Machados de ferro - Caiu - Quem tem medo das Cidades Privadas? - Identidade - Hankyou Minyou (絆響民謡)
E aquele narigão da Barbra Streisand, hein?
O v(3), n(53) chegou, com alguns tremores, mas nada sério.
Machados de ferro - Em seu Governos com genros europeus, capítulo 2 do História da Riqueza no Brasil, Jorge Caldeira nos dá uma excelente descrição da dinâmica social no Brasil que ainda não era.
O relato, aliás, serve para ilustrar a dinâmica de transição institucional proposta por Douglass North em seus últimos trabalhos (complementados por alguns outros trabalhos de Lee Alston e seus coautores usuais). É o que tento a seguir.
Como se sabe (talvez nem todo leitor saiba, eu sei), North dedicou boa parte de sua vida acadêmica para nos mostrar que instituições precisam ser endogeneizadas nos modelos econômicos. Afinal, se instituições importam, cabe perguntar como importam e também como evoluem. O leitor iniciado sabe: instituições são as ‘regras do jogo’ da sociedade. Parte delas é formalizada (escritas) e parte é informal (costumes, por exemplo).
Antes de Acemoglu entrar no curso de doutorado, North já era popular entre os economistas. Sim, meu amigo leitor. Instituições não começaram com o livro para leigos do produtivo Acemoglu. Assim como este papo de ‘capitalismo de compadrio’ é - agora ganho inimigos! - só uma repaginada nos diversos escritos de Tullock e outros sobre rent-seeking.
Volto a Jorge Caldeira.
O talentoso escritor e pesquisador tem ajudado no aperfeiçoamento da história econômica brasileira com seus insights e sua atenção às pesquisas sérias desenvolvidas ao longo dos anos.
Em sua análise acerca dos anos iniciais da colonização, Caldeira - que não leu a tese do falecido Fernando Zanella - fala da importância dos Lançados portugueses. Seja por estratégia portuguesa ou por outro motivo, o fato é que estes personagens foram importantes na diminuição dos custos de transação para o comércio entre portugueses e índios.
Um ponto importante que Caldeira destaca é a presença do machado de ferro dos portugueses. Em uma sociedade que não conhecia a metalurgia, o machado de ferro gera um choque de produtividade com dois efeitos: (a) facilita o trabalho na roça e; (b) aumenta o poder militar.
Trata-se, pois, de um choque tecnológico, no jargão econômico. Pois bem, no arcabouço northiano, sociedades como a dos guaranis podem ser pensadas como uma ordem de acesso limitada (OAL), na qual o grupo dominante, diante de um choque tecnológico que aumenta seu bem-estar (o machado de ferro), acolhe os lançados em sua estrutura social e, portanto, de poder.
No arcabouço de North e de seus coautores, as instituições de uma OAL mudam conforme um choque exógeno, ou um por conta de uma alteração das ‘crenças’ que guiam o pensamento das elites.
Alston define crenças como a forma que o indivíduo conecta instituições e desempenho econômico (por exemplo, uma crença liberal acredita que o melhor desempenho econômico da sociedade será obtido sob instituições liberais). Claro, esta alteração só terá efeito se mudar a configuração de custos e benefícios da elite.
Os ‘genros’ aos quais se refere Caldeira são justamente estes portugueses (Lançados) que facilitam a troca de pau-brasil por machados de ferro. O choque tecnológico abre uma janela de oportunidade que resulta em abertura de acesso ao poder para estrangeiros brancos por conta do ganho que estes geram para a elite da sociedade guarani.
A nova OAL, composta de guaranis e portugueses bilíngues resultará em uma sociedade colonial muito mais complexa do que geralmente se ensina em colégios (a despeito do número imenso de horas que os burocratas impõem ao ensino…).
Deste modo, ainda que sem inspiração (aparentemente) direta no modelo da transição institucional de North, Alston e afins, Caldeira traz uma interpretação da dinâmica de poder na sociedade (ou no embrião de sociedade?) colonial que é perfeitamente compatível com a literatura novo-institucional.
Obviamente, há outros elementos interessantes que podem ser trazidos a partir de uma leitura mais atenta do excelente livro de Caldeira. Só para mencionar um: creio que é possível relacionar os últimos trabalhos de Deirdre N. McCloskey com o relato de Caldeira. Não, não tive tempo para fazer isto e talvez seja melhor deixar esta dica para algum interessado.
p.s. Eu já havia falado sobre o livro do Caldeira e sua relação com as teorias de North e Alston, aqui.
Caiu - Após anos segurando as pontas (ou carregando o piano), ele caiu. Foi de repente, mas todo mundo dirá que houve um processo lento, que tudo tem história e que Roma não foi construída em um dia (embora sua destruição…).
