenchê-la? Aqui, creio, posso especular um pouco.
Primeiro, vamos deixar de lado esta história de casais de animais. Não vai dar para comprar rações para todos. No máximo dois casais de cães e dois de gatos.
Mas, nem só de latidos e miados vive o homem. O lazer moderno exige alguma cultura (ou falta de). Então vamos levar uma coleção de DVDs. Filmes de John Woo (na fase pré-Hollywood), alguns filmes de ficção científica (anos 60 a 80), filmes de ação (anos 80), comédias de adolescentes (todos dos anos 80 e 90) e, claro, Fritz Lang em sua fase expressionista. Ah, e todas as temporadas de Seinfeld.
Obviamente, precisamos de uns dois aparelhos de DVD (um de reserva) e um para Blu-Ray e uma boa televisão de tela plana. O problema é: qual escolher? Led? Qled? 8k? Na pressa, vai uma no sorteio mesmo. A que sair nos dados eu compro e coloco na arca.
Percebe-se que a arca necessitará de uma infraestrutura mínima. Energia elétrica. Bem, já vou ter que colocar uns geradores a diesel e, portanto, galões de diesel. Acho que é diesel mesmo, né? Lembrar de comprá-los depois do almoço.
Claro, a energia elétrica teria que ser racionada. Tenho que arranjar algumas lanternas daquelas chinesas que você gira o motor dela e gera alguma luz. Melhor estocar algumas para uma emergência. Lembre-se, leitor, sou pobre. Fosse rico, compraria um transatlântico e me esbaldaria por 40 dias e 40 noites (ou até quando durarem os estoques).
Ah, e livros. Livros, cadernos, canetas e lápis. Uma boa mesa seria indispensável (dá para ler e comer uns sanduíches). Estantes não seriam necessárias, posso empilhar tudo em um canto. Mas teria que ser uma mesa espaçosa. Posso aproveitar o fim do mundo para preparar umas aulas. Nunca se sabe o que vem depois do fim, né?
Obviamente, o leitor (ou a leitora?) já deve estar preocupado com os odores que vou adquirir neste período. Sim, leitor, sistema de esgoto básico (um bom banheiro com privada (de preferência, aquelas japonesas), pia e chuveiro), muitos rolos de papel higiênico (folha dupla que não sou serralheiro, né?), toalhas, pasta de dente, escovas (inclusive a interdental, que é maravilhosa) e um bom estoque de barbeadores descartáveis e um elétrico (para me manter com o cabelo baixo) devem ser incluídos.
O celular? Não sei. Como será o dilúvio e o mundo poderá ter acabado, há uma boa chance de que eu não tenha com quem me comunicar. Mas, ok, talvez seja bom manter um celular para uma eventual chamada. Posso ser como Charlton Heston em A última esperança da Terra e encontrar outros eventuais sobreviventes...
Computador? Um bem guardado, com os cabos e alguns pendrives. Acho que dá para o gasto. Windows 10 mesmo. Sem atualizações (ou com um pacote de atualizações pós-dilúvio, a depender do preço). Nada de Zoom ou Google Meeting ou o famigerado Microsoft Teams. Duvido que teremos reuniões após 40 dias e 40 noites. Caso elas sejam agendadas, vou optar por me esconder. Ninguém aguenta mais reuniões online, com ou sem dilúvio.
Ah sim, é bom passar no centro e comprar uns queijos e umas goiabadas (respeitando a validade). Isso significa que talvez eu tenha que ter uma geladeira também. Ora, com uma geladeira posso ter também algumas cervejas. E água com gás. Presunto e pão de forma também. Hum, e falando em bebida…café. Muito pó de café e muitos grãos (o que implica que um moedor manual também terá que ser levado). Um fogão a lenha (com muita lenha) ajudaria.
Sim, sim, pode ser uma boa ideia comprar umas sementes. Milho verde (para os gatos), cebolinha e algum outro destes alimentos sem graça que são as verduras e legumes. Fazem bem à saúde, dizem. Melhor plantar alguma coisa. Hum, terei que levar um regador também. Adubo, bem, isto não será um problema…
Ah, claro, roupas. Algumas cuecas, meias, calças, bermudas e camisas. Caso seja só um dilúvio, então terei que levar algumas camisas sociais (e gravatas, claro), além das de futebol (sempre boas porque não é preciso passá-las!). Agora, se for mesmo o fim do mundo, a coleção de camisas de futebol pode ser a melhor escolha. Decidido: 30% de camisas sociais e o restante dividido entre vários times (com predominância para as do Cruzeiro Esporte Clube e do Esporte Clube Pelotas (não confundir com o timinho dos ‘chá-vantes’).
Como eu disse, não sei se depois de 40 dias e 40 noites haverá restado algo. De todo modo, este é o plano inicial para minha arca. Deixarei de lado alguns pertences porque, sabe como é, não tenho dinheiro para uma arca lá muito grande. Sacrifícios serão necessários. A abandonada coleção de selos, portanto, fica. A de tampinhas de cerveja (com alguma dor), também.
Claro, uma questão importante, já que estou decidido a construir uma arca, diz respeito aos motivos divinos deste dilúvio. Pensando que pode, realmente, ser uma punição divina, não posso deixar de pensar que Deus poderia estar mirando nos jovens por seu vício em cancelar os outros nas redes sociais.
