O amargo regresso da conta de nossos erros
Hoje a culpa é sua, hoje a culpa é nossa, é de quem quiser, quem vier...
Estamos no v.1, n.8 da newsletter. Hoje faço apenas um breve comentário sobre um ótimo pequeno livro que li recentemente: Lições Amargas, do prof. Gustavo Franco.
É, li o livrinho numa ensolarada manhã de domingo. Coisas da pandemia. Para falar dele, volto um pouco no tempo e busco dois autores que estão guardados em alguns livros ali, ao lado da cantoneira. A ideia é situar uma mensagem importante que surge logo no início do livro em um certo contexto, uma certa tradição.
Chamando na responsabilidade - Nathaniel Leff, em obra traduzida aqui lá pelos anos 90 ("Subdesenvolvimento e Desenvolvimento no Brasil" , vol. 1 e 2) que não fez muito sucesso em certos círculos de professores de história econômica, insistia na tese de que vários problemas do nosso subdesenvolvimento teriam sido responsabilidade nossa. Ele não foi o único a apontar a ausência de um olhar crítico sobre as próprias decisões de política dos sucessivos governos brasileiros. Roberto Campos, de forma elegantemente irônica, fez isto por anos na imprensa nacional.
Por que autores como Leff e Campos incomodam? A resposta óbvia é a correta: ninguém gosta de ser responsaibilizado por seus erros. Eis um tema central e que torna este livro do prof. Franco, tão importante. Afinal, por um futuro menos pior (ou melhor), é preciso aprender as lições, por mais amargas que sejam. Lições que são oriundas de nossos próprios erros. A sociedade brasileira, infelizmente, "falha, mas não tarda"...
Pois bem, o livro do prof. Franco compõe-se de ensaios organizados em seis capítulos: As Reformas, A Ciência, O Estado, Os Juros, Tópicos Especiais e Assuntos Inesperados e A Abertura. É curioso que o quinto capítulo não seja o sexto e vice-versa, mas qualquer um que já tenha passado por um curso de Economia Brasileira e/ou acompanhe o noticiário provavelmente já se sentiu incomodado com a os temas elencados como capítulos no livro.
Reformas? Sempre adiadas porque "é preciso mais discussão e amadurecimento" (a escravidão duraria até hoje se levássemos este argumento ao pé da letra…). Papel do Estado? Este tema concorre com o futebol e a religião no ranking dos temas que mais provocam brigas. Juros? Quando estão altos reclamam e, quando estão baixos, também. Abertura econômica? O brasileiro pouco sabe sobre isto. Os componentes do capítulo "coringa" ("Tópicos Especiais e Assuntos Inesperados") talvez não estejam na mesma faixa etária dos outros. São problemas relativamente jovens, mas igualmente desafiadores (sem spoilers). Por todos estes temas o autor nos traz sua visão impressa em um texto - como de hábito - de agradável leitura com uma ironia que não (me) desagrada.
Um ponto do livro que gostei diz respeito à apresentação das inigualáveis Leis de Cipolla da estupidez humana (talvez o ponto mais alto do livro, no cap.2), seguida de discussão que inclui uma sugestão de experimento interessante...
As leis remetem ao tema clássico de Escolha Pública (Public Choice) acerca das motivações (aparentemente) irracionais de políticos ou eleitores, os dois lados da equação de funcionamento da democracia. O falecido historiador italiano merece um lugar especial nas aulas de Economia (e faltava mesmo um economista ajudar na popularização das Leis de Cipolla para o público mais jovem…).
Outro ponto, mas de ordem mais "estética", que apreciei: as ótimas "tabelas-síntese" sobre o "Consenso de Washington" (que bem poderia ser chamado de "Bom Senso (ocasionalmente discutido) em Washington" (Tabela 1) e a outra (Tabela 6) com a situação das empresas estrangeiras no Brasil, já no último capítulo. Tabelas-síntese não são fáceis de se construir e são extremamente úteis para uma visão panorâmica de recortes do ambiente sócio-econômico. Estas duas, em especial, deixaelaro o quão distantes estamos de qualquer espantalho "neoliberal", "ultraliberal", "superliberal", etc. Contra o negacionismo, dados.
Lições, em geral, são pensadas para nos fazerem pensar sobre como podemos fazer melhor nas próximas vezes. Às vezes só ter vontade de mudar já basta. Contudo, há situações em que as restrições são tão dramáticas que você precisa embarcar na mudança, mesmo que não se tenha muita vontade. Há várias lições no livro e, aqui, resolvi me dedicar apenas a uma delas: a de que a responsabilidade por sua vida é, essencialmente, um assunto seu. Não jogue a culpa nos outros tão rapidamente.
Trecho do dia, em inglês, de um livro cuja tradução seria desejável… - If foreigners invest in agriculture, this promotes primary product dependency via the argument of declining terms of trade. If they invest in industry, this is ‘the new structure of dependency’. If the national bourgeoisie is small, that is because foreigners ‘debilitate’ it; if the national bourgeoisie is large, it responds to external interests anyway as the internal agents of neo-colonialism. If the economy of a Latin American country is labor intensive, this is exploitation and maintains dependency; if it is capital intensive, this is the newer form of dependency which fosters unemployment, marginalization, and increasing inequalities. And so on. [Robert Packenham, citado na introdução de How Latin America Fell Behind - Essays on the Economic Histories of Brazil and Mexico, 1800-1914, Stanford University Press, California, 1997, editado por Stephen Haber]