O bombom de muçarela e o restaurante de ouro. Adolescentes e Sexo. Mais Haikais. Outros despachos.
Em oferta: 'Prolegômenos do Haikaísmo Arcaico'. Leve agora e pague apenas quando a rima correta aparecer em sua mente, numa daquelas deliciosas epifanias de dois segundos...
É, o dia do v(2) n(58) chegou. É a vida. Caso você tenha chegado até aqui, provavelmente não está morto (ainda). Aproveite e leia o resto ou vá fazer algo melhor. Podem ser seus momentos fin….(o autor morreu).
…ou “Quem passou a mão no bombom do presidente?” - O presidente estava com fome, muita fome. Faminto mesmo. A hora do jantar chegara com o fim do dia. Acostumado a frequentar restaurantes elegantes, caiu neste, em que porções custavam os olhos da cara (ou das caras) e eram francesas na quantidade. Daí que seu apelido fosse restaurante de ouro. A decoração do estabelecimento não deixava por menos: até as luminárias lembravam as do palácio de Versalhes.
Feliz com o ar aristocrático do local, o presidente até considerou voltar para casa e trocar seu paletó italiano pelo fraque mas achou que não seria bem interpretado pelo populacho, pouco acostumado a fraques e outras modas da nobiliarquia. Respirou fundo, contou até dez (mentalmente). A sensação boa lhe fez sorrir um daqueles sorrisos descompromissados, sinceramente felizes. Aproveitando o momento, chamou o garçom.
‘- Boa noite.
- Boa noite, simpático freguês!
- Então, você tem aqui, hummm, o bombom de mussarela?
- Como?
- Bombom de mussarela.
- Não entendi.
- Bom.bom.de.mus.sa.re.la.
- Ah, não. Só temos o bombom de muçarela.
- Pode ser.
- E para beber?
- Pode me trazer este drinque com vodka. Batido, mas não mexido.
- Hum, certo. Entendi. O senhor está em missão, né?
- Ei, não fale nada…
- Sim senhor!' Já, já eu trago seu pedido.
- Obrigado.’
O presidente passou a reparar no vai e vem (ou ‘no ir e vir’, nunca sei) dos fregueses e na decoração. Perder-se em pensamentos é um bom artifício para se enganar a fome enquanto o pedido não chega. Também é um momento em que podemos ser surpreendidos e todo cuidado é pouco.
Na mesa ao lado viu uma criança patear e embirrar-se por conta de um brinquedo, enfurecendo os pais. A cena era desagradável, mas as árvores do pátio suavizavam a situação, lembrando-lhe da própria infância, na capital carioca com os biscoitos Globo. Ah, os biscoitos Globo...
Do outro lado, avistou alguns burocratas discutindo algum normativo novo publicado no campeão de audiência da capital, o Diário Oficial (D.O.). Pensou consigo mesmo que, sendo o presidente, ele não publicava no D.O. Ele era o D.O. Leia-se e cumpra-se! Sorriu, mas, desta vez, com alguma malícia.
Ainda absorto em pensamentos, foi surpreendido com uma mão (não com um mamão, leitor, a despeito da cacofonia evidente e também pelo fato de o presidente estar acomodado em mesa ao ar livre, no pátio do restaurante…chega de digressões!) em seu ombro direito. Virou-se e notou que ali estava o rei Davi.
‘- Senhor presidente!
- Rei Davi!
- Como vai vossa presidência?
- Não tão bem quanto vossa monarquia, mas tentando ficar! Satisfação em vê-lo! Quer se sentar?
- Por que não?’
O rei Davi era famoso por nunca recusar uma boa conversa. Primeiro, porque realmente apreciava prosear com pessoas inteligentes. Em segundo lugar, o rei Davi adorava fazer uma degustação informal com base nos pratos escolhidos por pessoas inteligentes. Enquanto conversavam, o sorridente garçom chegou com o bombom de muçarela.
‘- Mas que bela iguaria!, disse o rei Davi.
- Sim, é o bombom de mussa…digo, muçarela.
- Como?
- Bombom de muçarela, repetiu o garçom.
- Bombom de mozarela?
- Sim, mas é muçarela, novo e também simpático freguês...
- Mas é deste tamanho mesmo? Tamanho de um bombom?? (O presidente invadiu a conversa, pois não acreditava no tamanho do que estava diante de si)
- Senhor, é o que diz o nome no cardápio.
- Mas o preço…
- O senhor sabe como é, a inflação…
- Mas é o bombom de mussarela mais caro…
- Muçarela.
- Muzzarela?
- Não, muçarela!!’
O garçom levou as mãos à cabeça em desespero. Jogou o cardápio ao chão, olhou enfurecidamente para ambos e saiu pisando duro. Outros fregueses olharam assustados e alguns, que iriam pedir o famoso bombom, começaram a cogitar seriamente em mudar o pedido. O gerente ainda viria - meio a contragosto - desculpar-se com os ilustres fregueses pelo imbróglio que seu garçom (supostamente) causara.
