O dia da vacina: um relato eletrizante, cheio de emoções...ou não
É. Vacinei. E vou contar tudinho para vocês, seus curiosos!
Extra! Extra! Parem as rotativas! Fui vacinado! Edição extraordinária da newsletter!
Anunciaram o dia inicial da vacinação para os da minha idade. Claro que, pensando no comportamento do brasileiro médio, não seria difícil imaginar que sua chance de se contaminar seria muito menor nos drive-thru distantes do que no posto de saúde perto de sua casa. Decisão inicial tomada.
O segundo passo foi, como bom membro da nobiliarquia selvagem, ver como funciona o drive-thru. Escolhi o mais próximo de casa e, um dia antes, fui até lá e me informei com as autoridades. À tarde, separei os documentos e à noite, após uma tarde de televisão, dormi pensando no dia da vacina.
Conforme informado, o início seria às oito. Não deu outra. Às sete saí de casa e lá cheguei umas sete e pouco (o trânsito estava a meu favor). Quando me dei conta, tinha um dilema. Atrapalhar a vida dos pedestres e enfiar meu carro selvagemente na faixa de pedestres do final do primeiro quarteirão, ou ir para a continuação da fila, no outro.
Optei pela segunda, sabendo que poderia enfrentar algum espertinho fura-fila o que, claro, aconteceu. Apesar de algumas buzinadas, o cidadão fingiu-se de morto. Também não tive a famosa solidariedade do brasileiro do carro que deveria estar à minha frente e nem dos que estavam atrás de mim. Fiz as contas: estou no início da fila. Não vale o tempo. Passei a ler um livro e vigiar ocasionalmente.
O tempo andou e, com ele, a fila. Surgiu, então, uma fiscal da prefeitura checando os documentos. Evidentemente que meu segundo nome e o sobrenome foram alvo de um breve colóquio. É preço a se pagar em uma sociedade ainda pouco aberta à imigração e ao comércio. Nada que incomode tanto quanto não estar vacinado, claro. Do lado de fora do carro, outro fura-fila entrou e gerou alguma discussão.
Enquanto a simpática fiscal anotava meus dados, surgiu uma desavisada transeunte. Aproximou-se dela (distância de um metro e meio? Esqueça…) e perguntou: moça, aqui só vacina quem tá de carro?
A fiscal, então, como se estivéssemos em uma piada clássica de mineiro, respondeu: Sim, aqui só o pessoal de carro. Para a senhora, o mais próximo, é o posto de saúde “Menino Jesus”. Sabe a rua da Bahia? A Copasa? Pois então, a senhora sobe a rua da Bahia até ver uma padaria com uma placa vermelha. Aí a senhora chegou.
Ignorando os morros de Belo Horizonte, pensando apenas em duas dimensões, o não-iniciado na arte de ser belorizontino imaginará algo relativamente tranquilo, uma caminhada de 26 minutos em um planalto.
Pela primeira vez em minha vida notei que as piadas de mineiro são menos fictícias do que poderia imaginar (uma visão em 3-D ajudaria muito o leitor…).
Voltando ao tema: a fila seguiu lentamente e, ao nos aproximarmos do local da aplicação, o fura-fila (ainda à minha frente) abriu sua janela. Pude ver, então, que era uma mulher. O empoderamento feminino em um de seus piores momentos. Não me leve a mal: sou muito grato à fiscal e à profissional que me vacinou. Ambas, mulheres. Fossem homens, seria-lhes igualmente grato.
Nunca mais pensarei, inicialmente, no fura-fila desonesto como um homem. Serei mais igualitário em minhas desconfianças. A partir de hoje, mulheres têm cota garantida nas minhas suspeitas de quem dirige mal, fura a fila, rouba, etc. Lição aprendida. Afinal, sou também um defensor da igualdade.
Incentivos importam e a falta de policiamento trinta minutos antes da abertura dos trabalhos teria ajudado a corrigir as consequências da falha de caráter da senhora motorista que furou a fila. Claro, ela poderia ter percebido o erro, pedido desculpas e ido para o final da fila (que nem era tão longa assim).
A boa notícia é que recebi a primeira dose da vacina. Na roleta do azar, veio a Coronavac. A segunda dose virá em 28 dias.