O assassinato da lógica - O roubo do sapo e o detetive Leite - MACA - A chuva no começo da viagem.
É isto um universitário?
O v(5), n(20) desta newsletter está sendo escrito em pleno Dia das Mães e deverá ser revisado/complementado até o dia do disparo (bang!). Assim, sejam todas as mães contempladas com meu desejo de muita alegria em seu dia.
O assassinato da lógica - Se há um assassinato cometido todos os dias sem grande repercussão na mídia - cada vez mais chapa-branca - nacional é o da lógica. Por envenenamento lento, facada nas costas, tiro de arma (obviamente, de fogo), enforcamento ou por qualquer outro meio, a lógica é morta diante dos olhos já não tão incrédulos deste autor em um número infinito de vezes.
Como já ficou claro, há muitas formas de matar a lógica. Políticos, empresários, alunos, médicos, astrólogos, filósofos, sociólogos, advogados, juízes e, claro, comentaristas de futebol são alguns, mas não são os únicos. O logicídio é democrático, não distingue cor da pele (para os racistas: raça), sexo, crença religiosa, nada. É simples assim. A lógica sofre e ninguém sequer ora por ela. Pobre lógica.
Outro dia mesmo, na internet (sempre nela, né?), vi um vídeo em que um palestrante era atacado de maneira indigna e bem longe dos padrões éticos e da cortesia dos debates que usamos desde antes da Grécia antiga. Eu disse “usamos”? Talvez seja melhor dizer: “usávamos”. De todo modo, como a palestra é longa, o vídeo nos dá detalhes do assassinato da lógica por envenenamento destilado por meio de palavras cruéis travestidas de paz-e-amor.
Como boa parte dos brasileiros - já ouviu falar sobre o QI médio do brasileiro? A coisa não está bonita… - não só não vê um vídeo com atenção por mais de 5 minutos (às vezes 10, quando aceleram a fala das pessoas com um comando simples) como também não reflete sobre os fatos com base em critérios, a lógica passa longe dos critérios da análise crítica e os mentirosos constroem narrativas bem estranhas.
Não que isso seja estranho. Os maoístas, o Khmer Vermelho e os nazistas sempre foram bons na manipulação dos fatos, distorcendo-os de tal maneira que você realmente acredita que judeus são os culpados pela derrota do seu time de futebol favorito ou pela miséria no mundo. Tanto faz. Quando não são os judeus, é um amorfo e desconhecido “capitalismo”, “mercado” ou mesmo o tal “neoliberalismo”. Quando as palavras perdem impacto, o assassinato da lógica ganha novos conceitos que nada conceituam como, sei lá, tecno-turbo-carnívoros-patriarcais-colonialistas. Não importa se isto é um conceito porque, afinal, tudo é relativo (exceto esta afirmação? Xii…sua crença tem pés de barro, floquinho…).
A normalização do assassinato da lógica vem junto com o cansaço dos bons que dão tudo o que é desculpa para nada fazerem.
“- Ah, são só adolescentes, a vida vai lhes ensinar…
- Deixa para lá, é só uma modinha…
- Cansei desta luta, já tenho 30 anos. A culpa é do meu pai. Ele que se vire. E daí que tem 80 anos?
- Isso acontece só aqui. É um fato isolado. Não faça uma tempestade em um copo d’água…
- Precisamos estar todos na mesma página. É o máximo que conseguimos fazer, mas isso vai passar…
- Isso jamais vai acontecer aqui. Aqui é Brasil.
Etc.”
O cansaço, a indiferença, o apoio da mídia dominada pelos antigos piores alunos da aula de ética (em minúscula mesmo porque se for em maiúscula é colonialismo tecno-machista, claro!), o desleixo com as instituições, já infiltradas até por gente do PCC ou do Comando Vermelho (para listar apenas os mais honestos dentre os assassinos da lógica), tudo isto traz um pessimismo incrível (e o que tem de gente fazendo vídeo e faturando com apoio ou crítica aos assassinos da lógica não está no gibi!).
Ainda assim, caro leitor, insisto e vou cuspir em cada assassino da lógica que passar por mim. Cuspirei e lhe farei sinais com as mãos. Sinais bem feios e de significado mais transparente que a água que desce das montanhas do interior do Japão.
Quer assassinar a lógica? Faça como quiser, mas ganhará uma cuspida. No rosto ou na cabeça, claro. Por mim, você, assassino, engoliria meu cuspe. Meu cuspe é um insumo útil para sua produção de raciocínios tortuosos. Aceite-o naturalmente. Você merece.
O roubo do sapo e o detetive Leite - Chegou assustado à delegacia e correu para o balcão em busca de ajuda. O sapo de porcelana chinesa cravejado de esmeraldas havia sumido.
“- Calma, senhor. Conte-nos o que aconteceu.
- Eu, eu…eu…
- Tragam uma água para o senhor Gianfrancesco!”
Após goles apressados, quase engasgando-se, o idoso senhor Gianfrancesco, dono do antiquário Velharias que renovam sua vida sentou-se, respirou fundo e sentiu um breve alívio, breve o suficiente para que contasse o ocorrido sem se perder.
“- Veja, delegado, voltei do almoço e a porta do meu antiquário estava arrombada. Entrei desesperado e peguei o bastão de beisebol que fica escondido atrás da porta na esperança de render o ladrão. Não demorou muito para eu perceber que ele já havia ido embora. Vi que sumiram algumas poucas peças da loja. Uns gibis da Ebal que estavam empilhados ao lado do caixa e, o que é pior, meu sapo de porcelana chinesa cravejado de esmeraldas.
- Crave-o-quê, seu Gianfrancesco?
- Cravejado, é, bem, tem umas pedras verdes colado nele.
- Ah, entendi…mas é um sapo ou uma rã?
