Mamãe, as nuvens caíram. Memórias cinematográficas. Quando você sabe que ama alguém?
"A caneta e a espada juntas em um único caminho" (Yukio Mishima)
O v(2), n(101) chegou. Soem as trombetas!
Mamãe, as nuvens caíram - O voo tinha tudo que um voo comum tem. Algum atraso, uma certa melancolia, os avisos de sempre e, neste em particular, um monte de crianças em torno de seu assento. Graças a Deus, nenhuma em suas cadeiras vizinhas. Contudo, nas fileiras de trás e da frente, animados pimpolhos tagarelavam o tempo inteiro.
Graças à tecnologia - e a uma certa leniência com seu bolso - teve, por um tempo, o pacote simples de internet a lhe ajudar. Leu boa parte de um livro (outra alegria em sua vida é o aplicativo do Kindle para celular, #ficaadica). Em seu estado de ânimo, só conseguiu mesmo ler um sobre a vida de Yukio Mishima.
Em sua mente… ou seria em seu coração? Mishima diria ventre, sabemos todos, ele pens...enfim, só queria dizer que ele pensava em diversos assuntos sentimentais. Não é que a vida estivesse passando diante de seus olhos porque não estava batendo as botas (e nem calçava botas). Devaneios e planos para o futuro, uma combinação perfeita que pediria um bom whisky que, certamente não teria nestes voos modernos e chatos.
A aeromoça o interpelou, mas recusou os biscoitos (doces ou salgados) e aceitou uma água e um café. A fome vinha abandonando-o há alguns dias. Com algum atraso em relação à sanidade que já desistira dele há uns 10 anos (se não me falha a memória, que também não era lá o seu forte, exceto para assuntos técnicos).
Ao seu lado, um assento vazio dava-lhe algum conforto. Na janelinha, um sujeito que falava ao celular como se estivesse em casa, assistindo a uma partida da seleção (antes da eliminação). Para sua sorte, ele só fez isso enquanto o voo ainda não havia sido encerrado.
Certo, certo. Eu falava das crianças. Pois então. Cercado por estas divertidas criaturas muito falantes, tentava se concentrar no livro que, convenhamos, não era de leitura fácil porque o autor resolveu contar a vida de Mishima comentando vários de seus livros em detalhes que, naquele momento, naquele contexto, com aqueles vizinhos, pareciam-lhe (demasiado) excessivos.
Veio a mensagem: ‘para seu conforto, agora vamos recolher todos os materiais que possam ser descartados’. Claro que pensou em alguns nomes do cenário político nacional (pode até ter pensado em nomes importantes do judiciário nacional, mas ninguém nunca poderá averiguar) que poderiam ser descartados e se lamentou que o conceito de ‘materiais’ fosse tão ‘fracamente’ delimitado, restrito. Por outro lado, não reconheceria um único vereadorzinho e, assim, desistiu de sua maldade ‘politicocida’.
Os meninos falavam e brincavam sem parar, mas não geravam barulho excessivo. Esta não parecia ser a opinião dos pais, mas ele não era marinhe…digo, aeronauta de primeira viagem e havia desenvolvido algumas técnicas para minimizar o impacto da presença de outros à sua volta. Ah, a experiência!
Quando se encontrava no meio de algum parágrafo, veio o anúncio de que o avião começara o procedimento de pouso. Aos poucos, pela janela, podia ver como as nuvens iam ficando para cima. Foi quando uma das crianças gritou, com ar de espanto:
‘- Mamãe, as nuvens estão descendo!’
Por instinto, olhou para a janela. Para ele, as nuvens estavam ficando para cima, como que subindo. Para a criança, as nuvens é que desciam. Nunca pensou que as nuvens poderiam descer com o avião.
Tentou ver as coisas pelo olhar da criança. Percebeu, então, as nuvens como criaturas que mudavam sua forma constantemente e com extensões que, sim, davam-lhe a impressão de que desciam, junto com o garoto, com ele e com o avião. É, até que o menino poderia mesmo estar certo.
‘Talvez não fosse tão difícil assim’, pensou, ‘ir para o céu’.
Voltou à sua leitura, mas não conseguiu mais se concentrar. Só queria olhar para fora e imaginar que voava entre as nuvens, cumprimentando-as e subindo aos céus enquanto as mesmas desciam se transformando em uma fina chuva.
Benditas sejam as crianças.
Memória cinematográfica (ou algo assim) - Sempre gostei de TV e, portanto, de cinema. Contudo, ao entrar na faculdade, conheci um sujeito (morreu novo, infelizmente) que era um cinéfilo destes de histórias em quadrinhos. Conhecia tudo. Foi quando eu percebi que conhecia nada de cinema.
Para tirar o atraso, descobri a Sala Humberto Mauro, no Palácio das Artes (falamos de Belo Horizonte, por óbvio) e para lá ia assistir tudo que era festival de filmes. Em resumo, vi japoneses clássicos (sempre tinha um Mizoguchi em exibição), alemães (Fritz Lang e o expressionismo em geral) e franceses (Truffaut, Goddard).
