O animal spirits keynesiano e as raças brasileiras: um divertido exercício usando um livro antigo sobre inflação. Externalidades. Gravidez.
Enquanto isto, na Ilha Fiscal, há um baile funk...
O v(2), n(36) chega pegando fogo. Melhor começar a ler. Vai que é fogo de palha, né?
Raças e Animal Spirits nos Trópicos - Houve um tempo em que cientistas sociais brasileiros acreditavam que diferentes raças traziam, em si, características inatas que seriam mais ou menos adequadas ao país. Houve? Bem, deixe para lá. Vamos ao que interessa.
A figura abaixo mostra um resumo (está mais para um fichamento) do que seu autor, Oliver Onódy, acreditava serem os principais fatores ‘raciais' e ‘estruturais’ que influenciariam o comportamento social. O livro é o A inflação brasileira, 1820-1958, publicado em 1960).
Sobre as ‘raças’, nas páginas que se seguem a este curioso quadro descobrimos, não para nossa surpresa, que ‘índios’ são apenas os autóctones. E que ‘mediterrâneos’ são ‘…todos os portuguêses assim como os espanhóis da parte setentrional e central da Península Ibérica e os italianos do sul’. Os africanos? São os sudaneses (maometanos ou não) e os bantus. Os árabes, ironicamente, são os turcos (o autor destaca que todos erram ao chamar árabes de turcos). Ah sim, os ‘uralo-altaicos’ são os ‘húngaros, estonianos, finlandeses e sob certos aspectos os puros e verdadeiros turcos’.
Outro ponto interessante é como, baseado em suas leituras (portanto, de forma bem ad hoc), o autor classifica as 17 linhas do quadro em aspectos que favoreçam sete pontos que, para ele, são importantes ao estudo da inflação brasileira. Ele o faz na figura a seguir.
Note como o ‘individualismo’ (linha 11 do quadro anterior) é importante para a produtividade, o investimento e também para o consumo, mas não para a produção. Note também que, no item ‘Investimentos’ há um erro, já que não há linha 19 naquele quadro das raças.
Divertido é pensar sobre os determinantes do animal spirits e em que raças eles apareciam mais, para Onódy. Vamos ao exercício?
Considere o item ‘investimentos’. Basicamente, seria uma combinação de ‘costumes no comércio’ (presente em mediterrâneos, árabes e judeus), ‘individualismo’ (índios, mediterrâneos e uralo-altaicos), ‘impulsividade’ (índios, mediterrâneos, africanos, árabes, judeus, uralo-altaicos), ‘rapidez de percepção’ (mediterrâneos e judeus), ‘cultura geral’ (índios, mediterrâneos, africanos, árabes, judeus, anglo-saxões e germânicos) e o misterioso item 19.
Claro, a ironia da linha 19 é que é uma piada pronta. Afinal, a incerteza de Keynes não tem aquele caráter de não poder ser nem mensurada, por exemplo? Quem mais adequado do que uma linha inexistente?
Mas, quem é o vencedor do meu miniconcurso tropical-keynesiano? Que raça teria mais animal spirits para impulsionar o investimento verde-amarelo? Bem, temos um empate: mediterrâneos e judeus em primeiro lugar (cinco itens cada). Em segundo lugar, árabes e índios (três itens cada) seriam, na visão do autor, as raças mais propensas ao investimento.
Poderíamos estender o exercício pensando na igualdade macroeconômica básica (em uma economia fechada e sem governo) de que S=I ou melhor, que o total da poupança (S) seria igual ao total do investimento agregado (I).
Voltando às nossas figuras, a poupança tem 10 fatores determinantes, em contraste com o investimento, que tem apenas 6. Há uma interseção envolvendo cinco características. São elas: ‘costumes no comércio’, ‘individualismo’, ‘impulsividade’, ‘rapidez de percepção’ e ‘cultura geral’. O que dizer disto? Não faço ideia. Mas é divertido, não é?
Finalizando: japoneses e chineses jamais seriam empreendedores, nesta perspectiva. Onódy seguia, pelo visto, o pessimismo de Oliveira Vianna com os imigrantes do sudeste asiático…
Externalidades - Este artigo deixou de lado a investigação mais óbvia (eu acho que Elinor Ostrom me daria certa razão): como pessoas podem resolver seus conflitos sem a necessidade de recorrer a uma terceira parte estatal?