- Faz diferença, delegado?
- O questionário, seu Gianfrancesco…pode até ser um sapo que se identifica como rã. Ou o contrário.
- O senhor está mesmo falando sério?
- Novas regras da delegacia, seu Gianfrancesco. Aliás, “delegacia do amor”. Agora não prendemos estupradores, homicidas ou pivetes. A gente “os acolhe”.
- E o meu sapo…?
- Ah, pois bem. Vou passar seu relato para o detetive Leite.
- Ele se identifica como Leite?
- Ei, mais respeito, seu Gianfrancesco…
- Mas eu pensei…
- Pensar também não é muito necessário, seu Gianfrancesco. Não na delegacia do amor.
- Desculpe-me, mas pode chamar o seu Leite?
- É prá já.”
O delegado deixou o - agora bem confuso - seu Gianfrancesco no balcão e desapareceu pelo labirinto de portas por trás do balcão para voltar uns dez minutos depois acompanhado do detetive Leite.
“- Prazer, seu Gianfrancesco. Sou o detetive Leite.
- Prazer, seu detetive Leite. O senhor é daqui mesmo?
- Não exatamente. Sou uma criação de Luiz Lopes Coelho, um autor brasileiro já falecido e estou aqui para ajudá-lo.
- Ah, entendo. Eu fui criado no Brás.
- Quanto tempo o senhor ficou fora no almoço?
- Não mais que 30 minutos.
- Claro que o senhor havia trancado a porta.
- Por óbvio, delegado.
- Perfeito. Agora fale-me do sapo.
- É uma antiguidade famosa da loja, seu Leite. Os clientes mais frequentes sempre admiram-no junto às minhas peças mais caras. Eu o adquiri de uma família de alemães que veio para o Brasil durante a grande guerra. Eles me explicaram que a relíquia teria vindo da China ainda no século 19. Desfizeram-se dele quando da morte do patriarca da família por conta da necessidade do dinheiro. O senhor sabe como é, né?
- Entendo. Algum suspeito?
- Para dizer a verdade, não.
- Vamos até seu antiquário.”
A pequena loja de seu Gianfrancesco ficava bem no meio do quarteirão em uma casa pequena. As antiguidades dividiam espaço com livros e revistas antigas. O detetive Leite examinou a maçaneta da porta e o vidro quebrado da porta e deu uma boa olhada no local. Perguntou ao seu Gianfrancesco pelo preço de alguns gibis da Bloch e outros da Ebal que lhe interessaram e saiu de lá com uma pequena sacola e a promessa de que iria telefonar ao chateado dono do antiquário para lhe propor um plano de captura do criminoso.
No início da noite, pouco antes de fechar o antiquário, seu Gianfrancesco atendeu ao telefonema do delegado Leite. Achava nosso delegado que o crime não seria um fato isolado. Chamou-lhe a atenção no roubo que o criminoso levasse o sapo e alguns gibis. Por que não levar alguns talheres de ouro ou relógios de bolso antigos? Por que o sapo e gibis? Assim, pediu a seu Gianfrancesco que lhe recebesse pela porta dos fundos após às 19 horas e que deixasse alguns gibis na vitrine e assim foi feito.
Sentaram-se na copa com uma garrafa de café e aguardaram. Lá pelas 21 horas e 33 minutos, ouviram uma tentativa de giro na maçaneta da porta da frente. O vidro quebrado havia sido coberto com fita isolante que, por orientação de Leite, deveria ser de fácil remoção e as mãos enluvadas do criminoso, obviamente, se alegraram com o suposto descuido de seu Gianfrancesco.
O criminoso entrou com notável silêncio e se aproximou do balcão no qual se encontravam os gibis dos quais alguns furtara anteriormente. Selecionou alguns e quando se preparava para guardá-los em sua sacola de plástico, foi surpreendido pela luz da lanterna em seu rosto. Virou-se e viu que a porta estava bloqueada por três policiais.
A luz se acendeu e todos puderam ver o rosto do jovem Francisco Heinz, da família de alemães que vendera o sapo, gibis e outros pertences para o Velharias que renovam sua vida há alguns meses.
“- Procurava o Capitão América, n.16, hein?
- Eu, eu…como descobriu?
- Suspeitei que alguém que rouba um sapo com esmeraldas não tem o hábito de roubar gibis. Neste caso, sabia que o criminoso voltaria ao local do crime. À tarde, examinei a coleção notável de gibis da loja e notei que alguns tinham seu nome na capa.
- Nunca autorizei a venda! Maldita da minha avó. Eu sempre li os gibis na casa de meu tio. Deveriam ser meus por direito! Meus!
- Senhor Francisco, e o sapo?
- Ora, está em minha casa. Malditos!”
O sapo voltou ao antiquário e o delegado Leite passou o final de semana relembrando de seus tempos nos romances policiais de Luiz Lopes Coelho lendo os gibis que seu Gianfrancesco lhe emprestou.
MACA - Make America Catholic Again.
A chuva no começo da viagem - Uma bela canção (e o cantor é o Niinuma Kenji).
Até mais ler!
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
Caso queira compartilhar, clique no botão abaixo.
Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico geralmente às quartas. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
O assassinato da lógica é sempre lastimável, mas talvez o problema seja mais grave ainda. Se entendermos lógica apenas do ponto de vista formal, então ela funciona perfeitamente dadas as premissas. O problema são as premissas. O problema é o sistema lógico que, embora internamente consistente, não tem aderência à realidade. O problema é o assassinato da verdade (ou da busca pela verdade).
E quando não há mais verdade, não precisamos mais de liberdade de expressão, nem de mercado livre de ideias, pois eles são meros instrumentos depuradores de verdades. Instrumentos predicados no compromisso dos participantes com a realidade.