Curiosidade: descobri que não gosto dos filmes franceses. Após anos, só me lembeo dos expressionistas. Dos franceses, só me lembro de dois nomes: Truffaut e Goddard. Dos alemães eu me lembro de tudo, em detalhes, até.
Ah, e teve o Tarkovsky com seus dois filmes chatíssimos: O Sacrifício e Solaris. Do primeiro, meu único comentário é que, ao sair do filme, eu só pensava em enfiar minha cabeça na avenida Afonso Pena e torcer para um fusca vir em alta velocidade para esmagar meu crânio.
Fiquei um bom tempo nesta de ser uma pessoa mais chegada em filmes, digamos assim, sofisticados. Até que um dia, do nada, eu quis ver O Alvo, com Van Damme, no Cine Brasil, ali na Praça Sete. Como se sabe, nos anos 80 não se marcavam assentos no cinema e a turma fazia uma algazarra louca. Pipocas voavam do segundo andar sobre nossas cabeças.
Foi uma experiência libertadora. Descobri que não precisava abrir mão de filmes como O Alvo para ser uma pessoa um pouco melhor versada em cinema. O que aconteceu foi que apenas ampliei meu cardápio de filmes a serem assistidos. Não é a diversidade que tanto celebram?
Algum tempo depois iria descobrir que foi John Woo o diretor do filme e, vendo os outros filmes dele, notei como ele importou, para Hollywood, vários de seus truques ou técnicas.
Refletindo agora, sobre esta lembrança, vejo como era petulante…não é porque o filme é falado em italiano ou belga (com legendas em iraniano) que ele é melhor do que um filme de ação. Aliás, esta xenofobia contra Hollywood não se sustenta. Basta ver a diversidade de filmes produzidos por lá (de Jim Jarmusch e Spike Lee passando por Woody Allen e Brian de Palma e por aí vai).
Na arte ou na ciência, o melhor é ser anarquista e se dar o direito de experimentar tudo. É o que penso, não uma lição de vida, ok?
Quando você sabe que ama alguém? - A pergunta campeã entre adolescentes é esta. Ou pelo menos era a mais difícil para mim. Eu me perdi em devaneios, muitas vezes, tentando descobrir como saberia que estaria mesmo amando alguém.
O problema da adolescência é que estas perguntas consomem muito tempo e esforço e a gente geralmente olha dos ângulos errados. No meu caso era aquele dilema do tipo ovo-ou-galinha. Só iria resolver namorando…mas como namorar se não sei se gosto mesmo…etc.
Hoje, um pouquinho menos burro, noto que é simples. Você sente falta da pessoa? Você faz coisas boas para ela sem exigir nada em troca? Você gosta do jeito que a pessoa fala? Acho que se eu tivesse assistido ao Harry e Sally na época, teria resolvido boa parte das minhas dúvidas.
Contudo, não seria justo com o leitor adolescente (acho que não tenho nenhum, mas…) dizer que basta ele assistir a uma comédia romântica (em que Meg Ryan nunca esteve tão exuberante) e toda a verdade ser-lhe-á (né, Polzonoff?) revelada. Fosse eu um coach, teria aqui uma receita do sucesso no amor, uns 5 passos do sucesso amoroso, ou uma jornada do apaixonado. Não, não tenho e, se tivesse, venderia, né?
O que posso dizer? Não fui um exímio namorador ou estudioso das paixões humanas. Nunca li um livro sobre isto (se li, dormi lendo). Acho que é algo que se descobre (lá vem você, Claudio, usar Hayek e a informação dispersa de novo…) convivendo. A pessoa faz e fala várias coisas e você vai descobrindo as afinidades e o que não combina.
Daí que é algo que vai se descobrindo mesmo e isto foi o que me agradou no desenrolar da história do filme Harry e Sally. Os dois vão se descobrindo aos poucos, passando por entendimentos e desentendimentos ao longo do tempo até que, finalmente, resolvem que deveriam mesmo tentar algo mais sério.
Ok, eram os anos 80 e as pessoas não usavam aplicativos, nem clicavam em fotos para dar um ‘ok’ buscando um ‘match’ para, só então sair para o encontro. Nem os relacionamentos tinham prazo máximo de duração de duas transas e uma festa (ou uma transa e duas festas, cada um é cada um…). A gente tentava com um pouco mais de insistência.
Pois é. Mas como é isso de amar? Em resumo, você entra de sola, amando como nunca e não sabe o que há do outro lado. Vai dar certo? Ninguém sabe. Vai (e precisa) evoluir? Não há garantias. É simples assim.
Não há garantias de correspondência, de evolução para algo mais sério, nada. É um empreendimento de altíssimo risco. Quem disse que é fácil te enganou, pode ter certeza.
Como eu disse: não sou coach. Muito menos especialista em relacionamentos. Só digo uma coisa: amar pode te fazer sofrer, pode te dar alegrias, pode te dar até, com sorte(?), filhos. Por isso dá um frio na barriga (que, às vezes, fica cheia de borboletas…).
Eis, portanto, amigo leitor, o que penso do tema, mesmo não tendo diploma na coisa, nem tendo feito cursos (pode olhar no meu currículo, não há um único!). Fica, pois, o aviso de bula de remédio para este textinho: leia e use por sua própria conta e risco.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
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