O problema da externalidade surge, tomando o exemplo da notícia, quando quero lavar roupa, mas sou incomodado pela cozinha industrial do vizinho. Note que a frase poderia ser reescrita como: eu preciso vender marmita para me sustentar, mas o vizinho insiste em reclamar comigo porque diz que o barulho o atrapalha. No fundo, ambos geram a externalidade.
Pois bem. E a tal Elinor Ostrom? As pessoas gostam de celebrar o ‘Nobel de Economia para uma mulher’, mas nem sempre parecem conhecer sua obra. Recomendo, para começar, este texto do Sávio Coelho. Dele vem este trecho bem esclarecedor.
Elinor mostrou que para a criação de uma ordem social estável, de instituições funcionais, não era necessário estabelecer relações verticais hierarquizadas, com uma judicialização de todas as relações sociais por meio do estado intervindo na delimitação da propriedade de tudo e servindo como árbitro de todos os problemas. As relações poderiam se dar de forma horizontal, com as pessoas negociando de igual para igual com base em tradições comuns de sua comunidade. As pessoas podem se organizar, formar laços e estabelecer regras elas mesmas que gerem uma coordenação ótima na alocação de recursos.
Claro, uma solução para os vizinhos, no exemplo da externalidade, é que tentem um acordo. E poderiam tentar isso entre eles primeiramente. Ou a associação do bairro deveria tentar um acordo com a associação dos cozinheiros. Esta solução diz respeito ao Teorema de Coase.
O que Coase nos disse - e que ficou conhecido como seu ‘teorema’ - é que sempre que os custos de transação (os custos desta barganha entre as partes) forem suficientemente baixos, é mais eficiente, para todos, deixar que os interessados barganhem. O resultado será, sempre, socialmente mais interessante.
Não sei o leitor, mas esta é uma possibilidade que me parece descartada pela reportagem muito apressadamente. Ou talvez o repórter, por algum motivo, não tenha explorado muito este aspecto por não acreditar muito na capacidade das pessoas de negociarem entre si. Vai saber.
Eu só acho que esta notícia merece estar nos debates de todos os cursos introdutórios de Economia, Direito. Mais uma para a lista de material didático complementar…
p.s. A propósito, fui procurar uma explicação do Teorema de Coase e, já não me lembrava, há um texto sobre Coase na mesma página em que publicaram o do Sávio, anteriormente citado, cujo autor é este conhecido dos assinantes. Peço desculpas pela auto-propaganda mas, se o leitor quiser me dar a honra de sua leitura…
Gravidez não é doença - Programa interessante este, do "Bebê a Bordo", de uma escola estadual sergipana que busca impedir que adolescentes grávidas deixem os estudos.
Claro que alguém dirá que ele não foi planejado ex ante e que ainda não se o avaliou ex post. Contudo, nem toda boa ideia sai desenhada de um laboratório. É muito mais fruto do empreendimento de alguns (no caso, parece que foi ideia de uma professora de Educação Física).
A educação de um aluno, em sala, é fruto da oferta e da demanda. Diana Coutinho e eu mostramos que, do lado da oferta, trocar um mau professor por um bom professor médio tem um impacto significativo na renda futura do aluno (o paper completo está no site do Instituto Millenium, aqui).
Do lado da demanda, claro, o aluno tem que querer estudar e a gravidez - que não é nada simples - não deveria ser um impedimento permanente ao prosseguimento dos estudos. A ideia deste programa merece ser estudada e aperfeiçoada.
Ah sim, é importante que os jovens papais e mamães também não deixem em segundo plano a importância dos estudos para seus bebês. Precisamos de menos cola, mais seriedade e mais horas de estudos. Um bordão legal seria: bora, sem cola, melhorar o desempenho escolar?
Na torcida para que as jovens grávidas sigam no bom caminho.
Desde 1839… - A Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro está digitalizada e disponível para todos. É um esplêndido bem público (no sentido que os economistas usam). Começa em 1839 e, vejam só, continua sendo publicada até hoje.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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