Caiu. Simplesmente caiu. Houve quem dissesse que ele ainda teria dado um último suspiro. Será mesmo? Estava a seu lado quando caiu e, não, não ouvi suspiros, nem soluços, nem muxoxos. Pareceu-me que caiu silenciosamente.
Pode-se debater se sua queda foi como a de uma torre ou como a de um saco de laranjas que, diante de um buraco lateral, desmancha-se de forma aparentemente aleatória. Alguns o viram cair de um jeito e outros juram que caiu de outro.
Lembrei-me de um filme - acho que de Ozu - em que os personagens passam o tempo todo debatendo se uma fábrica tinha três ou quatro chaminés para, no final, descobrirem que era questão de ponto de vista (mesmo). Eram quatro. Será que sua queda pode ser vista de duas formas diferentes?
Pense na dificuldade que se tem ao descrever uma dor ao médico: ela é aguda? Intermitente (esta é mais fácil), como uma fincada? Ou é como uma martelada no dedo? Descrever a queda de alguém não deveria ser tão trabalhoso. Nem polêmico.
E, no entanto, lá está ele, estatelado no chão, sem vida. Não mais respira. Seja como você o vir, ele está caído, morto e nada que você invente (mesmo que negue a biologia, inclusive) fará com que ele se levante, respire e siga pelo caminho que havia planejado.
Após a queda, esta queda, nada mais.
Quem tem medo das Cidades Privadas? - Eis minha coluna sobre cidades privadas, na Exame. O tema das jurisdições especiais - sim, cidades privadas são um tipo de… - interessa-me há algum tempo.
Percebi, há pouco tempo, que o tema nunca saiu do meu radar. Minha dissertação de mestrado foi sobre a economia política da emancipação de municípios em Minas Gerais (cuja versão resumida foi premiada pelo Tesouro Nacional em 1998), ou seja, eu já me arriscava pela função de produção de cidades desde aquela época.
Mais recentemente, com Diogo Costa e Diana Coutinho revisitamos o tema em capítulo de um livro de Análise Econômica do Direito. Também trabalhei com Isabela em relatório - que incluiu mais dois ótimos ensaios - publicado na Enap, em 2022, sobre o mesmíssimo assunto.
Aliás, este relatório foi uma consequência direta do nosso evento sobre charter cities, feito às vésperas do início da pandemia (o tema seria retomado, já nos tempos fatídicos do falecido ‘novo normal’, na Semana de Inovação da mesma instituição).
Em jornal local, por duas vezes (apenas uma ficou online), falei sobre o tema. Primeiro, com Marcus R. Xavier, apresentando o conceito de charter cities para refugiados, apresentando um esboço de solução para Brumadinho. No segundo, falei da experimentação institucional que estes arranjos nos permitem, suavizando possíveis mudanças radicais que bem podem acelerar o desenvolvimento econômico (este ficou online, aqui).
Gostou? Eu já havia divulgado (posso estar enganado, mas acho que não) alguns vídeos sobre o tema, nesta mesma newsletter, mas vou repetir a dose.
Identidade - Perdeu-se uma identidade. Recompensa-se bem a quem a encontrar. Da última vez foi vista debatendo furiosamente - e com que convicção, meu chapa! - com alguém, acerca de alguma divergência quanto à visão de mundo (bolacha ou biscoito, Deus ou ateísmo etc.).
Ia bem, comigo, até que, ao meter meu nariz no poste, separou-se de mim e deve ter ficado desacordada na calçada. Imagino que alguém a levou. Quero crer que para um pronto-socorro. Deus queira que não tenha sido sequestrada.
A minha identidade é meio irascível, mas é uma boa identidade. Nunca matou ninguém. Nem furtou nada. No calor, geralmente sua muito e resmunga. Gosta de chuva, mas não muito. Sabe fazer bolinhos de chuva como ninguém.
Quem a encontrar, favor encaminhá-la para a Rua da Direita, 999, bloco C.
Hankyou Minyou (絆響民謡) - Um dos meus raros empreendimentos foi o de estimular alguns talentos que curtiam música folclórica japonesa, em Brasília, a formarem um grupo. Demorou um pouco, mas aconteceu.
O melhor? Já estão se apresentando. Belo Horizonte? Não, ainda não temos. Digo, tínhamos nosso grupo filiado à Kyoudo Minyou, braço brasileiro da associação japonesa. Só que, com a pandemia, a associação encerrou suas atividades. Há uma certa esperança no ar, mas…a conferir.
De todo modo, orgulho de ter sido parte - ainda que brevemente - da criação do Hankyou Minyou, nosso novíssimo grupo de minyou (música folclórica japonesa) de Brasília. Visite o perfil deles. Siga-os. Ajude-me a valorizar este pessoal esforçado e talentoso. Agradeço de antemão!
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico geralmente às quartas. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.