O presidente, que era um homem diplomático (e, naquele momento, muito faminto), sentiu certa tristeza em dividir seu pequenino bombom com o rei Davi. Contudo sua etiqueta, fruto de estudos nas melhores escolas da aristocrática britânica forçava-o a oferecer seu bombom ao monarca que, por sua vez, não se fez de rogado e, em pouco tempo, o presidente notou que só teria, na melhor das hipóteses, 1/4 da car(íssim)a iguaria (e já considerava passar em uma hamburgueria…).
‘- Muito bom este bumbum de mozarela, presidente.’
O presidente pensou em levar as mãos à cabeça, mas a etiqueta…
’- Aí não! Bombom de Muçarela, meu rei!
- Isso, bombom de mussarela, muito bom! Desculpe-me presidente-mor!
- Não, não. bombom de Muçarela e, sim, é bom, né?
- Seria bombom de Muzzarela?
- Bem, rei Davi, digamos que sim. Tanto faz. Olha o que o garçom fez aí por causa deste queij…digo, muçarela’…coma, vá.
O rei Davi nunca entendeu muito bem de etiqueta, como se vê. E esta foi a breve história do dia em que ele passou a mão no bombom do presidente. Assim me relatou o bobo da corte, eu acho.
Adolescentes e Sexo - Em "O Púcaro Búlgaro", Campos de Carvalho cita uma suposta obra de Niccolo de Niccoli, No que pensam os adolescentes quando não estão pensando em sexo. Claro que ri com o título. Mas ri mais ainda no rodapé, quando o editor nos esclarece que o título da obra é, na verdade: Aquilo que, em 60 minutos por hora, 24 horas por dia, 30 dias por mês e 12 meses por ano pensam os adolescentes, as crianças e as criancinhas quando não estão pensando no sexo.
Eis aí um nome que merece o troféu de melhor título para livros (inclusive os de não-ficção). Pense nas possibilidades (com qualquer um dos dois títulos) que se pode ter trocando ‘sexo’ por outra palavra. Por exemplo, um autor destes livros sobre como o mais importante na vida é o dinheiro trocaria ‘sexo’ por ‘dinheiro’ (na verdade, suspeito que alguns realmente o façam) e faria um sucesso estrondoso! Já os que gostam de dinheiro, mas não querem dizê-lo explicitamente poderão trocar ‘sexo’ por ‘felicidade’. Os da seita do coaching são bons nisto.
É, eu sei. Eu também gostaria de ler esta obra do seu Niccolo.
Haiku (Haikai) - A quarta edição de um concurso japonês de haikus com a temática dos gatos. Mais detalhes aqui. Eis um, desta semana, de autoria da sra. Tomoko Nakazato, cuja tradução (automática, mas precisa) nos dá uma idéia da beleza dos bichanos.
まづ猫に (mazu (madzu) neko ni)
見する合格 (misuru goukaku)
通知かな (tsuutikana)
A dita tradução: I wonder if it's a pass notification to see on a cat.
Não consigo pensar em nada mais simpático.
Falando em poesias japonesas, este é um ótimo livro: Japanese Death Poems: Written by Zen Monks and Haiku Poets on the Verge of Death, de Yoel Hoffmann. Dele trago este trecho maravilhoso, referente a um poeta, Isso.
"ISSO 一草 Died on the seventeenth day of November, 1899 at the age of fifty-seven
Cut your price! (Makete oke) What if I've gotten fifty-seven? (gojūshichi de mo) The year is nearly over! (toshi no kure)
Isso takes his image from commerce. Fate sells life to man, and at the end of the years allotted to him, man must pay off the debt underwritten by fate at his birth. Isso, aware that he has already delayed payment for two years (as the lifespan of man, according to one tradition, is fifty-five years), asks to defer payment for a little while longer, until the end of the year. He even requests a price cut, perhaps thinking of the practice of Japanese firms to hold clearance sales at the end of the year. But whether he gets such a discount or not, the poet seems to suggest that when he returns his life his situation will not be changed much anyway."
É, digamos assim, a pechincha da vida. Ou a pechincha derradeira.
Governança Radical - Imagine uma charter city implementada no contexto de uma parceria público-privada. É o tema deste programa do Charter Cities Institute. Não assisti ainda, mas pareceu-me promissor.
Detetive Columbo em uma das suas cenas mais engraçadas - Confira você mesmo.
Reunião do Zoom dos meus sonhos - A reunião dos meus sonhos seria uma em que eu estaria em um canto da tela, na minha janelinha, tomando café com um ar blasé, bem ao estilo do gato sem nome de Eu sou um Gato de Natsume Souseki. Para quem não sabe, o “Eu sou um Gato” do título é escrito, propositalmente em uma linguagem ultra-formal, para dar um tom arrogante ao gato que, claro, acha-se superior aos humanos do livro.
Tentei reproduzir o humor no link acima e, claro, os assinantes sabem que sou muito ruim com piadas. Ainda assim, seguem-me. Deus é bom comigo. Deus é bom comigo. Indeed.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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Eia, pois, menos bombons e mais Haikus