O desaparecimento do Teorema de Pitágoras. Um doce para quem souber o que é o RegBR. Outros Assuntos.
Um dia acordei e eu não era uma barata. Mas...
Eis o v(2), n(14) da newsletter. Hoje, uma edição mais curtinha (e chega com um dia de antecedência porque ando meio desorganizado). Espero que gostem.
O Desaparecimento do Teorema de Pitágoras - Foi num dia destes, em que o tempo oscila entre a chuva e o céu azul, ambos, sob intenso calor, que me dei conta de que o Teorema de Pitágoras não estava mais entre nós.
Não que isso fosse algo inesperado. Ele já se sentia, nos últimos meses, bem mais distante de nós. Cheguei a perguntar aos amigos dos Espaços de Hilbert se era um problema com as Normas, mas eles não souberam me responder.
Verdade que não ajudava muito eu conversar com generalizações n-dimensionais, pois muito do que eu argumentava acabava se perdendo, já que eu não conseguia me comunicar em n-3 dimensões, por mais que tentasse. Até um apito eu comprei.
Você deve estar se perguntando como cheguei até aqui. Eu mesmo não sei. Eu sei que acordei um dia e, não, eu não era uma barata ou algum outro inseto, mas era mais um ponto em um sistema de coordenadas.
No começo achei tudo muito estranho, mas os elementos matemáticos fizeram de tudo para que eu me sentisse bem neste novo formato da minha vida. Era divertido discutir com cubos, dodecaedros, integrais, limites, conjuntos e retas tangentes sobre o futuro da Matemática ou sobre futebol.
A gente tinha umas festas (n-dimensionais, claro) muito boas. Tinha uísque, cerveja artesanal e muito salgadinho gostoso. Geralmente eram na casa das Formas Quadráticas. Foi numa destas que me apresentaram ao Teorema de Pitágoras e nos tornamos grandes amigos.
A partir de então, fomos a muitas festas juntos e ainda me recordo do dia que o Teorema bebeu tanto que colapsou em um ponto unidimensional. Vocês não sabem o custo que foi para recuperar suas outras dimensões. Ele ficou tão mal que somente gritava: “- triângulo retângulo é a mãe, seus desgraçados!”.
Em certas bebedeiras ele se identificava como um paladino da justiça e jurava que iria acabar com todas as desigualdades. Seu discurso se inflamava, especialmente, quando via, em um canto da festa, a Desigualdade de Cauchy-Schwartz. Algo me dizia que havia algo no passado dos dois (um caso, talvez?). Uma vez resolvi pressioná-lo um pouco, para ver se descobria algo.
“- Não, Claudio, nunca fiquei com ela.
- Mas você sempre começa a reclamar da desigualdade quando…
- Coincidência. Você está vendo coisas além das suas três dimensões. Não seja tolo”.
O Teorema era sempre acusado pelos amigos da Estatística de pensar muito cartesianamente, o que o irritava bastante. Houve uma ocasião em que se envolveu em tensa discussão de umas três horas com a sigma-álgebra, salvo engano, por conta de uma discordância sobre a definição dos eventos que o Teorema pretendia frequentar no final de semana.
Sim, este era o nosso Teorema de Pitágoras! Um sujeito bonachão, temperamental, divertido e profundamente apaixonado pela humanidade. Vivia me perguntando sobre as paixões humanas, os desejos, os martírios, as experiências místicas e, curiosamente, sobre charutos. Vivemos muitas aventuras (e bebedeiras) juntos naquele mundo abstrato.
Até que, de repente, numa ensolarada manhã de domingo, o Teorema desapareceu. Seu bilhete de despedida era pouco esclarecedor. Lia-se, naquele papel cinza, amassado, em tinta preta: existe uma justificativa para ir-me embora. Contudo, sua prova é tão simples e sensacional que vou deixá-la ao leitor como exercício.
Claro que ninguém entendeu nada do que ele quis dizer. A tangente até tentou esboçar uma prova matemática, mas não passou das duas primeiras linhas. Os axiomas de Peano ligaram para uns amigos do mundo da Estatística, mas ninguém tinha notícias do Teorema de Pitágoras.
Alguns dizem que ele se generalizou em um teorema mais sofisticado após fumar uns baseados com uns Triângulos de Sierpinski na casa do Conjunto de Mandelbrot. Outros, que se cansou daqueles que o desprezavam em público, humilhando-o e dizendo que ele não servia para nada e que, então, teria se matado.
Embora ninguém saiba ao certo o que houve, o certo é que, com seu desaparecimento, vários resultados matemáticos importantes colapsaram no vetor nulo infinito e o progresso da humanidade se esfacelou.