Outras hipóteses? Claro. Estou sempre aberto a outras explicações, desde que razoáveis.
Por exemplo, talvez Deus esteja punindo a gestão do Cruzeiro por não ter se endireitado antes. Não, muito específico (se bem que o bicampeonato do rival pode ser mesmo um sinal dos tempos…).
Talvez ele queira mostrar que não se deve colocar ketchup em pizzas (fecho com meus amigos paulistas nesta). Hum, menos específico. Provável. Mas pode ser que esteja punindo a humanidade pelo terrível pecado de colocar azeitona em empadas. Taí. Este é um bom motivo. Se bem que há bons cristãos que gostam de azeitonas. É difícil entender os planos do Senhor, né?
Bem, não vou dedicar meu tempo a imaginar os motivos da ira divina. Preciso terminar a construção de minha arca. Peço, portanto, licença ao amigo e à amiga porque preciso procurar alguns carpinteiros e fazer um levantamento de preços. Opa, parece até que está clareando o dia, mas certamente é só um truque de Deus para enganar os trouxas…
Cem reais - Acho que o Orlando Tosetto está com cem reais no bolso e suspeito que está afim de doá-lo. Encontrem-no na rua antes que ele mude de ideia!
p.s. Aproveite e leia toda a newsletter dele e, claro, assine.
Então tá, Jeeves - Vi no Fitas, Bolachas e Catataus a sugestão. Comprei, li e adorei. P.G. Wodehouse tinha mesmo um ótimo humor. O chato é que só encontro livros traduzidos em sebos e os preços são muito altos. Quase uma piada (mas bem inferior às de Wodehouse). Seria legal se um editor adquirisse os direitos e os lançasse novamente…
O caos pós-moderno - Ed West faz uma ótima análise do caos que tem prejudicado a ciência (ou teria aparelhado a ciência?) no mundo moderno. Em especial, note este trecho (mas leia tudo que vale a pena):
‘Liberalism believes in progress,’ they point out: ‘Theory is radically cynical about the possibility of progress.’ Yet liberalism remains vulnerable because ‘the willingness of liberal systems to accept self-criticism is, in fact, the feature of liberalism that critical methods like postmodern Theory exploit to undermine it.’
Os radicais (eu diria que são, em sua totalidade, da esquerda e da extrema-esquerda) pós-modernos negam qualquer noção de progresso (quem é mesmo que precisa ‘estudar história’ se tudo é pós-moderno, né?).
Os avanços trazidos pelo liberalismo para mulheres, negros, etc. são, claro, negados por este pessoal e, arrisco dizer, muitos liberais brasileiros não conseguem elaborar bem este tema, sucumbindo ao identitarismo por falta de coragem de criticá-lo e/ou por motivos políticos (vale o custo?).
Estou enganado?
Mano, tá doido? - A sinalização da virtude (que inclui o cancelamento e a destruição de reputações) encontra, neste caso, seu mais estranho incidente. Excessos não são ruins apenas quando são cometidos pelos da outra tribo. Reitero: a extrema-esquerda, esta que adora um cancelamento, precisa ser estudada (falo sério) cientificamente.
Temos muitos estudos sobre a extrema-direita, mas o problema não é o ‘direita’, mas a falta de balanceamento nos estudos sobre o extremismo. O perigo vem de todos os lados e a História está aí, cheia de exemplos…
Tyler Cowen - Uma boa entrevista do economista para Noah Smith. Em certo trecho, ele pondera sobre seu otimismo (e pessimismo).
N.S.: What are a few things that make you most optimistic about the world right now?
T.C.: By far the most optimistic feature of today's world is that there is more mobilized talent than ever before, and by a long mile.
A mere few decades ago, or less in many cases, if you were born into India, China, or Nigeria, the chance you could make a positive contribution to the world on a significant scale was quite low. It is now much, much higher, largely because of increases in wealth and also because of the internet.
I also see the greater scope and speed of scientific communication -- also because of the internet -- as another force for optimism.
That said, many pessimistic forces seem to be on the rise. I am not sure the world will maintain geopolitical stability and avoid further wars. Politically, some of the most significant African nations seem to be doing worse than five or ten years ago. Our various responses to the pandemic, across the world, were far from uniformly high in quality.
So today you could argue a case for either optimism or pessimism. But no doubt there are some very strong "optimist-friendly" forces at work right now.
Bons pontos, não?
Observador Econômico e Financeiro - Tenho me divertido muito folheando o O.E.F. , digitalizado e disponibilizado pela ótima Hemeroteca Digital. Até o momento, estou no início dos anos 40.
Dynare - O pessoal que curte simulações em Macroeconomia já deve estar sabendo, mas não custa reforçar: o Dynare está em sua quinta versão.
Má notícia? - Cedo para saber, mas o Gallup encontrou que os norte-americanos estão lendo menos livros. O triste é que:
The decline is greater among subgroups that tended to be more avid readers, particularly college graduates but also women and older Americans. College graduates read an average of about six fewer books in 2021 than they did between 2002 and 2016, 14.6 versus 21.1.
Eu diria que os EUA podem se transformar no Brasil em alguns anos, caso a tendência seja mesmo esta. Uma pena.
Mont Pèlerin - Uma discussão interessante? Não sei. Mas creio que é gratuita a inscrição. Por que não?
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