Diante da catástrofe, muitos filósofos, cientistas e estudantes se transformaram em youtubers, compartilhando uma vida triste e medíocre cujo ponto mais alto era o pedido para ‘dar joinha’, ‘clicar no sino’ e ‘compartilhar o vídeo’.
É. O mundo havia ficado menos sofisticado e a humanidade parecia se afundar numa imensa banheira de Nutella, sem perspectivas de melhora ou de salvação. Em duas semanas, a civilização encontrou seu fim. A criatividade, o famoso último recurso de que nos dizia Julian Simon, extinguiu-se.
Eu, como havia me mudado para o mundo abstrato, segui minha vida infinita tentando achar meus limites neste mundo mais triste que era o da Matemática sem o Teorema de Pitágoras.
Quem quiser, pode me encontrar nos botecos do mundo n-dimensional. Geralmente tomo cerveja na boate das integrais impróprias. Quando não estou por lá, jogo futebol com os números primos. Passe lá um dia e a gente conversa mais. Sem descontinuidades. Prometo.
Chamada especial para artigos - A RSP (Revista do Serviço Público) quer incentivar o uso da ótima RegBR e, então, abriu chamada para submissões de artigos que usem os dados (a cada página aberta, uma surpresa, navegue por elas aqui).
Quem conhece a literatura norte-americana sobre regulação provavelmente conhece o RegData. Pois o RegBR é uma espécie de adaptação da mesma ideia para o Brasil. Assim, por meio do trabalho da Enap, o país se junta aos EUA, UK, Canadá e Austrália que também têm indicadores similares.
Estamos em uma época em que se discute a entrada do país na OCDE e, na minha opinião, o clima para estudos de regulação que use algum tipo de indicador como o RegBR é mais do que propício.
Uma dica para o leitor que visitar o InfoGov (site da Enap onde está o RegBR). A cada mudança de opção, gera-se não só um novo gráfico, mas também um arquivo .csv com a base e você pode fazer o download gratuitamente. Isso significa que você pode trabalhar com várias séries distintas do RegBR.
A maneira como podemos tornar a regulação mais eficiente na geração de bem-estar passa por conhecer sua realidade e, esta, por sua vez, precisa de um mínimo de quantificação para iniciar a discussão. O RegBR ajuda muito neste aspecto.
Um exemplo bem simples de exercício, sem nenhuma pretensão maior, é este, que apresento a seguir. (se você não conhece as tecnicalidades, pode me xingar e pule para o último parágrafo).
Da página do InfoGov eu obtive os dados de regulações por setores da economia e, arbitrariamente, fiz a soma, obtendo o total de regulações em um ano. Além disso, aproveitei o bom IPEADATA 3.0 e obtive o PIB brasileiro em dólares. Eis as duas séries.
De brincadeira, resolvi testar se valores passados de uma série influenciam na outra, algo que conhecemos como teste de causalidade de Granger (um exemplo aplicado à pergunta sobre quem veio primeiro: ovos e galinhas? Também temos). Teoricamente, imagino que regulações tenham impacto no PIB (todo mundo reclama do excesso de regulação, né?), mas não o contrário.
Não me preocupei com detalhes técnicos importantes (que podem invalidar meu resultado, inclusive) porque, puxa, é uma newsletter não-especializada.
Assim, usando uma especificação em primeira diferença e com uma defasagem para cada série, encontrei evidências de que as regulações impactam no PIB e não o oposto. Faz sentido? Eu diria que sim. Mas, novamente, o que fiz aqui foi muito mais uma provocação do que qualquer outra coisa.
Foi só um exercício para você se irritar e querer submeter um artigo para o número especial. Gostou? A submissão está aberta. Aproveite! O anúncio - com mais instruções - está aqui.
Homescholling pode funcionar? - Não sei. Mas eis um caso de sucesso e que, aliás, mostra a importância de se ter bons pais.
A Anti-Semana de 22 - Somente para assinantes, mais um texto do Alexandre Soares Silva. Não me entenda mal. Eu até gostava do Modernismo (especialmente dos textos de Mário de Andrade). Mas dizer que ‘a Semana de 22 inaugurou a cultura no Brasil’ é, no mínimo, uma péssima figura de linguagem e, no máximo, um erro.
Daí a proposta dele, de se fazer uma Anti-Semana de 22. Eu topo. Seria (lá vou de novo), no mínimo, divertido. E não tem máximo. Vou rir infinitamente.
Juó Bananére - Prometo que ele volta em breve. Segue em campanha. #juobananerepresidente.
Dentes e dentes - Caramba!
Por hoje é só, pessoal!
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